Ao converter a prisão em flagrante de dois policiais militares suspeitos de matar dois jovens na Baixada Fluminense em preventiva, o juiz da audiência de custódia disse haver “fortes indícios” de que os suspeitos cometeram o crime e acrescentou ser “evidente que a prisão cautelar é necessária para a garantia da ordem pública”. Os PMs estão desde sábado (12) na Unidade Prisional da corporação, no Fonseca, em Niterói.
Os corpos dos jovens foram encontrados num terreno no bairro Babi, em Belford Roxo , na tarde de sábado, horas depois de eles terem sido abordados pelos dois PMs numa rua do bairro São Bernardo, na mesma cidade da Baixada. Vídeos levados por parentes das vítimas ao 39º BPM (Belford Roxo) registram o momento em que Edson Arguinez Júnior, de 20 anos, e Jhordan Luiz Natividade, de 17, são abordados, na madrugada de sábado. Eles seguiam de moto quando aparece um clarão na imagem, semelhante ao de um disparo de arma de fogo. Os dois caem e, em seguida, são revistados, algemados e conduzidos para a viatura. Um dos PMs deixa o local dirigindo o carro oficial, enquanto o outro sai pilotando a moto.
A prisão em flagrante foi efetuada pela Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF), após os suspeitos serem apresentados pela Corregedoria da PM. Em audiência de custódia realizada no próprio sábado, o juiz Rafael de Almeida Rezende converteu a prisão em preventiva, ressaltando que, apesar de as imagens mostrarem os jovens sendo algemados, “tal ocorrência não foi registrada em nenhuma delegacia, tampouco encaminhada a outro órgão, tendo os policiais deixado o plantão respectivo sem nada relatar a seus superiores”.
Em depoimento, os policiais negaram que tivessem efetuado disparos. A perícia encontrou vestígios que podem ser sangue no chão do local da abordagem e nos tapetes da viatura. “Há fortes indícios de que os custodiados, com o objetivo de encobrir uma abordagem policial malsucedida, deram cabo da vida das vítimas de forma a ocultar suas condutas pretéritas, restando evidente que a prisão cautelar é necessária para garantia da ordem pública”, escreveu o juiz.
Segundo a assessoria da Polícia Militar , quando o comando da corporação tomou conhecimento, “todas as medidas pertinentes foram adotadas de imediato”. Os suspeitos foram identificados e ouvidos na 3ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar (DPJM).
“As armas dos militares , tanto as da corporação quanto as particulares, foram recolhidas e apresentadas à DHBF. Os dois policiais estão presos preventivamente na Unidade Prisional da PMERJ”, dizia a nota da assessoria da corporação.
Pelo horário marcado nas imagens da câmera de segurança, Edson e Jhordan são abordados e caem da moto à 1h06 de sábado. No chão, um dos jovens chega a levar chutes de um PM. Os policiais saem do local com os dois oito minutos depois, à 1h14.
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Em depoimento na DHBF , os policiais presos negaram que tenham atirado. Segundo os PMs, eles faziam a abordagem a um carro branco “em atitude suspeita", “tendo em vista o horário e o local em que o veículo estava estacionado”, quando a moto passou. A queda teria acontecido por descontrole do próprio piloto, que se feriu no acidente, de acordo com os militares. Nos vídeos, é possível ver um carro estacionado atrás da viatura na hora em que os dois amigos surgem nas imagens. Assim que os jovens caem da moto, o carro deixa o local.
Ainda de acordo com os depoimentos dos PMs , Edson e Jhordan seriam levados à delegacia para averiguação, mas foram liberados “uns 40 metros depois", porque os policiais “concluíram que os indivíduos não tinham problema nem a motocicleta que usavam”. Os militares admitiram que “não é usual a liberação de suspeitos antes de chegarem na delegacia ou em outro órgão”. Um dos PMs explicou na DHBF que estava no local, que era fora do setor de patrulhamento deles, porque havia ido a um hospital na região após receber a notícia de que sua mãe tinha passado mal.
Amigos se conheceram jogando futebol
Tio de Jhordan, Ronan contou que o sobrinho tinha ido a um churrasco com amigos e não retornou para casa. A busca pelo adolescente começou na manhã de sábado. Ao ser informada sobre uma abordagem policial no bairro São Bernardo, a família se dirigiu ao local, onde só encontrou o casaco do outro jovem, Edson.
Mas um detalhe não passou despercebido: a existência de câmeras de segurança . De posse das imagens que mostravam a abordagem aos jovens, os parentes começaram uma peregrinação que passou por delegacias e pelo 39º BPM e só terminou à tarde, com a marcação em uma postagem em redes sociais: dois corpos haviam sido achados no bairro Babi, a cerca de três quilômetros de São Bernardo. Ronan chegou ao local antes da polícia e reconheceu Jhordan, que estava nu e com três marcas semelhantes às de tiros.
"Era um moleque que só tinha tamanho, sem maldade. A vida dele era jogar futebol no Brizolão, foi lá que nasceu a amizade com o Edson", disse o tio, acrescentando que Jhordan estava animado para se alistar em breve no Exército e assim realizar o sonho da avó de vê-lo na carreira militar.
A cuidadora de idosos Renata de Oliveira, mãe de Edson, estava trabalhando, na Zona Sul do Rio de Janeiro, quando recebeu um telefonema com a notícia de que o filho teria sido morto. Ela primeiro passou pela 54ª DP (Belford Roxo) em busca de informações. Foi lá que conheceu a mãe de Jhordan. Quando registrava a denúncia no 39º BPM, ela recebeu ligação confirmando que os corpos dos dois amigos haviam sido encontrados: "eu quero saber o motivo. Por que fizeram essa covardia?".
Edson estava esperando o fim da pandemia para retomar os estudos no segundo ano do Ensino Médio e se preparar para cursar Contabilidade. Ele já tinha comprado um vale-roupa para depois escolher o que vestiria na noite de Natal. Segundo Renata, o filho mais velho tinha uma postura protetora com os três irmãos, era alegre, justo e brincalhão: "meu filho não vai ser esquecido jamais. Tiraram um pedaço da minha vida. Vamos lutar por Justiça.
Em nota, a Subsecretaria estadual de Vitimados informou que “ofereceu auxílio psicológico e social às famílias de Jhordan Luiz Oliveira Natividade, de 17 anos, e Edson de Souza Arguinez Júnior, de 20, que morreram em Belford Roxo , na Baixada Fluminense, na madrugada de sábado. O primeiro atendimento da equipe psicossocial foi realizado na tarde desse domingo”. O EXTRA tentou contato com os advogados dos dois PMs suspeitos de matar os jovens, mas não conseguiu localizá-los.