Cracolândia
Rovena Rosa/Agância Brasil
Cracolândia

O esvaziamento repentino da Cracolândia, na semana passada, deve dificultar o trabalho da polícia e também a atuação de profissionais da assistência social e saúde, segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO.

O efeito colateral decorre principalmente da dispersão de usuários de droga, que antes se concentravam no quadrilátero entre as alamedas Cleveland, Dino Bueno, Nothmann e a rua Helvétia, e agora estão espalhados em diferentes pontos da capital paulista, como na Praça Princesa Isabel e na região da Santa Cecília, ambos no centro.

"Uma vez que o comércio se dispersa em vários pontos, exige-se também o monitoramento de uma área maior e um serviço de inteligência mais complexo ", diz Giordano Magri, pesquisador do Núcleo de Estudos da Burocracia da FGV-SP (NEB-FGV) e pesquisador da Cracolândia desde 2017.

A Polícia Civil afirma que o esvaziamento da região, onde circulavam cerca de 500 pessoas por dia, foi uma ordem do próprio tráfico, que teria sido motivada pelas ações policiais dos últimos meses, especialmente no âmbito da Operação Caronte, deflagrada em junho, e que levou a 92 prisões, 49 mandados de busca e apreensão, 49 mandados de prisão e sete inquéritos instaurados.

"A polícia começou a atuar de forma mais inteligente na região e conseguiu sufocar o tráfico. Como os traficantes perceberam que iriam perder a mercadoria ou serem presos, adotaram a estratégia de dissipar para serem menos visíveis à polícia", afirma o professor da FGV e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rafael Alcadipani. "É possível, sim, que essa difusão da Cracolândia acabe dificultando o trabalho da polícia, isso tanto na atuação de pequenos roubos quanto na própria questão do tráfico."

Segundo Alexis Vargas, secretário executivo de Projetos Estratégicos, o desmonte da concentração de pessoas é razão para "comemorar".

"Ainda que haja alguma dispersão, com grupos menores é possível oferecer políticas públicas com melhores resultados, com aceitação de tratamento e acolhimento nas redes municipal de saúde e assistência social", explica o secretário, para quem as ações de segurança também se tornarão mais eficazes.

O Padre Júlio Lancelotti, coordenador da Pastoral do Povo da Rua, discorda.

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"Os consultórios de rua que acompanhavam a área foram pegos de surpresa (com o esvaziamento). Eles tinham pacientes que estavam em tratamento, em uso de medicação, com consulta marcada. Está sendo difícil localizar essas pessoas", afirmou o padre. "É uma vitória de Pirro. Você olha a Cracolândia vazia e a praça Princesa Isabel com o dobro de pessoas que tinha antes."

Na avaliação dele, não faz sentido a tese de que o tráfico tenha ordenado a saída da região por conta das operações da Polícia nos últimos meses.

"Como o efeito das operações que ocorreram há dias aconteceu da noite para o dia? Tinha horário marcado? Nenhum efeito é automático", afirma o padre.

Giordano Magri, que realiza pesquisas e atua na região há 15 anos, diz que falta uma estratégia da prefeitura para lidar de forma estrutural com o uso de drogas. Prova disso, afirma o especialista, é o fato de os pontos de consumo de crack terem pulado de 60, em 2017, para 150 hoje — aumento de 250% em cinco anos.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) disse que as polícias Civil e Militar atuam diariamente na região da Nova Luz, com a realização de ações de policiamento preventivo e ostensivo e trabalho investigativo.

“Desde janeiro de 2019 até o dia 28 de fevereiro, as forças de segurança estaduais apreenderam mais 3,8 toneladas de drogas e 48,3 litros de drogas líquidas na região. No mesmo período, foram apreendidas 18 armas de fogo, 111 facas, 522 munições de diversos calibres, 446 balanças de precisão e mais de R$ 900 mil em notas e moedas", escreveu a secretaria.

A Prefeitura de São Paulo afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que uma série de ações integradas entre os governos municipal e estadual de São Paulo fez com que, pela primeira vez em trinta anos, o tráfico abandonasse a Cracolândia.

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