Testemunha no caso João Pedro diz que delegado mudou depoimento dela

Suposta alteração feita pelo delegado apontaria que criminosos armados tinham sido avistados pela testemunha pulando muro da casa

Garoto de 14 anos, João Pedro Mattos Pinto, foi morto em casa durante operação policial.
Foto: Reprodução Redes Sociais
Garoto de 14 anos, João Pedro Mattos Pinto, foi morto em casa durante operação policial.

Uma testemunha acusa o delegado Allan Duarte, responsável pela investigação do homicídio de João Pedro Matos Pinto , de 14 anos, de ter mudado o depoimento que ela prestou na Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSGI) no dia do crime. A testemunha é uma adolescente que presenciou o momento em que o amigo foi baleado. Ela afirmou, no segundo depoimento que deu sobre o caso, ao Ministério Público do Rio, que a versão que deu sobre os fatos na DH não bate com o que foi registrado no papel: segundo a testemunha, diferentemente do que consta no depoimento, ela não afirmou que viu criminosos na casa no dia em que João Pedro foi morto.

O adolescente foi baleado durante operação conjunta das polícias Civil e Federal no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, em 18 de maio. A menor foi levada para a DH logo depois do crime, a pedido de Duarte, dentro de um blindado da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core). Como o EXTRA revelou na semana passada, Duarte, que é titular da DHNSGI, estava na operação que culminou na morte de João Pedro. O delegado, entretanto, permanece como responsável pelo inquérito.

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No depoimento que a testemunha prestou em 18 de maio, assinado por Duarte e por ela, consta que a menor "viu através da cortina criminosos armados com armas longas, pulando o muro e entrando dentro de casa". A versão beneficia os três agentes da Core investigados pelo crime, pois corrobora os relatos que eles deram — todos alegam que trocaram tiros com traficantes dentro da casa.

Em novo relato, ao MP do Rio, duas semanas após o crime, ela afirmou que não disse que viu criminosos pularem o muro da casa e que "em nenhum momento utilizou a expressão 'criminosos' na delegacia". Disse também que "não viu o que estava escrito em seu depoimento em sede policial" e que "não viu qualquer pessoa diversa das que estavam com roupa preta ou camuflada no interior da casa" — ou seja, os policiais civis e federais que chegaram no local depois que João Pedro foi baleado.

No depoimento a promotores do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp), a adolescente também afirmou que, no primeiro contato de Duarte com ela, ainda no local do crime e antes do depoimento, foi o próprio delegado que "lhe disse que havia criminosos atrás da casa". Segundo ela, na ocasião, Duarte a pedia para ela dizer "onde estavam as drogas e as armas".

O depoimento da adolescente é corroborado por outra testemunha, que também foi levada pelos agentes da Core para a DHNSGI no dia 18 de maio. Apesar de a mulher não ter nenhuma relação de parentesco com a menor, ela foi levada como sua representante e presenciou o depoimento. Ao MP, a testemunha alegou que "percebeu que o delegado tinha mudado o depoimento" na delegacia, "mas não teve tempo de falar na hora".
De acordo com a mulher, a adolescente narrou "que teria visto pela janela dois homens 'de casaco comprido e arma pesada pularem o muro da casa'", mas que não disse se eram criminosos ou policiais. A testemunha também relatou que houve uma discussão durante o depoimento da menor: ela afirmou que "quis ver o que o delegado estava digitando e o clima ficou tenso entre eles".

Você viu?

Segundo a mulher, ela interveio quando o delegado olhou sério para a menor e perguntou, novamente, se ela não havia visto os homens pulando o muro. "Sim, ela viu, mas depois que João foi baleado", a mulher teria respondido. Ainda segundo a testemunha, o delegado teria perguntado: "Você não sabe que naquele lugar mora bandido?", antes de se irritar e sair da sala onde o depoimento era tomado.

Procurada, a Polícia Civil informou, em nota, que a DHNSGI "encaminhou o inquérito que apura o morte do jovem João Pedro Mattos Pinto ao Ministério Público, no prazo legal". A corporação solicitou o retorno do inquérito "para diligências complementares". A DHNSGI "pediu ao Ministério Público a realização de perguntas a serem feitas às testemunhas e familiares visando instruir o inquérito da especializada, uma vez que os depoimentos foram prestados apenas ao MP".

Por fim, a Polícia Civil afirma que "convidou o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública, que está assistindo a família para acompanhar" a reprodução simulada, que ainda não tem data para acontecer. A nota não cita as acusações feitas pela testemunha contra o delegado.

Delegado foi afastado

Na semana passada, após o EXTRA revelar que Allan Duarte estava na operação, o delegado foi afastado da reprodução simulada do caso. A participação de Duarte na ação foi revelada pelo também delegado Sérgio Sahione, que era o titular da Core na época da operação, em depoimento ao MP. Após o depoimento, prestado no início desta semana, Sahione pediu demissão da chefia da Core. O delegado Fabrício Oliveira assumiu o cargo.

Segundo o depoimento de Sahione, Allan Duarte aproveitou a operação no Complexo do Salgueiro para fazer um “reconhecimento do terreno”. O ex-titular da Core esclareceu que Duarte não participou do planejamento da ação nem estava na casa onde o adolescente foi baleado no momento do crime. De acordo com Sahione, o titular da DH chegou à cena do crime num blindado da Core após João Pedro ser baleado.

Mesmo tendo feito parte do efetivo que entrou na favela, Duarte foi o responsável pela confecção do registro de ocorrência do crime e tomou depoimentos de testemunhas e dos agentes investigados. A reprodução simulada ainda não tem data para ser realizada.