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Nelma Kodama, doleira da Lava Jato
Reprodução/Instagram @nelma_kodama
Nelma Kodama, doleira da Lava Jato

Vestida da cabeça aos pés com roupas e acessórios de sua marca preferida, Chanel, a ex-doleira Nelma Kodama aguardava pela conversa em um café reservado no Shopping JK Iguatemi, recôncavo dos endinheirados paulistanos.

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De charme e elegância ímpares, Nelma Kodama também se alia à determinação e fidelidade: presa por três meses na Superintendência da Polícia Federal de Curitiba, sob condições às quais “até o Papa delataria algo”, ela se manteve firme e não delatou o então amado amante Alberto Youssef — a intenção da PF era arrancar essa delação desde o começo. Mas ela não se esqueceu do pacto de sangue firmado entre o casal: se algum dia alguém caísse que fosse ela.

Do outro lado, para a sua decepção, a fidelidade não se manteve. Ao fazer o acordo de delação premiada, Youssef tinha o poder de negociar benesses para a ex-doleira, mas não o fez. “Seja por pressão ou por ser um canalha. Prefiro a primeira opção”, diz. “Me engana que eu gosto, só pega na minha bolsa quem eu deixo. Gostou?”

Conhecida no mercado cambial como a dama dos doleiros por sua inteligência e perspicácia, sua casa caiu em outubro de 2014. Foi condenada pelo então juiz Sergio Moro a catorze anos e nove meses de prisão por lavagem de dinheiro, organização criminosa, evasão de divisas e corrupção ativa.

Na PF, cada vez que tinha uma operação, chegavam mais presos. Ela se lembra quando Marcelo Odebrecht chegou na cadeia e disse que se não fosse liberado em até três dias, poderiam preparar uma cela para o Lula. Odebrecht não saiu, ficou lá “queimando chão como eu”. “Quando se entra ali, minha amiga, pode ser quem for, você está presa, fim de linha. Você não é diferente do traficante”, explica.

De sua sentença, que considera injusta, cumpriu aproximadamente um terço e agora vive em liberdade. Sua dívida com a Justiça, no entanto, permanece estratosférica: R$ 100 milhões. Se, como doleira, chegou a movimentar cerca de R$ 25 milhões em um único dia, vive hoje com R$ 5 mil mensais provenientes de aluguel de quartos em um hotel.

Para começar a quitar seus débitos, pretende fazer um bazar de objetos de luxo, desde sapatos e joias até lustres. Apesar da necessidade de se desfazer de praticamente tudo que possui, Kodama estampa um sorriso fácil no rosto e demonstra dar pouca importância para os objetos caros que carrega consigo. “É bom ter? Lógico”, declara. Mas jura que se tiver de trocar o colar, a bolsa, o vestido e a bota Chanel por roupas mais simples, será feliz do mesmo jeito.

Questionada se há arrependimento e sentimento de culpa, ela diz que não adianta se arrepender do que não se pode mudar. “Qual foi o meu crime? Comprar e vender dólar, praticar sonegação fiscal. Não roubei o dinheiro da merenda. Tudo que eu adquiri foi com o meu trabalho, cerca de 16 horas por dia”, afirma. Para a ex-doleira, enquanto não houver uma reforma tributária, crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro, que a condenaram, continuarão a acontecer. “Ou você acha mesmo que porque teve a Lava Jato isso não existe mais? O problema é a corrupção sistêmica”, desabafa.

História verdadeira

Quando saiu de sua casa, na cidade de Lins, interior paulista, para morar em São Paulo, pegou as suas coisas, colocou no carrro e foi se distanciando da cidade enquanto caía o pôr do sol. Conforme dirigia, as luzes das casas iam se apequenando. “Era como se eu estivesse me desprendendo de tudo o que era conhecido”, lembra.

Se morresse hoje, Nelma Kodama morreria feliz, como ela mesma disse. Teve de tudo, comprou tudo o que queria e chegou ao topo da profissão enquanto doleira. Mais do que isso, só se fosse banqueira, o que nunca esteve em seus planos.

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Com a sua liberdade em mãos e R$ 100 milhões em dívida, a ex-doleira recomeça sua vida todos os dias, e propõe, por meio desta reportagem, uma parceria com José Padilha para uma produção audiovisual que se atente aos fatos da Operação Lava Jato . Ela acha que foi mal representada na série. “Minha sobrinha, criança, chegou a me questionar se eu era cafetina”, lamenta Nelma. “Quero contar minha verdadeira história”.

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