Números do Instituto de Segurança Pública divulgados nessa terça-feira revelaram que 2019 foi o ano em que o estado do Rio teve o menor número de homicídios dolosos desde 1991, quando teve início a série histórica do crime. Foram3.995 vítimas. Das cinco áreas que tiveram a maior redução nos índices, apenas duas estão na capital - a referente ao batalhão de Santa Cruz (redução de 99 para 46 casos), na Zona Oeste do Rio, e de Botafogo (diminuição de 21 para 11 casos), na Zona Sul da cidade, onde está localizada a favela Santa Marta. As outras três áreas são a do batalhão de Resende e Angra dos Reis, ambos no interior do estado, e de Queimados, na Baixada Fluminense.
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Apesar da redução no índice, há áreas que tiveram aumento nos números de homicídios. Das cinco com maior crescimento, três ficam no interior: Volta Redonda, Três Rios e Nova Friburgo. As outras duas estão na capital: Ilha do Governador e São Cristóvão, ambas na Zona Norte da cidade.
Os índices levantados pelo Globo são referentes às áreas de cada batalhão, que na maioria das vezes não correspondem apenas ao bairro ou cidade que dá nome à unidade. O de Botafogo, por exemplo, é responsável pelo patrulhamento em oito bairros da Zona Sul, incluindo Urca, Cosme Velho, Catete e Flamengo, por exemplo. Já o de Angra dos Reis também abrange os municípios de Paraty e Mangaratiba, ambos na Costa Verde.
O Globo também levantou as áreas que tiveram os maiores aumentos nos números de mortes em confronto com a polícia, que aumentaram e bateram o recorde histórico do crime. Foram 1.810 casos ao longo do ano passado, uma média de cinco por dia. É o maior número registrado desde 1998, início da série histórica.
Os maiores aumentos ocorreram em áreas de quatro batalhões localizados na capital - Tijuca (aumento de 11 para 32 casos), Bangu (cresceu de 53 para 137), Praça da Harmonia (13 para 30) e Ilha do Governador (10 para 19 casos). O batalhão da Praça da Harmonia é responsável pelo patrulhamento no Centro do Rio e em Santa Teresa. Em quinto lugar está a área do 12º BPM (Niterói), onde os registros subiram de 75 para 130.
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Já as maiores reduções nas mortes em confronto com a polícia foram registradas nas áreas referentes a três unidades da PM na Baixada Fluminense - Mesquita, Duque de Caxias e Magé. Na capital, Santa Cruz e Leblon tiveram as maiores diminuições.
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A estatística de mortes em confrontos com a polícia vem em escalada desde 2017. Naquele ano, foram registradas 1.127 no estado. Em 2018, o número fechou em 1.534. A quantidade (1.810) correspondeu a 30,34% dos casos de letalidade violenta (soma de ocorrências de homicídios dolosos, mortes por intervenções de agentes de segurança, latrocínios e lesões corporais seguidas de óbito) registrados em 2019. Ou seja, três em cada dez mortes foram causadas por policiais.
Apesar do número elevado, a quantidade de mortes provocadas por policiais caiu nos últimos meses. Foram 195 em julho, 173 em agosto, 154 em setembro, 144 em outubro, 135 em novembro e 124 em dezembro.
Melina Risso, diretora de Programas do Instituto Igarapé, ressalta que a queda nos homicídios dolosos vem ocorrendo também na maioria dos estados do país. Ela afirma que, no Rio, essa diminuição pode estar relacionada a fatores variados, como os investimentos feitos pela Intervenção Federal na Segurança Pública e a queda na apreensão de armas pelas polícias. Em 2019, caíram as apreensões pistolas e revólveres, apesar de ter aumentado a de fuzis.
"Toda redução ou aumento dos números é fruto de uma combinação de ações e fatores. Percebemos que houve uma diminuição na apreensão de armas, por exemplo. Uma possibilidade é que isso indique que há menos armas em circulação e pode resultar em menos crimes. A maioria dos homicídios é praticada com revólveres e pistolas. Mas também pode indicar apenas que polícia está retirando menos armas de circulação. São fatores que precisam ser estudados", analisa.
Melina também acredita que a atuação da milícia pode estar impactando nos índices. Ela ressalta que no ano passado, a polícia encontrou cemitérios clandestinos nos quais foram encontrados dezenas de corpos.
"Essas vítimas da milícia, na maioria das vezes, não são registradas como homicídios e nem como pessoas desaparecidas. É importante ter um olhar mais cuidadoso em relação a isso. Toda redução de homicídio é importante e deve ser comemorada, mas é preciso saber quais são as suas causas para se aprofundar", afirma.
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Sobre o aumento nas mortes causadas por policiais, o professor de Sociologia da UFF Daniel Hirata ressalta que desde 2014, uma série de fatores, entre eles a crise financeira e a falência do programa das UPPs, vem desestruturando a política de Segurança Pública do estado. Esse cenário, alerta ele, acaba sendo uma das causas para o aumento nas mortes em confronto com a polícia.
"Nesse panorama, falta planejamento global para a segurança e atuação da polícia fica mais difusa. Muitas operações acabam motivadas por vingança e retaliação à morte de policiais ou ataques a equipes da polícia, por exemplo. Isso é muito grave", avalia Hirata.
Para Melina Risso, o aumento nos casos de mortes em confronto com a polícia está diretamente relacionado com a política de segurança do governador do Rio, Wilson Witzel, que completou seu primeiro ano de mandato no início deste mês.
"É uma política voltada à operação e à comemoração constante em relação aos confrontos e mortes que acontecem nesse cenário. Não é possível aceitar que, num estado, um terço das mortes sejam pela polícia. Não encontramos nenhum país no mundo com essa realidade", finaliza ela.