Dados da Polícia Federal mostram que 79% das armas registradas pelo órgão no primeiro semestre de 2021 estão nas mãos da sociedade civil. Das 97.243 novas armas, oito em cada dez registradas entre janeiro e junho deste ano pertencem a pessoas físicas, categorizadas apenas como “cidadão” , ou seja, que não utilizam o acessório como instrumento de trabalho ou se encaixam no grupo de colecionadores, atiradores e caçadores, os CACs.
De acordo com os números obtidos pela agência Fiquem Sabendo, especializada em Lei de Acesso à Informação, os dados totais deste primeiro semestre ainda revelam um aumento de 31% no número de registros, se comparado com o mesmo período do ano passado, quando a PF registrou 73.985 novas armas.
Segundo Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, os dados corroboram uma tendência de aumento já vista em outras categorias após sucessivas flexibilizações por parte do governo federal. Para a especialista, além do acesso facilitado, o discurso ativo do presidente Jair Bolsonaro em prol do armamento individual ajuda a explicar a alta dos números.
"Esses números não chegam a ser uma surpresa e fazem parte de um escopo de mudanças que ganha força a partir de 2019, quando Jair Bolsonaro assume a presidência. Por um lado, incentiva-se a política de autodefesa como questão de liberdade, e a consequência disso é o enfraquecimento das políticas públicas de segurança, como se um pudesse substituir o outro", afirma a especialista.
Os estados com maior número de novos registros de armas por cidadãos comuns foram, respectivamente, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo, Mato Grosso e Santa Catarina. Juntos, eles representam um universo de 46% de todos os equipamentos registrados no período.
Violência doméstica
Outras categorias que também tiveram aumento no registro de armas são os órgãos públicos, com mais de nove mil novas inscrições; servidores públicos com porte por prerrogativa de função (8,4 mil) e empresas privadas de segurança (2,9 mil). Essa classificação é consequência de uma mudança realizada em abril de 2019 no Sistema Nacional de Armas (Sinarm), que também desdobrou a categoria Pessoa Física em “cidadão”, “caçador de subsistência” e “servidor público (por prerrogativa de função)”.
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Para a diretora do Instituto Sou da Paz, o ambiente está se tornando cada vez mais propício para que o cidadão comum adquira uma arma, o que aquece um novo mercado de cursos e workshops de defesa pessoal. Apesar disso, Carolina Ricardo reforça que uma arma nas mãos de um cidadão comum pode representar objetivamente um perigo muito maior do que a sensação de segurança proporcionada.
"Uma importante revisão de literatura sobre o tema na Faculdade de Saúde Pública de Harvard mostra que as armas em residências são muito mais usadas em casos de violência doméstica do que em legítima defesa em relação a um crime na residência. Ainda que não tenhamos tantas evidências para o Brasil, é bem plausível que isso se repita por aqui também. Além de ser ineficiente, o aumento do número de armas em posse de pessoas físicas é mais uma oportunidade para abastecer o mercado ilegal", conclui Carolina.