Os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro
são minoria no debate sobre a pandemia de coronavírus travado no Twitter, mostra um relatório produzido pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV DAPP) ao qual a BBC News Brasil teve acesso antecipadamente.
Segundo essa análise, as discussões envolvendo a crise de covid-19 no país já geraram mais de 330 milhões de tuítes desde o final de março, sendo que a ampla maioria dos perfis envolvidos nesses debates é de usuários críticos ao presidente e ao seu governo, num movimento que ampliou e diversificou os grupos de oposição a Bolsonaro , com adesão de mais atores políticos e de influenciadores sociais e celebridades, como o humorista Whindersson Nunes e o biólogo e divulgador científico Atila Iamarino.
Por outro lado, aponta o relatório, embora os usuários que apoiam o presidente e sua postura frente à pandemia raramente consigam ultrapassar 20% dos perfis engajados nessas discussões, eles representam um grupo bastante coeso e mobilizado.
Mesmo sendo o grupo minoritário, suas atividades na rede social chegam a representar, em alguns dias, mais da metade das interações sobre covid-19 no Twitter. Entre os dias 22 de junho e 7 de julho, por exemplo, os perfis bolsonaristas eram em média 17% dos usuários de Twitter engajados no debate da pandemia, mas respondiam por cerca de 40% das interações sobre o tema.
Nessas manifestações, o grupo mostra coesão e persistência na defesa de duas bandeiras importantes de Bolsonaro — a crítica ao isolamento social e a defesa da cloroquina para tratamento de covid-19 .
O presidente é defensor da substância, apesar de não haver comprovação de sua eficácia contra o coronavírus. Ele também entrou em intenso conflito com governadores desde o início da pandemia por discordar de decisões como fechar comércio, restaurantes e suspender as aulas nas escolas, para reduzir o contágio da nova doença. Para Bolsonaro, essas medidas são exageradas e afetam negativamente a economia.
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Oposição ao presidente nas redes se amplia e se diversifica
Apesar de forte mobilização de seus apoiadores , são perfis de oposição ao presidente que têm protagonizado as discussões no Twitter em momentos críticos do debate sobre pandemia no Brasil, como no final de março, quando Bolsonaro disse em pronunciamento à nação que sentiria apenas uma "gripezinha" caso contraísse a doença.
Outro momento em que o apoio ao presidente nas redes ficou reduzido foi em 7 de julho, quando Bolsonaro confirmou que foi diagnosticado com covid-19, assunto que gerou 3,2 milhões de tuítes naquele dia.
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Após a confirmação do diagnóstico, a base de apoio do presidente se mobilizou em torno da hashtag #forçabolsonaro, mas só agregou 13% dos perfis e 32% das interações envolvendo esse tema, segundo a FGV .
"Enquanto isso, perfis de oposição e sem alinhamento partidário retomaram protagonismo, com 60% dos perfis, com a alusão às falas negligentes do governo sobre a pandemia, alçando a hashtag #forçacovid à lista das principais hashtags no debate", diz o relatório.
De acordo com a FGV, a pandemia trouxe uma nova dinâmica para o debate público no Twitter, que antes era fortemente polarizado entre a base do presidente e uma oposição de perfil mais partidarizado e institucional, que incluía políticos da esquerda à centro-direita, jornalistas e instituições públicas.
Após a entrada do coronavírus no Brasil , nota o relatório, essa oposição de caráter mais institucional se ampliou com a entrada de antigos aliados políticos de Bolsonaro e de governadores. Se em 2019, os governadores de São Paulo (João Doria) e Rio de Janeiro (Wilson Witzel) eram os principais a antagonizar com Bolsonaro, a partir da pandemia, o presidente foi alvo de comentários negativos até de aliados, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado.
Além disso, a oposição a Bolsonaro no Twitter passou a reunir também mais manifestações críticas vindas de influenciadores digitais e celebridades, como o humorista Whindersson Nunes, o biólogo e divulgador científico Atila Iamarino e o empresário e youtuber Felipe Neto — esse último já antigo opositor do presidente.
"A partir de março, quando se intensifica a discussão no país sobre a pandemia de covid-19, a estrutura polarizada que organizou o debate político no Brasil desde 2014 se reorganiza: de um lado, base sólida de apoio ao governo federal permanece com forte atividade digital, mas sem atrair novos perfis e estabelecer pontes de diálogo com outros grupos", diz o relatório.
"Enquanto isso, formou-se um grupo de oposição ampliada (...) alinhado pela defesa do isolamento social e pela crítica à política federal de combate à pandemia", acrescenta o documento.
Segundo o coordenador de linguística da FGV DAPP, Lucas Calil, o envolvimento maior de celebridades e influenciadores ocorre "porque a pandemia não é só uma questão política".
"A gente monitora as pessoas reclamando da quarentena , falando de saúde mental, alcoolismo, insônia, depressão. E por força do contexto político, isso mobiliza as pessoas a fazer uma correlação de temas de saúde com outras conjunturas de políticas públicas, o que levou influenciadores digitais, principalmente da cultura, a abordar o coronavírus e se aproximar de um debate político", ressalta.
Humor como crítica
Esse grupo costuma usar o humor como linguagem para se opor ao governo, analisa o relatório da FGV. Em 2 de junho, por exemplo, Whindersson Nunes escreveu no Twitter "Então morre satanás" (sic), ao reagir à seguinte fala do presidente sobre as vítimas do coronavírus: "A gente lamenta todos os mortos, mas é o destino de todo mundo".
O post atingiu 252 mil curtidas e 53,9 mil compartilhamentos. Ao ser criticado por essa manifestação, ele respondeu, em mais um comentário que viralizou: "Rapaziada, quando alguém diz 'é o destino de todos morrer' e alguém diz 'então morre satanás' não quer dizer que a pessoa mataria a outra não, animal, é pra interpretar. Todo mundo não morre?? Então morre desgraça, já que tu não liga, é isso. Se faz de doido não".
A pandemia já matou mais de 70 mil pessoas no país, e o presidente tem sido constantemente criticado, seja por seu governo não ter conseguido limitar a quantidade de vítimas fatais, seja por não dar declarações em respeito aos mortos e seus familiares.