General Eduardo Pazuello assumiu interinamente o comando do Ministério da Saúde no lugar de Nelson Teich
José Dias/PR
General Eduardo Pazuello assumiu interinamente o comando do Ministério da Saúde no lugar de Nelson Teich

Nesta quarta-feira (15), o país completa dois meses sem um ministro da Saúde no cargo. Desde a saída de Nelson Teich , o secretário-executivo da pasta, o general Eduardo Pazuello assumiu interinamente o posto. A convite do jornal O Globo , três cientistas – Miguel Nicolelis, coordenador do comitê científico do consórcio de governadores do Nordeste, Paulo Lotufo, professor de epidemiologia da USP, e Luciana Costa, diretora-adjunta do Instituto de Microbiologia da UFRJ – falam sobre o impacto da falta de um comando nacional das ações contra a pandemia do novo coronavírus (Sars-coV-2).


Miguel Nicolelis - Médico e professor de neurociência da Universidade Duke (nos EUA), coordenador do comitê científico do consórcio de governadores do Nordeste.

"É uma situação sem precedentes no mundo. A OMS e todas as entidades globais não conseguem entender como o país que é o segundo em número de óbitos do mundo não tem um ministro efetivo, apenas um interino que, basicamente, sumiu da mídia. Simplesmente não se pronuncia e não transmite nenhum tipo de mensagem num momento crítico do país. Do ponto de vista científico e médico, a inexistência de uma liderança clara, de uma mensagem objetiva e eficaz, é trágica. Costumo dizer que o Brasil vive ao mesmo tempo uma pandemia e um pandemônio. O pandemônio também mata".

"A falta de um comando central, de um estado maior da pandemia que esteja em contínuo contato com a imprensa e com o povo brasileiro, é uma tragédia. Poderíamos ter menos mortes, se tivéssemos uma política transparente desde o começo, se tivéssemos feito do distanciamento uma diretriz nacional, se tivéssemos adquirido todos os insumos, se tivéssemos dado auxílio financeiro decente para as pessoas, para os estados e municípios, se tivéssemos criado uma mensagem clara sobre a periculosidade da situação".

"Pela falta de comando e desorganização, não falta só leito, falta medicamento. Anestésicos e insumos necessários para a intubação. Faltam medicamentos nos hospitais de campanha. Além disso, não houve uma política de contratação de profissionais de saúde e, por fim, houve até um apagão de dados, o que impede análises, predições de cenários. Somos reconhecidos mundialmente como uma catástrofe".

Paulo Lotufo -  Professor de epidemiologia da USP (Universidade de São Paulo)

O impacto é muito fácil de observar. l de como as coisas estão acontecendo, onde deveria haver bloqueio, onde não, onde poderia haver abertura. Falta uma coordenação nacional. Várias coisas não precisavam ter acontecido. Um dos maiores exemplos foi o que aconteceu no Amazonas. O governador foi totalmente displicente, deixou a coisa correr solta e tiveram uma mortandade imensa em Manaus. O governo federal por meio do Ministério da Saúde teria que ficar em cima para impedir isso. Outro exemplo são as comunidades indígenas. Cuidar disso é atribuição do governo federal.

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Em resumo, não há uma visão global. Já era deficiente com o ministro Luis Henrique Mandetta (que deixou o cargo em abril) e depois foi piorando até que, agora, ninguém liga mais para o que o ministério fala. Assim, cada governador vai tomando atitudes, sob pressão dos prefeitos, e chegamos a uma verdadeira bagunça.

São Paulo até conseguiu segurar, mas outros locais não. Um Ministério da Saúde atuante pode perceber que tem uma cidade ou uma região que está sem condição e colocar os esforços lá dentro. Uma coisa é a cidade mais rica do país, que conseguiu montar três hospitais de campanha, transformar o HC em referência, e outra coisa é Belém, Manaus, São Luís, que precisam de apoio federal.

Luciana Costa - Diretora-adjunta do Instituto de Microbiologia da UFRJ

"Quanto mais tempo ficamos sem um titular na pasta, mais tempo ficamos sem ações coordenadas, que são essenciais para o controle da epidemia, para as políticas de apoio à ciência e às medidas de controle. Há um impacto direto nas ações coordenadas do governo federal com estados e municípios, principalmente quanto às políticas emergenciais para apoiar desde o atendimento no hospital até as ações de ciência, testagem e pesquisa. Uma diretriz nacional, em suma, seria o ponto focal. Seria possível saber, por exemplo, que falta insumo para testagem no Amazonas, mas sobra em São Paulo. O governo federal, então, poderia detectar quem pode ajudar o outro e resolveria essa logística. Basicamente, seria como um QG".

"A falta desse ponto central tem impacto no atendimento no SUS. Estamos numa crise sanitária e sabemos que isso começou em diferentes momentos em cada região. Há estados em que os números estão caindo, o sistema de saúde está menos pressionado, e em outros, subindo. Sabendo disso, com dados claros, o Ministério da Saúde poderia facilitar a comunicação entre os diferentes estados justamente para promover o compartilhamento tanto de insumos, quanto de experiências".

"Para os epidemiologistas, a desorganização do ministério e a falta de transparência de dados prejudica análises e a definição de estratégias. Só com números exatos e reais podemos fazer previsões de cenários. Se esses dados não representam a realidade, a previsão está furada e ficamos dando tiros no escuro".

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