Agricultores despejam agrotóxico de forma aérea em lavoura
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Agricultores despejam agrotóxico de forma aérea em lavoura

Quase um ano após serem atingidos por agrotóxicos lançados em aviões por produtores de soja, moradores da comunidade de Araçá, localizada na Zona Rural de Buriti, no Maranhão, ainda não receberam os resultados dos exames toxicológicos realizados no ano passado. A coleta de sangue foi coordenada pela prefeitura de Buriti para detectar a presença ou não de veneno no corpo de dezenas de pessoas que tiveram ferimentos, dor de cabeça e náusea após inalarem ou serem atingidos pelos pesticidas.

O GLOBO falou com três famílias, totalizando 15 pessoas, e nenhuma delas recebeu o resultado até o momento. Entre os que denunciaram o atraso está o agricultor e presidente da Associação Comunitária do Povoado de Araçá, Edmilson Silva de Lima, que confirmou que a situação é unânime no vilarejo. Ainda segundo ele, produtores de soja da região já o procuraram para falar que “os exames não vão apresentar nenhum diagnóstico negativo” e que “iriam mover uma ação contra os moradores da comunidade por terem mentido sobre seus estados de saúde”.

"Até hoje a gente não recebeu nada dos exames. A minha filha foi uma das mais prejudicadas porque ela estava filmando o avião despejando o agrotóxico e teve ânsia de vômito, dor de cabeça. A gente não tem como pagar os exames, mas sabemos que não mentimos", afirmou Edmilson.

Uma das primeiras pessoas a realizar o exame, cerca de uma semana após o ocorrido, em abril de 2021, foi André Lucas, menino de 8 anos que teve ferimentos em carne viva que chegaram a causar mau cheiro. A coleta de sangue de todos da comunidade foi realizada pelo Instituto Médico Legal (IML) de Timon, município localizado a 171 quilômetros de Buriti. Procurado na manhã desta quarta-feira para informar sobre os documentos, o IML disse que não tem informações sobre os diagnósticos e que o coordenador do laboratório não estava disponível.

Até hoje sem realizar outra análise clínica específica para explicar a fraqueza que passou a sentir após ser pulverizado pelo pesticida, a mãe de André Lucas, Antônia Peres, diz que já buscou um posicionamento sobre o atraso no recebimento dos resultados junto à prefeitura de Buriti, mas não obteve resposta.

"Ele tem sentido muita fraqueza mesmo comendo bem. Quando sai para brincar volta falando que está fraco e não aguenta mais andar. Já procurei saber sobre o resultado do exame que ele fez, mas só falam que ainda não têm, e é uma luta agendar consulta porque não querem dar prioridade para o meu filho, mesmo tendo pedido médico", afirma Antônia.

O agricultor Nelin de Oliveira foi até o IML fazer a coleta de sangue em julho do ano passado, três meses após o ocorrido. Segundo ele, nem a esposa, o filho, a nora e o neto que fizeram o exame meses antes receberam respostas. Toda a situação e as incertezas em relação à saúde fizeram com que as crises de ansiedade de Nelin se agravassem.

"A gente não tem resposta para nada, nos tratam como cachorro. Tudo piorou com a crise de coceira, era insuportável a ponto de eu não conseguir ficar parado. A gente não é contra os produtores trabalharem, mas eles não têm respeito com a nossa comunidade, querem que a gente saia para eles continuarem desmatando e tacando veneno". 

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O GLOBO procurou a Secretaria de Saúde de Buriti, mas ainda não obteve resposta sobre o caso. A reportagem não conseguiu localizar produtores de soja da região, mas o espaço segue aberto a manifestação.

Demora dos exames atrasa investigações

De acordo com Diogo Cabral, advogado da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras do Estado do Maranhão (Fetaema), que representa a comunidade de Araçá, além de a demora dos exames atentar contra o direito à saúde dos moradores, impacta diretamente nas investigações do caso, que está há quase um ano sem respostas.

"Teve um problema seríssimo nestes exames, porque muitos deles foram feitos de 10 a 15 dias depois do evento, e no inquérito policial nenhum deles foi citado. O inquérito começou a tramitar em abril do ano passado e até hoje não foi concluído, o que tem gerado muitas críticas", afirma o advogado.

Em nota, o promotor de Justiça de Buriti, Laécio Ramos do Vale, informou que o inquérito ainda não foi concluído, pois “aguarda um parecer técnico solicitado em outubro de 2021 ao Centro de Apoio Operacional de Meio Ambiente, Urbanismo e Patrimônio Cultural (CAO-UMA), referente à análise dos documentos juntados a partir das diligências”. O caso é investigado pela Polícia Civil do Maranhão.

Um relatório de atividades apresentado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) mostrou que o herbicida usado em grandes quantidades nas lavouras de soja que mais atinge e causa efeitos colaterais na população maranhense é o glifosato. O pesticida provoca a contaminação dos recursos hídricos e das áreas usadas na produção de alimentos, e, a longo prazo, causa intoxicação do organismo humano e dos animais.

O Ministério Público Maranhão solicitou à União, à Agência Estadual de Defesa Agropecuária e à Secretaria Estadual de Meio Ambiente um levantamento das condições das lavouras de soja e demais culturas agrícolas que usam o herbicida glifosato no estado, por meio de vistorias e estudos técnicos. Também foi solicitado que o Maranhão não conceda nem renove novas licenças ambientais a empreendimentos que façam uso desse veneno, até o completo levantamento da contaminação no solo e em corpos hídricos da região. Cabe à União e ao estado do Maranhão monitorar a presença excessiva do agrotóxico nos produtos de origem vegetal e proibir o uso de aeronaves na aplicação.

"Várias pessoas, dentre crianças e idosos, no período do plantio e colheita de soja, denunciam problemas de saúde, tais como dores de cabeça, coceira na pele, ardência nos olhos, vômito, mal estar e fadiga. Essa situação se repete todos os anos e por isso a gente cobra fiscalização', afirma o advogado da Fetaema.

No dia 6 de março de 2020, uma decisão judicial proibiu aplicações aéreas de agrotóxico em Buriti. O uso foi autorizado apenas em aplicações terrestres, feitas com 1 km de distância das comunidades rurais. No entanto, moradores denunciam que o distanciamento não tem sido respeitado e segue sendo feito a aproximadamente 150 metros da comunidade de Araçá. Procurada, a Polícia Civil não informou sobre a fiscalização no local.

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