Luciene Pimenta se emocionou ao ver imagem de como estaria a filha, desaparecida há 10 anos
Rafael Nascimento de Souza / Agência O Globo
Luciene Pimenta se emocionou ao ver imagem de como estaria a filha, desaparecida há 10 anos

Um dia normal como qualquer outro, um pedido para comprar pão e uma tragédia que se perpetua há 10 anos na vida da supervisora hospitalar Luciene Pimenta Torres, de 58 anos. Desde 2009 ela procura pela filha Luciane Torres da Silva, desaparecida em 30 de agosto, aos 9 anos de idade. A menina sumiu a caminho da padaria. Um processo de progressão feito pelo Núcleo de Envelhecimento da Delegacia de Descoberta de Paradeiros (DDPA) da Polícia Civil simulou, nesta quinta-feira, a aparência física de Luciane, que teria hoje quase 20 anos — outras famílias também participaram da simulação.

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Pouco depois das 11h50, Luciene cruzou toda o corredor da DDPA. No caminho, encontrou a delegada Ellen Souto, titular da especializada. Com os olhos marejados, elas se abraçaram e foram para a sala do Núcleo de Envelhecimento . Lá, diante do computador, estava o artista e oficial de cartório Alan Cintra. Ele perguntou se Luciene está preparada. Já chorando, ela balançou a cabeça, assinalando que sim.

Alan abriu a tela do computador; aparece uma imagem de Luciane . A mãe da menina ficou em silêncio, tirou os óculos de grau e começou a chorar.

"Tá linda a minha menina. O meu bebê cresceu e eu não vi nada. Por que fazem isso com a gente? Por que?", perguntou Luciene. "Eu acho que essa é a maior violência contra a mulher. Não existe outra. Não existe".

"É difícil abandonar o último rostinho e adotar uma nova imagem. É uma luta muito grande dentro da gente e, quando vemos que já se passou tanto tempo e o que a gente perdeu, isso é o que mais dói. A gente perdeu tudo, não viu crescer, não viu se transformar de criança para adolescente, de adolescente para uma jovem. Não viu ir da escola para a faculdade. A gente perdeu tudo. E sabe qual é o meu maior medo? É passar perto dela na rua hoje e não saber quem é a minha filha. É difícil abandonar o último rostinho e adotar a nova imagem mas, seja de que forma for, a gente quer de volta", concluiu a mulher.

A semelhança com vários membros da família é fundamental na construção do retrato virtual , diz Alan Cintra. O trabalho dos envelhecimento começou em maio: "eu recebo a família, faço uma entrevista e pego o máximo de informações, como: as características da criança, dos pais. Aí, pegamos algumas fotos. A partir daí, começamos a fazer uma busca no banco de dados, das características de pessoas atuais e montamos um quebra-cabeça. Criamos uma nova pessoa".

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Cada envelhecimento demora em média mês para ficar pronto. Segundo a Polícia Civil, as famílias dos desaparecidos não acompanham o trabalho.

"Precisamos ter liberdade para fazer esse trabalho. Ele precisa ser 100% imparcial. Cada trabalho tem sua dificuldade e, por isso, preciso entender como são os traços da família", conta Cintra.

Durante todo o tempo, a delegada Ellen Souto acompanhou a apresentação do "processo de progressão" aos parentes. Em diversos momentos, Ellen chegou a chorar.

"O objetivo inicial era investigativo . Divulgar a foto de uma menina que tinha 10 anos (no dia do desaparecimento) 15 anos depois não faz muita eficacia. Então, tínhamos como meta divulgar uma imagem da criança atualizada. Só que nos deparamos com um objetivo social e humanitário, que as mães quando veem suas filhas envelhecidas dizem que renovam as esperanças, e isso é muito gratificante enquanto profissional. Então, passamos a fazer esse envelhecimento para, de certa forma, minimizar essa dor e proporcionar uma esperança para essas mães", diz a delegada.

Segundo a policial, as imagens envelhecidas são divulgadas pela DDPA na aba de "pessoas desaparecidas" da Interpol e são direcionadas para as inteligências de países como Portugal, Espanha, Itália e Suíça, que são rotas de mulheres para fins de exploração sexual.

"Esse é um momento muito emocionante e gratificante. A gente se coloca no lugar do próximo. Talvez seja uma dor indescritível, porque fica uma dúvida eterna de uma mãe não saber onde está o seu filho. Todas elas se satisfazem com isso. Esse é o momento mais emocionalmente do trabalho de desaparecimento. Afinal de contas, elas não têm as filhas, só uma projeção virtual, mas mesmo assim se sentem satisfeitas", afirma.

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Grupo de Whatsapp para consolo de pais

Luciene diz que mães e pais de crianças e jovens desaparecidos em diversos estados criaram um grupo no WhatsApp para trocarem informações e apoio.

"São mais de 200 pessoas, entre pais, mães e parentes próximos. São pessoas do Rio, de São Paulo, Curitiba e outras cidades. Lá, estão pessoas que pedem por justiça e têm esperança de reencontrar seus filhos e entes queridos. Uns ajudam os outros", salienta Luciene.

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