Especialistas alertam para os perigos da prescrição da cloroquina a indígenas por conta dos efeitos colaterais que a droga pode causar
Maurício Monteiro/Repórter Brasil
Especialistas alertam para os perigos da prescrição da cloroquina a indígenas por conta dos efeitos colaterais que a droga pode causar

Um documento obtido pelo GLOBO contradiz a versão do Ministério da Saúde de que comprimidos de cloroquina enviados para as terras indígenas Yanomami e Raposa Serra do Sol eram destinados apenas ao tratamento da malária e não para a Covid-19.

Uma ata de reunião promovida pelo Ministério Público Federal (MPF) em Roraima no dia 2 de julho mostra que o coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Leste, Tércio Pimentel, admitiu que a cloroquina enviada pelo governo faz parte de um kit enviado pelo Ministério da Saúde para o tratamento da Covid-19.

A controvérsia em torno da distribuição da cloroquina a indígenas começou no dia 30 de junho, quando o Ministério da Saúde divulgou a distribuição de cloroquina aos DSEIs Leste e Yanomami como parte da missão para reforçar o combate à Covid-19 em terras indígenas localizadas em Roraima. Chamada de Missão Yanomami, a operação contou com a presença do Ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva.

A notícia chamou a atenção de autoridades por conta da falta de comprovação científica sobre a eficácia da cloroquina no tratamento da Covid-19 e pelas contraindicações do seu uso em pacientes que tenham histórico de doenças cardíacas.

No dia 2 de julho, o MPF em Roraima abriu uma investigação para apurar o caso. No dia 3 de julho, diante da repercussão negativa, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) emitiu uma nota dizendo que os comprimidos de cloroquina distribuídos aos DSEIs Leste e Yanomami eram para o tratamento da malária, doença para a qual a cloroquina tem eficácia comprovada.

“Os comprimidos de cloroquina, levados como complemento aos estoques dos Distritos, servem para o tratamento de novos casos de malária e poderão ser dispensados pelas Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena, conforme indicação médica”, diz a nota.

Entretanto, um dia antes da nota da Sesai ser divulgada, o coordenador do DSEI Leste, que abrange indígenas que vivem na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, admitiu ao MPF que a cloroquina era para o tratamento da Covid-19.

“O Coordenador do DSEI-L (DSEI Leste) informou que a cloroquina compõe o kit de medicamentos a serem utilizados mediante prescrição médica e aceitação por escrito do paciente no tratamento de pessoas infectadas por Covid-19”, diz um trecho da ata ao qual O GLOBO teve acesso.

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Em outro trecho, da reunião, Tércio disse que a prescrição é feita apenas por médicos do distrito.

Além de Tércio, outras cinco pessoas participaram da reunião.

Sanitarista alerta para risco do uso da cloroquina em indígenas

Para o médico Paulo Basta, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a distribuição de cloroquina o tratamento de Covid-19 a indígenas é um “absurdo”.

— Considero um tremendo absurdo a realização de uma ação estapafúrdia como esta, promovida pelo governo federal com o claro objetivo de desovar um lote de 66 mil comprimidos de cloroquina, entre uma população reconhecidamente vulnerável — disse Basta.

O médico alerta para os perigos da prescrição da cloroquina a indígenas por conta dos efeitos colaterais que a droga pode causar.

— A cloroquina tem o potencial de apresentar diversos efeitos adversos graves, incluindo hipotensão, vasodilatação, supressão da função miocárdica, arritmias cardíacas e parada cardíaca sobre o sistema cardiovascular, e confusão, convulsões e coma sobre o sistema nervoso central. É inadmissível o Estado brasileiro atentar de maneira tão agressiva contra a saúde dos povos originários do país. Essa ação revela de maneira inequívoca o plano genocida do atual governo — disse o médico.

Procurado, o MPF em Roraima disse que enviará um ofício à Sesai para que ela se pronuncie sobre a informação repassada pelo coordenador do DSEI Leste.

O GLOBO ligou para Tércio Pimentel para questioná-lo sobre o assunto, mas ele disse que perguntas sobre o caso deveriam ser feitas diretamente à Sesai. A reportagem enviou um e-mail questionando a Sesai sobre o assunto, mas ainda não obteve resposta.

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