O Ministério Público Federal de São Paulo denunciou o ex-comandante do Destacamento de Operações e Informações ( DOI-Codi ) do II Exército, em São Paulo, um dos órgãos de repressão da ditadura militar e dois médicos legistas pela morte da militante Neide Alves dos Santos em 1976.
Audir Santos Maciel, ex-comandante do DOI-Codi em São Paulo, foi denunciado por homicídio qualificado. Os médicos legistas Harry Shibata e Pérsio Carneiro foram denunciados por falsidade ideológica. Shibata era o diretor do IML à época. Em 2017, sua casa foi alvo de protestos.
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Apesar da morte de Neide ter ocorrido há mais de 40 anos, o Ministério Público Federal considera que o crime não prescreveu porque se insere em um contexto de ataque generalizado do Estado brasileiro contra a própria população. Por isso, constitui crime contra a humanidade e, portanto, não é passível de prescrição. A tese do MPF não é aceita pela maioria dos juízes, que citam a anistia concedida aos agentes da ditadura e a militantes.
A denúncia faz parte de uma série de acusações feitas por procuradores contra abusos cometidos pelo Estado brasileiro durante o período, chamada de Justiça de Transição. O documento foi feito pelo procurador Andrey Borges de Mendonça.
Segundo o documento, Audir Santos Maciel, então comandante do DOI-Codi em São Paulo, participou da operação que resultou na captura e assassinato de Neide. Já os médicos Harry Shibata e Pérsio JOsé Ribeiro Carneiro foram responsáveis por forjar um laudo necroscópico que omita as verdadeiras circunstâncias do óbito.
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"O documento procurou corroborar a versão oficial de que as extensas queimaduras identificadas no corpo da vítima seriam fruto de suicídio por ateamento de fogo", afirmou o MPF.
A militante era parte do setor de agitação e propaganda do Partido Comunista Brasileiro, legenda que se posicionou contra a luta armada como forma de oposição à diadura.
Mesmo assim, Neide foi presa três vezes em 1975, sempre liberada com sinais de tortura. Moradora do bairro da Barra Funda, ela era alvo de vigilãncia constante, segundo o procurador. Em 7 de janeiro de 1976, ela foi um dos vítimas da Operação Radar realizada pelo DOI-Codi entre 1973 e 1976 para o assassinato de integrantes do PCB, o chamado "Partidão".
Segundo as informações oficiais, Neide foi levada na madrugada do dia 31 ao Hospital Municipal do Tatuapé com queimaduras. Os familiares, no entanto, só foram avisados de sua internação no dia 8 de janeiro, quando ela já havia falecido.
"O enterro foi realizado no dia seguinte, ainda sob vigilância de agentes da repressão e sem possibilidade de abertura do caixão", afirma o MPF.
Os familiares viram apenas o rosto da militante, que estaria intacto. Contudo, o fato de não haver sinal de queimadura na face ou nos cabelos foi ignorado pelos médicos legistas.
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"Caso a vítima tivesse ateado fogo à própria roupa, como indicavam os registros oficiais, as chamas teriam facilmente atingido a cabeça", diz o Ministério Público.
Além disso, os profissionais do IML não abriram o cadáver, contrariando, ainda de acordo com o MPF, os procedimentos básicos de necrópsia. Inicialmente, o delegado que assinou o documento dispensou a elaboração de laudo, alegando "morte natural", apesar das marcas de queimadura. Em um pedido subsequente, o laudo foi solicitado mas, ao lado do nome de Neide foi colocada a letra "T", sinal utilizado por agentes da ditadura para identificar a vítima como "terrorista". Essa era uma indicação observada em outros casos da época e indica que a análise deveria resultar em conclusões falsas para desvincular o óbito da prática de tortura.
"“O laudo é propositadamente sumário e tecnicamente insatisfatório, pois não esclarece como se espalharam as lesões e qual a origem das queimaduras. Não procurou vestígios de vestes queimadas nem fez o exame interior do cadáver. Em verdade, a versão do suposto suicídio foi forjada para justificar o homicídio da vítima. E mais: o laudo foi propositadamente omisso, visando dificultar as apurações das verdadeiras circunstâncias da morte e seus autores", afirma o procurador Andrey Borges de Mendonça.
Além das penas de prisão, o MPF pediu o cancelamento de aposentadorias e que seja determinada a perda de medalhas e condecorações eventualmente entregues a eles pelos serviços que prestaram à repressão política.