Em meio a recorde de sem-teto, São Paulo tem 1.750 imóveis vazios
Rafael Nascimento de Souza / Agência O Globo
Em meio a recorde de sem-teto, São Paulo tem 1.750 imóveis vazios

Imortalizada em música de Caetano Veloso, a esquina da Rua Ipiranga com a Avenida São João, no centro de São Paulo, abriga o Edifício Independência, famoso por ser o endereço do tradicional Bar Brahma e que está há anos com 13 de seus 15 andares completamente vazios e em estado de degradação. Há janelas quebradas, pichações e uma placa de aluga-se.

O caso do Independência é icônico, mas está longe de ser exceção no centro expandido de São Paulo. Até 2020, foram notificados pela prefeitura ao menos 666 imóveis no centro, 84% deles edificações vazias ou abandonadas. São pelo menos 82 prédios às moscas, segundo informações compiladas pela arquiteta Ana Gabriela Akaishi, que pesquisou o tema em seu doutorado na USP.

O plano diretor de São Paulo, de 2014, já previa o chamado IPTU Progressivo. A lei prevê cinco alíquotas (a mais alta, de 8%). Pagam o imposto progressivo hoje 1.743 imóveis na cidade toda, de acordo com a gestão de Ricardo Nunes (MDB). Desses, 181 já pagam a última alíquota e estão, portanto, há no mínimo cinco anos vazios. É o caso do Independência, que é de propriedade da tradicional Imobiliária Savoy.

Enquanto esses imóveis permanecem desocupados, Ao mesmo tempo, a população sem-teto na cidade chegou a 31 mil em 2021, 31% a mais do que pré-pandemia.

Embora a lei permita que a prefeitura realize desapropriações de imóveis desocupados por mais de cinco anos desde 2019 e os destine a projetos de habitação social, a norma não tem sido cumprida. Isso porque o pagamento aos proprietários deve ser feito por meio da emissão de títulos da dívida pública do município e, segundo a prefeitura, uma resolução do Senado de 2001 proíbe a emissão desses títulos.

Para Fernando Túlio Franco, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil em São Paulo, a gestão municipal teria alternativas para fazer as desapropriações.

"Houve uma redução drástica de imóveis notificados nos últimos anos. Além disso, a prefeitura poderia trabalhar na lógica do consórcio. Chamar investidores interessados em imóveis desocupados, propõem uma contrapartida pública e realiza o projeto social, por exemplo", diz.

A lei municipal que dá incentivos para o retrofit de imóveis, segundo ele, não tem incentivos adicionais caso o imóvel tenha função social, por exemplo, o que pode implicar na expulsão de população vulnerável da região.

"É um território em disputa, mas sem uma definição clara do poder público sobre o que se quer para a região. Há quem defenda que a ocupação deve ser por jovens de classe média, mas a população de baixa renda que mora no centro vive em geral em condição precária", explica Ana Gabriela.

Na lista dos maiores imóveis abandonados, estão prédios inteiros de investidores, mas também de instituições religiosas ou de espólios de pessoas já falecidas e cujas posses estão em litígios judiciais.

A poucos metros da Rua da Consolação, a Imobiliária Savoy tem mais um edifício abandonado. O prédio, de 11 andares e de 6.400 mil metros de área construída, chegou a ser ocupado por movimentos sociais expulsos definitivamente do local em 2018. Desde então, permanece vazio, protegido por seguranças. Quem se interessar por alugar o imóvel inteiro terá de desembolsar R$ 90 mil mensais e mais R$ 412 mil de IPTU. Procurada, a empresa não respondeu.

"A estrategia da Savoy com esses imóveis não é clara. A empresa é uma das maiores devedoras de IPTU", afirma Ana Gabriela.

Entre os prédios públicos abandonados, está uma série de 18 imóveis doados pelo INSS à prefeitura desde 2015, como forma de pagamento de uma dívida.

Casa Amarela Afroguarany é exceção no padrão de abandono

A maior parte dos edifícios e terrenos está no centro e seria destinada a projetos de habitação social, mas até hoje quase todos estão vazios. Uma exceção é a Casa Amarela Afroguarany, na Rua da Consolação, um casarão tombado que é ocupado por um coletivo de artistas. A prefeitura já tentou reaver o imóvel, mas afirma que o processo de reintegração “segue suspenso”.

Entre os imóveis desocupados icônicos, o Casarão Franco de Mello, na Avenida Paulista, é um dos poucos que já tem destino certo. Construído em 1905 e tombado em 1992, o casarão foi se degradando nas últimas décadas por falta de manutenção e abandono do imóvel.

O imóvel foi desapropriado e o governo paulista assumiu o casarão em 2019. O local, que já recebeu reparos emergenciais para evitar incêndios e desabamentos, vai receber o Museu da Gastronomia. O espaço será concedido à iniciativa privada, que vai revitalizar o casarão e implementar o museu.

"O prazo de concessão será de 35 anos. Já fizemos os estudos do projeto, que vai a audiência pública em julho. Até setembro, publicaremos o edital do leilão, que será feito ainda neste ano", diz Sérgio Sá Leitão, secretário estadual de Cultura.

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