O governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), tinha um alvo claro ao fazer seu pronunciamento na manhã da sexta-feira (28/08): a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo.
O ex-juiz federal acusou Lindôra de ter "relacionamento" com a família Bolsonaro - de quem Witzel se tornou inimigo - e de "perseguir governadores". Lindôra, por sua vez, rechaçou em nota as acusações feitas por Witzel.
Witzel e a cúpula do seu governo foram alvo da operação Tris in Idem, que envolveu a Polícia Federal, o Ministério Público Federal (MPF) e a Receita Federal. O governador está afastado, inicialmente, por 180 dias.
A investigação é um desdobramento de operações anteriores, a Favorito e a Placebo. Ambas fazem parte das investigações do chamado "Covidão" no Rio de Janeiro.
A operação e o afastamento do governador foram determinados em decisão monocrática (individual) do ministro do Superior Tribunal de Justiça Benedito Gonçalves. Quem assina a petição do MPF é Lindôra Araújo - o que explica a irritação do governador com ela.
Representada por Lindôra, a PGR denunciou Witzel; a primeira-dama do Rio, Helena Witzel, e mais sete pessoas pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Para o MPF, Witzel ajudou empresas que pagavam propinas a funcionários públicos do Estado do Rio, em troca de benesses na relação com o governo do Estado - até mesmo contratos da resposta à pandemia de covid-19 teriam entrado no bolo.
Segundo os procuradores, o próprio governador teria recebido dinheiro por meio de contratos fictícios que essas empresas fecharam com o escritório de advocacia de sua mulher. A denúncia do Ministério Público está apoiada em provas colhidas com a quebra dos sigilos fiscal, bancário e telemático dos acusados.
"Mais um circo sendo realizado. Lamentavelmente, a decisão do seu ministro Benedito Gonçalves, induzido pela Procuradoria da República, na pessoa da Dra. Lindôra, que está se especializando em perseguir governadores, desestabilizar os estados da federação, a partir de investigações rasas e buscas e apreensões preocupantes. E eu, assim como outros governadores, estamos sendo vítimas do uso político do Judiciário", disse Witzel.
"A Procuradoria possui vários procuradores, por que não se faz para outro Ministério Público e não o direcionamento para determinada procuradora? A procuradora cuja imprensa já noticiou seu relacionamento com a família Bolsonaro", afirmou o governador afastado.
"A procuradora da República tem relação com Flávio Bolsonaro. Essas questões precisam ser respondidas", voltou a reforçar ele mais adiante em seu discurso.
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A procuradora, por sua vez, lançou nota negando essas acusações. Sua atuação, neste e em outros casos, foi "pautada em provas".
"A subprocuradora-geral da República Lindora Maria Araújo afirma que, assim como em todos os casos que tramitam na Assessoria Jurídica Criminal para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), sua atuação é pautada em provas e é sempre submetida à apreciação do Poder Judiciário. O descontentamento dos investigados é natural e deve ser manifestado e rebatido nos autos", diz o texto.
Chefe da Lava Jato e do Covidão
Lindôra Maria Araújo está no Ministério Público desde 1984 - assim como o atual procurador-geral da República, Augusto Aras, é da leva de procuradores pré-Constituição de 1988, o que lhe permitiria, por exemplo, advogar.
Atualmente, ela ocupa o posto de subprocuradora-geral: este é o terceiro e último degrau na carreira dos procuradores, membros do MPF. Dos 1.131 procuradores em atividade no país, apenas 73 são hoje subprocuradores-gerais.
Desde que Aras chegou ao posto de procurador-geral da República, Lindôra vem galgando posições dentro do Ministério Público Federal. Dentro do MPF, ela é considerada uma pessoa de confiança e uma espécie de "braço direito" do atual PGR.
Além disso, colegas de Lindôra dizem que suas posições políticas são próximas daquelas do governo atual - ela é considerada uma das principais procuradoras da ala mais conservadora do MPF, inclusive em temas de costumes e moralidade.
Outro ponto que a aproxima da gestão atual foi sua posição sobre a escolha do novo PGR: ela defendeu que Bolsonaro não estava obrigado a escolher um nome na lista tríplice eleita pelos procuradores - o que efetivamente aconteceu.
Desde o fim de 2019, ela integra a gestão de Aras como secretária da Função Penal Originária no Superior Tribunal de Justiça (STJ) - ou seja, é a representante de Wilson Witzel naquele tribunal, além de representar a PGR na Corte Especial do STJ - este é um grupo formado pelos 15 ministros mais antigos do tribunal, e é o colegiado responsável por julgar os processos criminais contra governadores e outras autoridades.
Em janeiro de 2020, Lindôra ganhou mais uma atribuição: a de coordenar os trabalhos da Lava Jato na PGR, ou seja, nos casos que tramitam no Supremo Tribunal Federal. São as investigações que dizem respeito a autoridades como deputados federais e senadores, entre outros.
Foi por causa da Lava Jato, aliás, que Lindôra chegou ao noticiário pela primeira vez. Em junho, parte do grupo que atuava com ela na equipe da Lava Jato na PGR entregou os cargos. Foi uma resposta à tentativa de Lindôra de acessar dados sigilosos da força-tarefa em Curitiba.
Lindôra esteve na capital paranaense e se reuniu com os integrantes da força-tarefa curitibana, a quem solicitou acesso a gravações, documentos e outros dados das investigações, inclusive sigilosos. Após a reunião, os membros da Lava Jato paranaense fizeram uma reclamação formal à Corregedoria do MPF, pedindo que a conduta de Lindôra fosse apurada.
Quando o Brasil foi atingido pela epidemia da covid-19, Lindôra acumulou mais uma missão: a de coordenar as investigações sobre o assunto, na PGR.
Por conta dessa atribuição, Lindôra redigiu os pedidos do MPF que resultaram em operações contra os governadores do Pará, Helder Barbalho (MDB); e do Amazonas, Wilson Lima (PSC), além de Witzel.