Morador de Mesquita, na Baixada Fluminense, cidade onde não há um único leito municipal de isolamento para pacientes com coronavírus, o técnico de informática Abrahão Vanderlei Campos Santana, de 37 anos, morreu nesta quarta-feira (1), com sintomas da doença, no Hospital Ronaldo Gazolla, em Acari, na Zona Norte do Rio.
Com dificuldades de respirar, ele chegou a buscar atendimento por cinco dias em pelo menos quatro diferentes unidades de saúde, até perder a batalha pela vida. Pai de uma criança de 2 anos, e com uma renda mensal de pouco mais de um salário mínimo, o técnico de informática não terá provavelmente seu último desejo realizado pela família.
Ele queria que seu corpo fosse cremado e que suas cinzas fossem jogadas no mar, mas parentes alegam não ter dinheiro suficiente para cobrir tal despesa. Sem recursos, a família ainda não marcou sequer a data do sepultamento do rapaz.
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“O corpo foi liberado, mas ainda não tem enterro marcado. Ele queria que o corpo fosse cremado. Sempre disse isso pra gente. Falava que, quando morresse, queria suas cinzas fossem jogadas no mar ou num lugar bem bonito. Não temos dinheiro. A funerária perguntou se a morte era suspeita de coronavírus. Eu disse que sim e me informaram que provavelmente não haverá nem velório”, disse a mulher de Abrahão, que pediu para não ter seu nome divulgado.
Segundo sua família, Abrahão foi submetido a uma testagem para coronavírus, feita no Ronaldo Gazolla, na última segunda-feira. No entanto, ainda não saiu o resultado do exame. Apesar disso, na declaração de óbito, consta que a morte ocorreu por suspeita de infecção por Covid-19.
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O técnico de informática começou a sentir os primeiros sintomas da doença há pouco mais de uma semana. Com a garganta doendo, fadiga e tosse, ele passou a usar uma máscara improvisada com um guardanapo e um elástico, já que não havia conseguido comprar o equipamento de proteção. Mas,seu sofrimento começou a ter contornos de drama na última quarta-feira, quando buscou socorro pela primeira vez na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Edson Passos, em Mesquita. Era só a primeira de muitas tentativas de ficar curado.
“Ele deu entrada lá na quarta-feira à noite. Fez exame de sangue e raio-x, e também foi submetido a uma nebulização. Já estava com febre também. O resultado do exame apontou pneumonia. Deram dipirona e amoxicilina (antibiótico) e mandaram ele voltar para casa”, disse a mulher do técnico.
Por volta das 11h da quinta-feira, ele acordou ofegante e com febre de 40 graus. Voltou mais uma vez, já durante a noite, para a mesma UPA. Segundo familiares, Abrahão foi liberado mais uma vez para voltar para casa, após passar por um exame clínico. Já na sexta-feira, voltou a ter dificuldades para respirar e, desta vez, procurou um polo de atendimento médico de Mesquita.
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“Lá, ele entrou e saiu rápido. Me disse que não conseguiu passar nem na triagem”, disse esposa do técnico. Abrahão voltou a ter febre alta e, no sábado, pediu para ser levado para um hospital. Um amigo da família percorreu cerca de 38 quilômetros, levando o técnico de informática de carro até o Hospital Salgado Filho, no Méier. Lá, ele ficou numa cadeira até receber a informação de que a unidade estava cheia. Segundo parentes, a família recebeu a sugestão de procurar a UPA do Engenho Novo, onde o paciente foi atendido inicialmente na sala amarela, sendo depois transferido para a sala vermelha. Na unidade, X. recebeu pela primeira vez a informação de que o marido poderia estar com o coronavírus.
“No domingo, fui visitá-lo e ele estava entubado porque teve muita dificuldade para respirar. Comecei a tentar uma transferência para um hospital de referência. Na segunda-feira, o quadro piorou, ele entrou em coma induzido e foi transferido para o Hospital Ronaldo Gazolla, em Acari. Na terça-feira, houve nova piora. Estava com oxigenação baixa no sangue. Nesta quarta-feira, quando tentavam trocar o respirador, por volta das 9h11, ele morreu”, disse a viúva.
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A tentativa de trocar o respirador ocorreu porque Abrahão tinha 1,83 de altura e pesava cerca de 150 quilos, e precisava de um equipamento maior. Segundo sua família, Abrahão Vanderlei era hipertenso. Sem dinheiro, a família do técnico de informática está usando apenas álcool em gel para evitar uma possível contaminação por Covid-19.
“Meu marido era a melhor pessoa do mundo. Ajudava a todos, sempre que podia. Não tinha vícios e vivia só pra família. Sem ele, não sei como vai ser. Eu não trabalho, e ele era a nossa única fonte de renda. Nem máscaras temos para nos proteger. Na nossa casa, além de mim e da minha filha, de 2 anos, ainda tem minha mãe de 63. Todos nós estamos com medo desta doença e do que ainda pode acontecer com a gente”, disse X.
O que diz a Secretaria Municipal de Saúde do Rio
Segundo a SMS, não houve troca de respirador do paciente, somente de tubo, para melhorar sua ventilação. A instituição afirma que casos suspeitos de coronavírus são tratados como prioridade em todas as unidades e que não há registro de atendimento de Abrahão no Hospital SAlgado Filho no domingo. Confira a nota na íntegra:
"Lamentamos a morte do Sr. Abrahão Vanderlei Campos Santana e esclarecemos que, em todo o atendimento, foram seguidos os protocolos do Ministério da Saúde para tratamento dos casos suspeitos de infecção pelo coronavírus. O paciente estava em leito de UTI no Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, com uso de respirador, mas, infelizmente, devido à gravidade do quadro, não resistiu. Não houve troca de respirador, mas sim do tubo, como uma tentativa de melhorar a ventilação do paciente.
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O exame específico para Covid-19 foi enviado para o laboratório oficial e o resultado sairá dentro de alguns dias, sendo anexado ao prontuário da paciente. Casos de óbito só são incluídos nas estatísticas de monitoramento da doença depois que sai o resultado positivo do exame.
No Hospital Municipal Salgado Filho, assim como nas demais unidades, casos suspeitos de coronavírus são atendidos com prioridade. Não foi encontrado registro de atendimento médico do Sr. Abrahão no hospital neste domingo."
O que diz a Secretaria Municipal de Saúde de Mesquita
"A Secretaria Municipal de Saúde está apurando as informações e aguarda o resultado do suposto exame realizado em Abrahão. Informa ainda que, nesta quarta-feira, entrou em contato com a viúva de Abrahão, para que a família possa ser monitorada pela equipe." O EXTRA procurou também a Secretaria de Estado de Saúde do Rio, mas ainda não obteve resposta.