O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) publicou na última quarta-feira (29) uma revisão do Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP) que não inclui no escopo de monitoramento as mortes causadas por policiais. O documento, que estipula metas de redução de mortes e outros crimes para os próximos dez anos apresenta uma projeção de redução de 2,8% de homicídios ao ano até 2030. O ministério admitiu que está colhendo os dados sobre mortes causadas por agentes de segurança, mas não pretende divulgar no primeiro momento.
O plano foi publicado no Diário Oficial e apresenta 13 metas. Em relação às mortes violentas, o governo estipula metas de redução de homicídios, lesão corporal, latrocínio, mortes no trânsito e mortes de mulheres. O documento, entretanto, não incluiu mortes decorrentes de ação de agentes de segurança pública.
",O plano abandona as mortes decorrentes de intervenção policial. Isso é um ponto que chama muita atenção, porque invisibiliza as mortes pela polícia, porque não dá para sumir com elas", afirma Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Uma portaria de dezembro de 2018 inclui a morte por intervenção de agente do Estado como uma classificação à parte de homicídio, mas a regra não foi seguida no plano. Procurado, o Ministério da Justiça afirmou que as informaçõe serão coletadas, mas computadas dentro do indicador homicídio.
De acordo com a pasta, a medida é necessária nesse primeiro ciclo do plano para "qualificar e padronizar as coletas e bases de dados sobre as ocorrências dessa natureza nos estados da federação".
Segundo Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, entretanto, não há razão para não desagregar os dados, como foi feito, por exemplo, com latrocínio, ou ainda com suicídios e mortes de policiais.
"Claro que é importante padronizar e coletar com responsabilidade. Mas a decisão do que entra nessa primeira leva de indicadores é também uma decisão política. Porque uma série de outros indicadores, que também são importantes de coletar, como vitimização policial ou suicídios de policiais entraram de forma autônoma", disse.
Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que a entidade há anos consegue catalogar esses dados de estados.
"Em alguns estados, como Ceará, trabalham com a categoria que é a soma das lesões, latrocínios e homicídios. E o ministério está desagregando esses três números de forma isolada. A mesma coisa acontece com as mortes pela polícia: alguns somam, outros publicam apartado. Há quase 10 anos, o Fórum separa, desagrega e faz a soma. Todos os estados já têm esses dados abertos e desagregáveis. Se o governo não incluiu, é porque ele não quer. O dado está lá", afirmou.
Além disso, o documento optou por não adotar a classificação de feminicídio, criando a divisão de "mortes violentas de mulheres". Documentos preparatórios do plano apontavam que existia um problema para verificar o que era ou não feminicídio.
Por outro lado, o Plano incluiu uma série de monitoramentos sobre a violência contra policiais. Os dados de vitimização e o suicídio de policiais, por exemplo, serão acompanhados mensalmente. O quantitativo de vítimas de homicídio, por outro lado, será acompanhado de forma trimestral.
Além disso, o governo listou 12 ações estratégicas que incluem desde otimização dos órgãos de segurança pública até questões relacionadas ao combate à corrupção.
O Ministério da Justiça afirmou que houve 1400 contribuições da população para a confecção do plano. Especialistas, entretanto, afirmaram que a discussão do tema foi quase inexistente com os movimentos que pesquisam o tema.
As metas apresentadas para redução de homicídios também é menos ousada que a de 2018. À época, o governo Temer projetou uma redução de 3,5% ao ano no número de homicídios. Agora, o Plano defende uma redução de 2,8% ao ano. Contudo, o governo prevê um compromisso de redução de 44,5% da redução dos homicídios de mulheres, mais ousada, segundo especialistas.
O governo não incluiu indicações específicas de como espera cumprir, mas apontou ações estratégicas para sua execução, por meio de 12 ações estratégicas. Essas ações vão desde a otimização da gestão dos órgãos de segurança pública e defesa social até o combate à corrupção, narcotráfico e organizações criminosas, passando pela melhoria no atendimento a grupos vulneráveis vitimizados e implemento da qualidade de vida dos agentes da segurança pública.
Segundo Renato Sérgio de Lima, o documento apresentado pelo Ministério da Justiça vai de encontro ao que esta previsto na legislação do tema aprovada nos últimos anos e que previa uma atuação coordenada entre o governo federal, estados e municípios.
A visão é compartilhada por Fabio Sá e Silva, professor da Universidade de Oklahoma e que pesquisou a evolução dos planos de segurança no país.
"Historicamente há uma dificuldade para acomodar sugestões da sociedade civil e especialistas, mas vinha sendo feito até então", disse Silva, que completou: "Ao que parece, o governo atuou não aproveitou nada da infraestrutura que existia e apelou para a prática de colocar de cima para baixo, o que pode levar a problemas de legitimidade."
O documento, por exemplo, não cita o Sistema Nacional de Acompanhamento e Avaliação das Políticas de Segurança Pública e Defesa Social (Sinaped), criado no âmbito Sistema Ùnico de Segurança Pública (Susp).
"A lei do Susp pensava o sistema como uma instância tripartite, da mesma forma que funciona na saúde, com o SUS. Nessa nova política, o ministério assume centralidade como órgão deliberador. Quem decide é o ministério. Ele está definindo regras, normas e protocolos. A lei do Susp tentava integrar pela cooperação. E o que o governo quer é mandar na segurança pública", afirma Lima.