O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta quinta-feira (11) para impedir o uso da tese de "legítima defesa da honra" por acusados de feminicídio e entendeu que os advogados não podem usar o argumento por ele violar princípios como o da proteção à vida, dignidade da pessoa humana e igualdade.
Embora considere que a mudança tenha vindo tarde, a professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) Marta Machado avalia o entendimento da Corte como "muito importante" para o avanço de pautas que dão mais atenção à forma como as mulheres são tratadas na sociedade.
"É assustador que nós ainda tenhamos que discutir isso em 2020. Nós já avançamos muito, mas a lógica de culpabilizar a mulher sempre esteve vigente, o que está relacionado a questões morais e à autonomia que ela tem em relação ao próprio corpo", diz a especialista, citando parte da conclusão de um estudo que realizou em parceria com a Secretaria de Reforma do Judiciário, ligada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Nessa pesquisa, Machado conta que analisou 54 casos de feminicídio e pôde observar que grande parte dos casos se relaciona ao exercício da autonomia da mulher, seja em casos nos quais a mulher traiu o companheiro ou até quando ela já está em outro relacionamento. "O jogo vira sempre para questionar essa autonomia da mulher. Ao usar a tese da legítima defesa da honra, a mulher é tida como a megera, a que vai discutir com o homem no bar", diz a professora.
Apesar de a notícia ser bem-vinda, a especialista avalia que ainda falta muito para que a leis em defesa da mulher sejam bem aplicadas. Uma delas é a Lei do Feminicídio , que foi em promulgada em março de 2015 e trata de assassinatos que envolvem violência doméstica ou familiar, além de menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima.
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"A violência contra a mulher ainda é muito minimizada no Judiciário. Ele é muito pouco sensível às questões de gênero. Por mais que exista essa virada no STF, as instâncias superiores não acompanham esse movimento", afirma Machado.
A professora cita o exemplo do que ocorre em delegacias, onde muitas vezes as mulheres são questionadas sobre sua vida sexual em ocorrências de agressões praticadas por seus companheiros. "A jurisprudência do STF precisa ser praticada também pelas varas federais e pelos tribunais regionais. A mudança é boa, mas é um passo atrasado que estamos dando e essa mudança vem tarde", diz.
O julgamento no STF está sendo realizado em plenário virtual, quando os ministros não precisam fazer a sustentação oral de seus votos e apenas os depositam em um ambiente digital. Já votaram os ministros Dias Toffoli, relator do caso, Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Gilmar Mendes e Edson Fachin.
No voto apresentado na última sexta-feira (5), o Toffoli afirmou que a "legítima defesa da honra" é uma ferramenta "cruel", que viola direitos previstos na Constituição.
"Não obstante, para além de um argumento atécnico e extrajurídico, a 'legítima defesa da honra' é estratagema cruel, subversivo da dignidade da pessoa humana e dos direitos à igualdade e à vida e totalmente discriminatória contra a mulher, por contribuir com a perpetuação da violência doméstica e do feminicídio no país", escreveu.