Ainda em janeiro, a prefeitura começou a desenvolver o chamado Comitê de Combate à Covid-19
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Ainda em janeiro, a prefeitura começou a desenvolver o chamado Comitê de Combate à Covid-19



Belo Horizonte é uma capital que tem características próprias . Enquanto São Paulo e Rio de Janeiro, cidades turísticas, recebiam um mar de gente entre os meses de janeiro e março, a capital mineira permanecia com a mesma quantidade de populações fixa e flutuante. 

Ainda em janeiro, a prefeitura começou a desenvolver o chamado Comitê de Combate à Covid-19 , composto por três infectologistas e por pessoas da Secretaria de Saúde e BH começou a se "fechar" para o mundo. Em março, o isolamento social passou a ser praticado: uso obrigatório de máscaras, abertura apenas de comércios essenciais, como farmácias e supermercados, suspensão de qualquer outro tipo de serviço que não se referisse a cuidados básicos e saúde e vigilância e fiscalização pesadas para qualquer tipo de descumprimento.

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"Em janeiro, a cidade já sabia do início da ocorrência da Covid-19 no mundo, que ela se alastrava rapidamente e que, sem dúvida, chegaria até nós. BH teve quase três meses para se preparar. Não foi muito tempo, mas foi o suficiente", afirma o infectologista Estevão Urbano, diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

A capital está fora da curva do coronavírus: com cerca de 1.500 casos confirmados, com pelo menos 43 mortes. São Paulo amarga números assustadores: mais de 6,4 mil óbitos. No Rio de Janeiro, a situação também preocupante, com quase 4 mil vidas ceifadas pelo novo coronavírus. 

Em relação à quantidade de leitos, a capital mineira possui 46% de ocupação dos 300 disponíveis - podendo chegar a 900 leitos em apenas uma semana, se for necessário, afirma o comitê. Por outro lado, a grande São Paulo e Rio de Janeiro, têm 88% e 86% de ocupação, respectivamente, segundo dados mais recentes do Ministério da Saúde. 

Prefeitura permitiu reabertura parcial do comércio devido aos baixos números da Covid-19
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Prefeitura permitiu reabertura parcial do comércio devido aos baixos números da Covid-19


A favor da cidade: as medidas de prevenção

"É difícil destacar um fator principal que seja responsável pelos baixos números de transmissão e ocupação de leitos, porque são várias coisas que foram feitas e que contribuem", afirma  o infectologista Carlos Starling, membro do Comitê de Combate à Covid-19 da prefeitura da capital mineira. 

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Starling destaca uma série de medidas que considera fundamentais para os baixos números de coronavírus na cidade. "Belo Horizonte é a única cidade, com mais de um milhão de habitantes, que tem 100% de atenção médica primária. Aplicamos essa atenção na população com assistência médica e um programa de prevenção que começou nos postos de saúde com orientação sobre as medidas. Em fevereiro, nosso corpo de profissionais de saúde já estava treinado para a pandemia que ainda chegaria e criamos centros especializados exclusivamente para o atendimento à Covid-19", diz.

O especialista explica que, a partir desse momento, a participação da população se tornou fundamental . "Temos uma adesão de 95% das pessoas às medidas de prevenção e a nossa taxa de isolamento beira os 60%, considerada uma porcentagem ideal pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Os cidadãos nos ouviram em um primeiro momento e continuam colocando em prática as orientações", destaca Starling. 

Além disso, diante do cenário caótico em outras partes do mundo, Belo Horizonte, tanto na sua rede pública de saúde quanto na privada, fez com que os hospitais de referência se preparassem para uma verdadeira operação de guerra. Leitos de terapia intensiva foram ampliados, equipes de profissionais de saúde treinadas e reforçadas e equipamentos de proteção individual (EPIs) foram adquiridos.

Atualmente, a cidade também conta com as chamadas barreiras sanitárias na divisa com outros municípios. "Até o momento, foram mais de mil veículos abordados e mais de 44 mil pessoas examinadas e orientadas. Desse total, mais de 200 que apresentavam sintomas de coronavírus foram encaminhadas para verificação imediatamente e receberam tratamento médico adequado", indica o infectologista Estevão Urbano.

Sem quarentena, mortes seriam três vezes maior

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As medidas restritivas não diferenciam BH apenas entre as capitais do país. De acordo com uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz de Minas Gerais (Fiocruz/BH), a capital mineira teria registrado três vezes o número de óbitos se houvesse demorado a tomar as devidas precauções.

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Até 28 de março, em vez de 23 mortos até aquele momento a capital teria, ao ritmo no qual os números da doença crescem no país, 317% a mais de óbitos, ou seja, 96. Esses dados correspondem às estimativas da Friocruz com base no chamado fator de crescimento da doença. 

O mesmo levantamento aponta que, em comparação com as capitais que mais sofrem com o vírus, essas cidades vivem situações drásticas. Se a infecção afetasse Belo Horizonte como afetou Manaus, por exemplo, seriam 521 mortos (uma alta de 2.165%) e 477 vítimas (crescimento de 1.973%) se seguisse a velocidade da doença Fortaleza. Saindo do território nacional, ao se comparar a situação de BH com a China mesmo período de epidemia, os mortos poderiam chegar a 1.038, número 4.443% maior.

O infectologista Starling atribui o bom resultado obtido até mesmo a aspectos culturais da população. "Belo Horizonte tem essa tradição desde a epidemia de 1918 (a gripe espanhola), quando registrou um número bem menor de casos que outras regiões do Brasil. Está certo que naquela época tínhamos uma menor densidade populacional do que agora. Mas, em comum entre essas duas epidemias, está a característica do mineiro ser cuidadoso, atender às determinações das autoridades sanitárias. É uma consciência mesmo. É uma marca nossa", afirma. 

Sem previsão de término

As medidas de isolamento social adotadas pelo prefeito Alexandre Kalil desde 20 de março fizeram com que as curvas de contágios e de mortes se mantivessem controladas em BH, embora a situação continue sendo de atenção

Na última segunda-feira (25), a prefeitura decidiu pela reabertura parcial do comércio. Com uma série de regras a serem cumpridas, um certo movimento de pessoas começou a voltar às ruas da capital. Porém, se os indicadores usados como base para a determinação de abertura ou fechamento voltarem ao vermelho , a decisão é anulada imediatamente.

"Ao menor sinal, voltamos à fase em que estávamos. Não podemos colocar a saúde da população em risco. O monitoramento acontece 24h por dia", afirma Urbano.

Nas ruas, o silêncio humano e os sons da natureza

Imagens de uma Belo Horizonte com vários pontos turísticos desertos mostram a realidade dos dias de isolamento social dos moradores. Com um drone pelos céus da capital, o administrador de empresas Marco Gonçalves, registrou lugares importantes como a Praça do Papa, a Lagoa da Pampulha e o centro completamente vazios.

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"São cenas que eu nunca esperaria ver na minha vida, mas que aconteceram. Achei importante documentá-las para mostrar que estamos, sim, fazendo a nossa parte", conta Marco. 

Mas ele explica que não pretende fazer um novo sobrevoo quando a pandemia acabar. "A legislação brasileira não permite que usemos drones onde há aglomeração de pessoas. A autorização é muito burocrática, mas o que foi registrado vale a pena ser visto ", afirma ele.

Durante um dia inteiro, seu drone percorreu vários quilômetros. Confira, abaixo, as imagens disponíveis de uma Belo Horizonte humanamente silenciosa.


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