Equipe médica em Santo Antônio do Içá para monitorar indígenas após confirmação de casos de covid-19
Secretaria de Saúde de Santo Antônio do Içá
Equipe médica em Santo Antônio do Içá para monitorar indígenas após confirmação de casos de covid-19


Região como o maior número de casos de coronavírus entre indígenas , o Alto Solimões , no Amazonas , vive um momento dramático de enfrentamento da doença, sem infraestrutura, leitos de hospitais e respiradores que possam dar conta da situação e do aumento exponencial da Covid-19. Nesta terça-feira foi registrada mais uma morte, desta vez de um homem idoso da etnia Kokama, na Aldeia São José, em Santo Antônio do Içá, no interior do estado.

"As coisas estão ficando fora do controle. Nós chegamos aonde não deveríamos ter chegado", alerta o coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei), Weydson Gossel, em áudio obtido pelo GLOBO enviado a um grupo de mensagens de secretários e agentes de saúde, no qual ele faz duras críticas ao governo e à Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (Susam).

A mensagem de Gossel é da semana passada quando ele retornara de uma reunião em Tabatinga , assustado, depois de saber que o Hospital de Guarnição do município entrara em colapso, portanto anterior à morte registrada ontem, a terceira na região, que contabiliza 44 casos. Naquele dia, sexta-feira passada, o coordenador estava espantado como os 33 novos casos que haviam dado positivo entre indígenas da Aldeia São José , revelados pelo GLOBO.

"Acabo de chegar de uma reunião do gabinete de gestão de Tabatinga onde tivemos a informação de que o Hospital de Guarnição já entrou em colapso, todos os respiradores e leitos estão sendo utilizados, a UPA também está na sua capacidade máxima, não tem mais onde colocar paciente, os pacientes que forem encaminhados não vão ter onde ficar", diz trecho do áudio.

Ele critica a falta de atenção do governo para os municípios do interior. "Infelizmente, o governo do estado não está nem aí para o interior. Infelizmente o governo está querendo que a população, sei lá, morra. Não vemos atitude do governo, da Susam , os municípios é que estão encabeçando a luta, nós que estamos todos os dias dentro das aldeias, nas barreiras sanitárias fazendo papel que não é nosso muitas vezes".

Em colapso

O distrito do Alto Solimões compreende nove municípios e tem em Tabatinga a cidade com a maior infraestutura para tratar enfermidades, mas que com a crise sanitária entrou em colapso e pede ajuda.

"A nossa situação é crítica. A usina de oxigênio está quebrada. Os pacientes graves têm que ser removidos para Manaus para poder ter leitos disponíveis com respiradores, mas também sabemos que lá a coisa não anda nada bem", afirma a secretária de saúde de Tabatinga, Ana Neto.

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Além de Tabatinga, a região do Alto Solimões conta com outros oito municípios: São Paulo de Olivença, Benjamim Constant, Amaturá, Santo Antonio do Içá, Tonantins, Fonte Boa, Tefé e Jutaí.

"O governo está muito ausente e não tem olhado para o interior. O estado precisa garantir o envio de cilindros de oxigênio cheio, pois a usina não vai aguentar manter duas unidades hospitalares. Como Tabatinga é uma Tripice Fronteira (Peru e Colômbia) , e mais a área indígena, será necessário um hospital de campanha", afirma Ana.

Sem equipamentos

Segundo a secretária de saúde, há ainda a necessidade de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) não só para UPA, maternidade ou Hospital de Guarnição, mas também para as unidades básicas de saúde, já que são a porta de entrada de triagem para identificar logo no início o paciente contaminado.

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"Queremos também testes rápidos suficientes para começar a testar em massa a população - diz ela que confirma a chegada de 700 unidades de testes, três respiradores e "alguns litros de álcool e abastecimento de oxigênio."

Além da UPA e do Hospital de Guarnição, Tabatinga conta com mais oito unidades básicas de saúde, todas no limite.

Fonte de infecção

No áudio, o coordenador da Dsei do Alto Solimões aponta a falta de consciência da população pelo aumento no número de casos e faz um alerta para que os prefeitos façam decretos que proibam os indígenas de saírem das aldeias e irem para os municípios, onde estão os focos da doença.

"O motivo de ter chegado aqui é devido à ignorância de todos, do cidadão brasileiro no geral, do Alto Solimões, o tabatinguense, o indígena. Ele não se conscientizou ainda. Vai precisar morrer gente e esperem que vai morrer, infelizmente, para que todos se conscientizem que a melhor forma é o isolamento, a melhor forma é ficar em casa para se proteger desse vírus maléfico.O indígena precisa ficar nas aldeias. O município hoje é a fonte de infecção e nossas aldeias não podem ser a fonte de infecção."

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O coordenador de saúde indígena afirma ter enviado um ofício para o Ministério Público sugerindo a proibição da vinda de indígenas para zona urbana, isolamento social ou quarentena no período de 15 dias, mas até agora não obteve resposta.

"Estou conversando com cada prefeito que inclua nos decretos municipais essa restrição para que nós juntos possamos fiscalizar".

Crescimento rápido

A capital Manaus , que liderava até então o número de casos no Amazonas, foi ultrapassada de longe pelo Alto Solimões, o novo foco da doença entre indígenas no estado, como mostrou O GLOBO na semana passada. Contabiliza até o momento 19 casos, dos quais 14 deles foram registrados na Aldeia Terra Preta, localizada no Baixo Rio Negro, todos da etnia baré.

Em todo o país, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) contabiliza 92 casos, além de quatro óbitos. Há ainda 26 suspeitos da doença e 54 curas clínicas.

Além da Região do Alto Solimões (42, pelas contas da Sesai), Manaus (19), Parintins (17) e Médio Purus (3), Médio Solimõe e Afluentes (2), todos no Amazonas, há casos registrados nos Dseis Yanomami (3), do Amapá e norte do Pará (1) e de Minas Gerais e Espírito Santo (2). A Região Nordeste também já tem os primeiros infectados, dois em Pernambuco e outro, no Ceará.

Procurada nesta terça-feira, a Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (Susam) ainda não se manifestou sobre as críticas do coordenador e da secretária de saúde de Tabatinga.

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