O sistema penitenciário brasileiro vai muito além do preso. Os profissionais envolvidos incluem ainda os trabalhadores dos presídios, cozinheiros, segurança, diretor, além da estrutura não presente fora da cadeia, como a Secretaria de Segurança Pública e a Secretaria de Administração Penitenciária. Responsáveis pelo acompanhamento do presos no dia a dia, os agentes penitenciários estão no meio do furacão.
Segundo o presidente do Sindicato dos Funcionários do Sistema Penitenciário de São Paulo (Sifuspesp), Fábio Jabá, diz que de janeiro de 2018 a setembro de 2019 foram registradas, somente no estado, 109 mortes de agentes penitenciários .
Os principais motivos, segundo o Sindicato , são a forma de trabalho, que inclui muito estresse e pressão de todos os lados.
“Costumo dizer que o nosso agente fica no fogo cruzado da guerra entre o sistema e a população carcerária. Por conta de toda essa pressão, o profissional acaba desenvolvendo depressão e outras doenças. Não há quem aguente um trabalho tão estressante como esse por tanto tempo”, opina Fábio Jabá.
JP, de 42 anos, que há 17 anos ingressou no sistema penitenciário de São Paulo como agente de presídios, é um dos que sofre com a profissão. Assim que completou três anos de atuação, após viver a rotina explosiva das cadeias, surgiram os primeiros sinais de que a saúde mental não estava equilibrada.
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“Comecei achar que estava sendo constantemente perseguido por alguém. Via fantasma em minha volta”, admite. Casado, pai de duas filhas, vivendo a base de remédio antidepressivo, JP não sai mais de casa. Não tem condições nem de colocar os pés na garagem da própria residência. Fala com certa dificuldade. “Foram seguidos eventos violentos que presenciei no sistema: assassinatos, suicídios, espancamentos e rebeliões. Desenvolvi síndrome do pânico e estresse traumático”, relata.
O agente penitenciário a dmitiu ter tentado tirar a própria vida por três vezes. “Se não fosse minha mulher, não estaria aqui para contar essa história. O Estado praticamente virou as costas para mim”, completa o agente, que está afastado do trabalho há dez anos.
Estatística cruel
JP é exemplo real de como é estressante a rotina de um agente penitenciário . Ele é apenas mais um na estatística.. O estado de São Paulo conta com mais de 26 mil agentes penitenciários. 30% deles estão afastados do serviço por licença médica , o que corresponde a quase 8 mil profissionais.
Arlindo da Silva Lourenço foi quem começou a perceber o adoecimento precoce desses profissionais. Em sua tese de doutorado na USP (Universidade de São Paulo), o psicólogo estudou a rotina dos agentes penitenciários atuando em presídios durante 24 anos.
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“Fiz um levantamento dos atestados de óbitos dos agentes falecidos durante um determinado período em que trabalhei no sistema. A partir daí fiz uma média e constatei que o agente que morria não passava dos 45 anos de idade. É um dado muito preocupante”, conta Silva.
Uma das razões da vida curta dos agentes penitenciários, segundo o psicólogo, é por conta da precarização do sistema penitenciário . “Eles trabalham sob uma pressão absurda, em locais sem estrutura, insalubres e deploráveis. Alguns acabam aumentando o consumo do álcool, do tabaco e até passam a usar drogas para aguentar o serviço. A sobrecarga do trabalho também é outro fator que contribui para esse estado vulnerável dos profissionais”, explica.
Sindicato fala em assédio moral
Para o presidente do sindicato, o estresse é o fator predominante que faz desencadear as mais variadas doenças no agente penitenciário. “Por conta do assédio moral que o agente sofre tanto dos diretores dos presídios como também dos criminosos, ele acaba ficando doente. Desenvolve transtorno de ansiedade, passa a conviver com diabetes, hipertensão, sofre derrames e infartos. As causas das mortes são as mais variáveis”, destaca.
Quando não desenvolve o quadro de doença que o afasta do trabalho, o agente tira sua própria vida. Apenas no sindicato comandado por Fábio Jabá, nos últimos dos anos e meio, foram registrados 23 suicídios.
A Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) nega as acusações. Em nota, a SAP afirma que não há registro de denúncia de assédio moral na Corregedoria Administrativa do Sistema Penitenciário, assim como nas coordenadorias regionais e unidades citadas. A SAP não tem conhecimento sobre o suposto levantamento realizado pelo sindicato e não comenta estudos cuja metodologia não teve acesso.
“É uma carga de trabalho muito exaustiva. Com o passar do tempo, o agente percebe que até o preso sai da cadeia, menos ele. Viver nesse ambiente por um longo tempo ‘arrebenta’ com o profissional”, reconhece a psicanalista Veridiana Dirienzo, que presta auxílio no sindicato para os agentes afastados.
Para a especialista, falta o Estado dar um apoio emocional para os agentes penitenciários. “Para isso, precisamos organizar uma sociedade mais justa e igualitária”, completa.
Em nota, a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) diz que o Centro de Qualidade de Vida do Servidor (CQVidass) realiza o acompanhamento psiquiátrico e psicológico dos servidores, realizando encaminhamento especializado sempre que necessário, além de visitas técnicas periódicas para orientação e acompanhamento do estado de saúde do servidor.