O indigenista Bruno Pereira (ao centro) em missão realizada pela Funai , no Vale do Javari
Divulgação/Funai/Arquivo
O indigenista Bruno Pereira (ao centro) em missão realizada pela Funai , no Vale do Javari

O indigenista Bruno Araújo Pereira, desaparecido na Amazônia desde a última segunda-feira, junto do jornalista inglês Dom Phillips , era o responsável pela Coordenação Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Funai até outubro de 2019. 

Após coordenar uma operação que expulsou centenas de garimpeiros da terra indigena Yanomami, em Roraima, Pereira foi exonerado do cargo sem qualquer tipo de justificativa interna. 

Para o indigenista que atuou por 23 anos na Funai com trabalhou com povos isolados e conheceu o homem, Antenor Vaz, o afastamento do cargo se deu em um contexto onde a fundação passou a ter uma presidência totalmente anti-indígena e que perseguia qualquer pessoa que tivesse uma posição que fizesse se cumprir as leis indigenistas, consequência do governo do Presidente Bolsonaro.

O caso aconteceu depois que o delegado da Polícia Federal Marcelo Xavier Silva assumiu a presidência da fundação, apoiado pela bancada ruralista. 

A exoneração foi assinada pelo então secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública Luiz Pontel. Para ocupar o lugar de Pereira, o missionário evangélico Ricardo Lopes Dias foi nomeado e ficou apenas nove meses na posição.

Após a exoneração, Pereira pediu licença do órgão e decidiu fiscalizar a região, atacada por garimpeiros, madeireiros e pescadores, ao lado dos indígenas, com a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) . 

Como mostrado no GLOBO nesta quinta, na ONG o servidor público ensinava os ativistas do vale a manusear mapas e a operar drones, o que permitia que eles próprios fiscalizassem a área e documentaram irregularidades às autoridades de segurança.

“O Bruno conseguiu passar ainda um certo tempo, mas culminou quando ele coordenou uma operação de desintrusão na TI Yanomami. No retorno dele, ele foi quase que imediatamente exonerado, perdeu a função. Poucos meses depois, ele se viu completamente escanteado, não tendo mais nenhuma participação nos trabalhos. Ele foi isolado”, comentou Antenor Vaz.

Antenor Vaz participou da criação da primeira terra indígena reconhecida pelo governo brasileiro, chamada de Terra Indígena Massaco. Segundo Vaz, Pereira trabalhava duro, coordenando 11 frentes de proteção etnoambiental espalhadas pelo Brasil e não tinha recursos humanos para fazer o trabalho de fiscalização.

“A Funai discordava dos encaminhamentos dele: questões relacionadas a invasões de terras indígenas com presença de índios isolados e todos os procedimentos demarcatórios de território para índios isolados. Quer dizer, dentro da Funai, você pode fazer qualquer coisa, menos entrar nesse contexto de retirar invasores de terras indígenas e exigir um cumprimento do processo demarcatório, isso acontece até hoje”, critica Vaz.

Pereira entrou por concurso na Funai em 2010 e constitui uma nova geração de indigenistas. Quando perguntado sobre se a saída de Pereira teve algum apoio, Vaz é enfático em dizer que existiam deputados interessados na queda do homem por conta da exploração de madeira.

“Existiam deputados do Mato Grosso, da bancada ruralista, que apoiavam a exoneração do Bruno. Por conta de uma questão muito específica, que era a Terra indigena Piripkura. Essa terra está em situação de restrição de uso, ela já é invadida por grandes latifundiários e existiam interesses grandes em liberar essa terra para exploração de madeira”, aponta.

Quando perguntado sobre a diminuição da pressão em combate a esses atos ilícitos, o indigenista diz que foi drástica no governo Bolsonaro.

“As pessoas que tinham uma postura de defesa dos direitos fundamentais dos índios, passaram a ser exoneradas, escanteadas e perseguidas. O Bruno é um exemplo disso. A partir do momento que ele teve atitudes mais diretas no combate ao garimpo. Nessa nova gestão da Funai, foram cortados até parcerias com organizações não governamentais (ONGs)”, comentou.


Dado o conhecimento de Pereira sobre a área, para Vaz a possibilidade dos dois estarem perdidos da mata é remota.

“Na minha opinião, essa possibilidade é bastante remota, o que resta é que eles tenham sido sequestrados e seguidos. No entanto, eu acho que tudo é possível, nesses rincões do Brasil desamparados tudo pode acontecer. eu torço para que estejam vivos e perdidos”, diz Vaz lamentando.

O Globo mostrou que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal (MPF) de Tabatinga tinham conhecimento da atuação de uma organização criminosa que atua na pesca e caça ilegal no Vale do Javari. Em uma reunião realizada no dia 4 de abril, Bruno Pereira mapeou a área para as autoridades, inclusive com indicação do local e de fotos dos suspeitos de envolvimento no seu desaparecimento.

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