As incertezas que pairavam sobre o julgamento do pedido de suspeição do ex-juiz Sergio Moro, retomado nesta terça-feira pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), fez com que juristas renomados, artistas consagrados e políticos de ambos os lados do espectro ideológico assinassem uma carta aberta clamando pela deliberação do caso na Suprema Corte. São mais de 300 assinaturas reunidas no texto que defende que Moro agiu com parcialidade ao longo de todos os julgamentos do ex-presidente Lula no âmbito da operação Lava Jato.
Citando as conversas entre integrantes da Lava-jato, reveladas pela Operação Spoofing, o manifesto argumenta haver “reiteradas violações ao devido processo legal” e reitera a proibição de atividades político-partidárias por membros do judiciário.
“Todos possuem o direito a um julgamento justo, assim compreendido como aquele conduzido por um juízo ou tribunal independente e imparcial, e por meio da atuação de procuradores comprometidos, tecnicamente, com a função pública desempenhada (...) As violações ao direito a um julgamento justo não implicam em singelos desvios procedimentais, mas em severa lesão à própria democracia constitucional”, diz a carta.
Além de nomes de peso no mundo jurídico como Celso Bandeira de Mello,assinam o texto o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz,o ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ), Ciro Gomes (PDT), Renan Calheiros (MDB-AL) e Marcelo Freixo (PSOL-RJ). Quatro governadores também corroboram o posicionamento: Fátima Bezerra (PT), Flávio Dino (PC do B), Renan Filho (MDB) e Wellington Dias (PT).
Entre os artistas, os cantores Arnaldo Antunes, Chico Buarque, Emicida, Gilberto Gil, Zeca Pagodinho, as atrizes Camila Morgado, Dira Paes e Julia Lemmertz e o youtuber Felipe Neto também marcam presença na lista de assinaturas.
O julgamento do caso, iniciado em dezembro de 2018, ganhou protagonismo após o ministro Edson Fachin anular as condenações de Lula e declarar que o processo de suspeição de Moro tinha perdido o objeto e não precisava mais ser avaliado. Pautada por Gilmar Mendes, a sessão foi encerrada com um empate em dois a dois, mas o resultado final ainda será alterado pelo voto do ministro Nunes Marques, que pediu vista para analisar o processo por mais tempo.
Caso a Segunda Turma declare a suspeição de Moro, o assunto ainda pode ganhar um novo capítulo. Por ter decidido que a ação tinha perdido o objeto, Fachin suscitou uma questão de ordem e solicitou a intervenção do presidente do STF, Luiz Fux. De acordo com o colunista Lauro Jardim, o assunto será remetido ao plenário da Corte, para nova votação.
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Veja a seguir a íntegra da carta aberta ao STF:
Os diálogos trazidos a conhecimento público em resposta a petições da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Supremo Tribunal Federal, nas últimas semanas, demonstram haver reiteradas violações ao devido processo legal, bem como ao dever de imparcialidade da jurisdição e, ainda, dos deveres impostos aos membros do Ministério Público, nas investigações e nas ações penais da operação Lava Jato, em especial àquelas relativas ao ex-presidente.
Tais diálogos, examinados pela defesa com autorização judicial expressa, convergem para reforçar graves fatos contidos em habeas corpus trazido a esta Corte em novembro de 2018, com julgamento já iniciado, apontando a suspeição do julgador daquelas ações penais em relação ao ex-presidente Lula.
Todos possuem o direito a um julgamento justo, assim compreendido como aquele conduzido por um juízo ou tribunal independente e imparcial, e por meio da atuação de procuradores comprometidos, tecnicamente, com a função pública desempenhada, o que veda que figurem como advogados privados de acusação. A proibição do exercício de atividade particularista, político-partidária e ideológica consta do artigo 5º, inciso LIV, da Constituição brasileira de 1988; do artigo X da Declaração Universal dos Direitos Humanos; do artigo 14 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; do artigo 8º do Pacto de San José da Costa Rica; e, dentre outro, dos artigos 40, 54 e 67 do Estatuto de Roma.
Com efeito, o processo penal contemporâneo é informado por determinados princípios e regras que, muito além de qualquer formalismo procedimental, é uma decorrência da própria relação que se estabelece entre o Estado e os indivíduos em termos civilizatórios, bem como de tutela de direitos individuais face ao poder de persecução do Estado. Portanto, as violações ao direito a um julgamento justo não implicam em singelos desvios procedimentais, mas em severa lesão à própria democracia constitucional.
Assim considerando, conclamamos, por meio da presente carta, que o Supremo Tribunal Federal reconheça referidas violações e, consequentemente, acolha plenamente o habeas corpus e anule todos os processos relativos a Luiz Inácio Lula da Silva nos quais tenha havido participação dos procuradores da operação Lava Jato e do então juiz Sérgio Moro, garantindo-lhe o direito a um julgamento justo conduzido por procuradores efetivamente públicos e por um juiz imparcial.