Nuno Vasconcellos
Daniel Castro Branco/Agência O Dia
Nuno Vasconcellos


Uma comparação fria do Rio de Janeiro de hoje com o do final do ano passado — quando a cidade ainda era administrada por Marcelo Crivella — mostra que, à primeira vista, quase nada mudou. E o que mudou ainda não foi suficiente para melhorar a vida da população. As filas diante dos hospitais públicos permanecem extensas. Os ônibus urbanos ainda circulam abarrotados e os servidores municipais continuam sem saber se, no fim do mês, terão os salários em suas contas. Ou seja, tudo continua como antes.

Um olhar mais atento, no entanto, mostra que não é bem assim. Mudanças já começaram e, por menores que pareçam, poderão fazer uma diferença enorme daqui a dois ou três anos. Uma delas, talvez a principal, é a postura do prefeito.Ao invés de se esquivar das responsabilidades e de culpar os outros por suas próprias falhas, como acontecia meses atrás, Eduardo Paes e seus auxiliares mostram a cara e se comprometem em buscar a solução dos problemas com os quais se deparam.

Na quinta-feira passada, por exemplo, o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, se posicionou sobre um tema trazido ao noticiário pelas páginas de O DIA, há pouco mais de uma semana, e que foi mencionado por esta coluna no domingo passado. Trata-se da denúncia de que estaria havendo desperdício de vacinas contra a covid-19 nas unidades de Saúde do Rio de Janeiro.


A solução encontrada pela secretaria para lidar com a situação chega a surpreender pela simplicidade e leva em conta as características das vacinas disponíveis. Ao invés de utilizar, no final do expediente, a vacina de Oxford (distribuída no Brasil pela Fiocruz) e correr o risco de que não consumir as dez doses do frasco por falta de pessoas na fila, os funcionários passaram a se valer, no momento em que a procura diminui, apenas da vacina do Instituto Butantan. Cada frasco, nesse caso, tem apenas uma dose do imunizante. Assim, o desperdício é evitado.

COMBINAÇÃO EXPLOSIVA 

 Depois de ter criticado o risco de desperdício, é uma satisfação para esta coluna voltar ao tema e apontar o acerto da providência tomada. Outro ponto a ser registrado é a engenhosidade da solução — e isso mostra que a saída para os problemas da administração pública podem ser mais simples e mais baratos do que parecem.


Ninguém está dizendo que todos os problemas sob responsabilidade do município são de fácil solução nem que o dinheiro disponível é suficiente para tudo. O que está sendo dito é que, num cenário em que tudo parecia insolúvel, algumas saídas podem nascer de providências simples e relativamente baratas. A área de Saúde do Rio está repleta de exemplos nessa linha.
A ampliação em tempo recorde dos leitos de UTI para pacientes em tratamento da covid-19 é uma delas.

Tudo foi feito com a utilização de equipamentos já disponíveis e em instalações que estavam ociosas. Foi uma medida fundamental, que continuará necessária mesmo depois que a pandemia for debelada. Sim. O Brasil pós pandemia precisará de um sistema público de Saúde muito mais robusto do que tinha antes do coronavírus.

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Explico: a combinação explosiva entre a alta de até 50% das mensalidades dos planos de saúde registrada no ano passado, com a queda da renda e o aumento do desemprego barrará o acesso de milhares de pessoas ao sistema privado de Saúde. Nesse cenário, quanto mais ampla e bem equipada for a rede pública, maior será sua capacidade de atender os novos e os antigos usuários do sistema.

LATAS DE SARDINHAS

O Rio estaria a um passo de se livrar de todos os seus problemas caso a Saúde fosse a única área problemática. Quem depende do transporte público, no entanto, sabe que isso está longe de ser verdade. Na semana passada, Paes anunciou a reativação gradativa de 40 linhas de ônibus que deixaram de servir à população nos últimos anos.


A decisão, é claro, não resolve o problema de um sistema sobrecarregado e ineficiente. Na prática, trata-se apenas de um refresco, como se estivesse sendo aberta uma fresta nas latas de sardinhas que levam o carioca de casa para o trabalho todos os dias. Mas, pelo menos, indica que algo começou a ser feito e que a prefeitura tende a ser mais rigorosa na hora de exigir dos concessionários o cumprimento dos contratos que assinaram quando ganharam o direito de explorar o serviço.


A reativação das linhas é necessária para desafogar o sistema e tornar a população menos dependente do BRT. Na segunda-feira passada, funcionários do sistema, sob o olhar complacente dos empresários do setor, cruzaram os braços para exigir o pagamento da segunda metade dos salários de janeiro. Foi um caos. A paralisação do BRT causou pelo menos 60 quilômetros de engarrafamentos na cidade.


Receber o pagamento é direito sagrado de qualquer trabalhador. Isso é fato. Também é fato que as concessionárias do BRT, como as demais empresas do Brasil, tiveram as finanças comprometidas durante a pandemia. É inadmissível porém que, em meio a uma crise que atinge o país inteiro, ninguém pare para pensar nas consequências de um movimento que prejudicou milhares de pessoas que dependem do transporte público para se locomover.

Diante de um movimento que tinha todo jeito de chantagem, o prefeito reagiu. Paes denunciou a “ação coordenada” entre os motoristas e os empresários e deixou claro que não aceitará pressões. E, numa atitude rara na vida recente da cidade, chamou para si a responsabilidade pelo problema e pediu desculpas à população. Isso, claro, parece pouco e não resolve o problema. Mas significa respeito ao cidadão.


Numa cidade que passou os últimos anos à deriva e entregue à própria sorte, isso é altamente positivo. E mostra que o carioca, agora, pelo menos tem de quem cobrar a solução de seus problemas. (Siga os comentários de Nuno Vasconcellos no twitter e no instagram: @nuno_vccls)

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