Um conjunto de entidades que atuam na defesa dos direitos humanos divulgou uma nota conjunta nesta quinta-feira pedindo a revogação das portarias que fecharam as fronteiras do Brasil com nove países sul-americanos ou a alteração das medidas para, entre outras coisas, não prejudicar o fluxo de solicitantes de refúgio. A nota diz que as portarias violam a Convenção de Genebra para refugiados, a Lei do Refúgio e a Lei de Migração. Procurador, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), disse que as portarias estão de acordo com a lei aprovada em fevereiro deste ano com medidas para conter o novo coronavírus.
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Nos últimos dois dias, o governo federal publicou duas portarias fechando as fronteiras do país com nove países sul-americanos como uma das medidas para evitar o aumento de casos do novo coronavírus no país. Por conta das portarias, estrangeiros que não tenham nacionalidade brasileira ou residência permanente no país e que sejam oriundos da Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia, República da Guiana, Guiana Francesa, Suriname e Venezuela estão impedidos de entrar no Brasil. A única fronteira ainda aberta é com o Uruguai.
A nota, assinada por entidades como a Cáritas Arquidiocesana, Conectas e Instituto Migrações e Direitos Humanos, reconhece a necessidade de o governo brasileiro implementar medidas para impedir o avanço da pandemia , mas diz que as punições previstas nas portarias violam a Convenção de Genebra para refugiados, da qual o Brasil é signatário, além de outras duas leis brasileiros ainda em vigor.
Um dos pontos destacados pela nota é a previsão de que, durante fechamento da fronteira, os estrangeiros oriundos desses países que ingressarem em território brasileiro de forma irregular poderão ser deportados automaticamente e poderão ser inabilitados em processos de solicitação de refúgio.
A nota diz que de acordo com a Convenção de Genebra e com a Lei 9.474/1997 (conhecida como Lei do Refúgio), o ingresso irregular em solo brasileiro não pode impedir ninguém de solicitar refúgio. A lei 9.474/1997 prevê ainda que o estrangeiro que ingressar irregularmente no Brasil terá qualquer processo administrativo resultado dessa prática suspenso assim que formalizar seu pedido de refúgio.
"Ainda que se considere a ocorrência de ingresso irregular no território brasileiro, ante o fechamento da fronteira, o ingresso irregular no território brasileiro não pode constituir impedimento para solicitação de refúgio às autoridades competentes, nos termos da Lei 9.474/97 e da Convenção de Genebra de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados", diz um trecho da nota.
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O documento revela preocupação sobretudo com a situação dos venezuelanos que vêm buscando refúgio no Brasil há pelo menos quatro anos, desde o agravamento da crise econômica e política no país vizinho. O Brasil tem aproximadamente 32,6 mil pessoas com status de refugiado. Em dezembro do ano passado, 21 mil venezuelanos tiveram seus pedidos de refúgio aprovados pelo governo.
A enorme maioria deles entrou no país pela fronteira no Estado de Roraima .
De acordo com a nota, na medida em que o Brasil reconhece a ocorrência de graves violações de direitos humanos na Venezuela, "inabilitar" um cidadão advindo desse país a solicitar refúgio no Brasil revela-se não apenas uma violação ao seu direito, como também uma aparente contradição ao posicionamento já adotado e ao compromisso internacional assumido".
O documento menciona ainda uma recomendação feita pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) divulgada na terça-feira sobre o fechamento de fronteiras como resposta ao novo coronavírus. A recomendação diz que impor medidas para impedir a entrada de refugiados ou solicitantes de refúgio sem evidências de algum risco à saúde pública seria "discriminatório" e não atende a "padrões internacionais".
Para o Acnur, caso algum solicitantes de refúgio sejam identificados como um risco à saúde pública, outras medidas podem ser tomadas como a testagem ou quarentena.
Outro lado
Procurado, o MJSP disse que as portarias não violam a legislação brasileira porque estariam amparadas na lei nº 13.979, aprovada em fevereiro deste ano e que prevê uma série de medidas para o combate ao novo coronavírus.
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De acordo com o ministério, em caso de conflito entre a lei aprovada em fevereiro e a Lei do Refúgio, prevalece a lei aprovada mais recentemente e que "os valores da saúde pública e da vida se sobressaem ao direito individual de uma pessoa pedir refúgio".