Um policial civil investigado por duas mortes no Jacarezinho durante a operação mais letal da história do Rio deu duas versões diferentes sobre os homicídios. No depoimento prestado na Delegacia de Homicídios (DH) no dia da ação, o agente afirmou que foi alvo de "rajadas de tiros" e, por isso, ele e um colega teriam revidado a "injusta agressão". Oito dias depois, o agente voltou à unidade e não manteve a versão inicial: alegou que um dos homens estava "apontando uma pistola" em sua direção e o outro segurava uma granada, "fazendo menção a arrancar o grampo de segurança". Segundo o novo relato, os homens não chegaram a atirar nos policiais. A perícia de local constatou que não havia sinal de confronto na casa.
A operação no Jacarezinho, na Zona Norte, aconteceu em 6 de maio e terminou com 28 mortos — entre eles, um policial civil, o inspetor André Leonardo de Mello Frias. Os dois homens baleados na ação que teve a participação do agente que mudou sua versão foram identificados como Caio da Silva Figueiredo, de 16 anos, e Francisco Fábio Dias Araújo Chaves, de 25. Segundo o registro de ocorrência, os dois foram mortos por volta das 7h numa casa na Rua do Areal. Chaves foi atingido por um tiro na barriga e outro no braço; já Figueiredo foi baleado duas vezes na barriga.
O primeiro depoimento do agente Anderson Paes da Silva, lotado na Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), foi prestado às 18h21 do dia 6, horas após o fim da operação. Na ocasião, Silva contou que ele e o colega Rafael Schaewer, lotado na Delegacia Especializada em Armas, Munições e Explosivos (Desarme), foram até uma casa, que estaria usada por traficantes como base para dispararem na direção dos policiais. Segundo o relato, no imóvel, os policiais "foram recebidos com o lançamento de uma granada que não foi deflagrada, além de rajadas de tiros".
O agente também afirmou, na ocasião, que ele e o colega "revidaram a injusta agressão, efetuando disparos em direção aos meliantes". Em seguida, segundo essa versão, os agentes entrarem na casa de onde vinham os disparos e "encontraram dois indivíduos caídos no chão, sendo que um foi encontrado com uma granada e outro com uma granada e uma pistola". Essa é a mesma versão que consta no registro de ocorrência, elaborado no mesmo dia.
Já no dia 14 de maio, Silva voltou à DH e contou que participou de um confronto fora da casa, num beco, com criminosos que estariam dentro imóvel. Por isso, o agente e seu colega teriam entrado no imóvel. Após subirem as escadas, o policial afirmou ter visto "um homem, com tornozeleira, vindo na direção, com os braços levantados apontando na direção da casa que tinha atrás dele, dizendo "Os homens invadiram, não conheço'". Os dois agentes, então, teriam se dirigido em direção ao cômodo apontado onde viram mais duas pessoas: um homem segurando uma granada, e outro, uma pistola.
Não há nenhuma menção a rajadas de tiros. Nesse segundo relato, o agente também não usa a expressão "injusta agressão", mas sim "iminente agressão". Segundo Silva, ele e seu colega "atiraram no mesmo momento que se sentiram ameaçados pelos opositores". Depois dos disparos, o policial alega que ambos "deram alguns segundos de intervalo, e ao olhar novamente para dentro do cômodo, os dois opositores já estavam caídos ao solo, feridos". De acordo com Silva, os dois estavam vivos e foram levados ao hospital.
A perícia feita na casa não encontrou sinais de que houve um tiroteio no local — não havia marcas de tiros em sentidos opostos. Segundo o laudo de local de crime, não foram encontrados sinais compatíveis com a ocorrência de confronto no interior do apartamento.
Os socorro aos dois homens demorou cinco horas. Segundo o registro de ocorrência, feito com base no primeiro relato dos policiais, no dia do crime, os homens foram baleados "por volta das 7h". Os boletins de atendimento médicos das vítimas registram a entrada de cada um deles, respectivamente, às 12h04 e 12h14 — pouco mais de cinco horas depois. O cadáver de Francisco Fábio Chaves, segundo o documento, estava "eviscerado por PAF" — ou seja, com órgãos expostos, fora do corpo — quando chegou ao hospital. No segundo relato, o agente Anderson Silva também mudou a versão sobre o horário em que os homens teriam sido baleados: ao invés de 7h, afirma que o horário dos disparos foi às 8h30.
Procurada, a Polícia Civil informou que “só se pronunciará sobre as investigações no final, evitando qualquer antecipação”.