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Segundo o Conselho Nacional de Justiça, o presídio de Altamira apresenta “péssimas” condições
Márcio Lopes/Rede Vale do Xingu
Segundo o Conselho Nacional de Justiça, o presídio de Altamira apresenta “péssimas” condições

Eram 7h da manhã da segunda-feira 29 em Altamira (PA), uma das dez cidades mais violentas do Brasil. Os carcereiros do Centro de Recuperação Regional do município, com 343 presos amontoados em celas onde só cabiam 163 detentos, liberaram as “trancas” para que todos tomassem o café da manhã. Foi a senha para que os presos da facção Comando Classe A (CCA), majoritária, invadissem as celas onde estavam os integrantes do Comando Vermelho (CV), minoritários, e dessem início à matança .

Aliado ao PCC no intuito de controlar as cadeias da região, o CCA incendiou os pavilhões do CV com os detentos ainda no seu interior, e 41 morreram asfixiados. Dezesseis dos que conseguiram escapar das chamas foram decapitados. No dia seguinte, a polícia encontrou um outro corpo carbonizado entre os escombros: 58 mortos de forma cruel, numa ação típica de um País de terceiro mundo, onde a barbárie impera. Até o New York Times , o maior jornal do mundo, noticiou. Um banho de sangue.

A matança foi interrompida com a entrada na PM no presídio horas depois, lançando mão do uso de bombas de gás e balas de borracha, e, assim, retomaram o controle da unidade prisional, soltando os dois agentes feitos como reféns. O massacre foi, porém, o recado que o PCC/CCA deu ao CV , que tem força maior no Rio de Janeiro e menor estrutura em outros presídios do Norte e Nordeste: o grupo majoritário, que domina a maioria dos presídios brasileiros, quer comandar também o mercado de drogas na região.

A rota do Norte, que traz cocaína do Peru e Colômbia, cruzando a floresta amazônica em barcos, através do Rio Solimões, é hoje a principal porta de entrada da droga no Brasil, daí o interesse estratégico a embalar selvagerias intoleráveis.

Na terça-feira (30) à noite, as autoridades policiais do Pará transferiram 30 líderes da rebelião para Belém , para que a paz voltasse a Altamira . Todos foram algemados e colocados dentro de um caminhão para o transporte de presos, com quatro celas.

No caminho para Belém, o caminhão fez uma parada técnica em Marabá, a 600 kms. Era 1h da manhã de quarta-feira 31. Foi quando descobriu-se que quatro deles haviam sido mortos pelos companheiros, com sinais de enforcamento . E isso aconteceu mesmo com todos algemados. A contabilidade final foi macabra: 62 detentos assassinados com requintes de crueldade, transformando-se no segundo maior massacre em penitenciárias brasileiras. O primeiro foi o da Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo, em 1992, quando a PM fuzilou 111 presos indefesos em suas celas.

Na transferência dos líderes da rebelião de Altamira para Belém, outros quatro presos foram enforcados
Divulgação/Susipe-PA
Na transferência dos líderes da rebelião de Altamira para Belém, outros quatro presos foram enforcados

A disputa sangrenta entre os aliados do PCC e o CV, que passa pelo controle das cadeias e o tráfico de drogas, tem levado todo o estado do Pará ao caos em matéria de segurança pública, registrando os mais elevados índices de criminalidade. Entre todas as capitais, Belém é a mais violenta, com 77 assassinatos por 100 mil habitantes (a média brasileira é de 30,3 mortes por 100 mil).

Altamira, onde fica o Centro de Recuperação Regional rebelado, tem um índice de assassinatos de 91,9 por 100 mil, classificando-se entre as mais violentas do mundo. Para tentar conter a violência no estado, na terça-feira o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro,  mandou para lá 40 agentes da Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP).

Verdadeiras chacinas

Em torno de 150 detentos foram assassinados em presídios brasileiros desde que Jair Bolsonaro assumiu. Nos últimos três anos, um número impressionante de 219 presos foram chacinados no interior das cadeias, sob o olhar negligente das autoridades.

Alguns governantes, além de incompetentes para solucionar a crise do sistema prisional, são também insensíveis ao problema. Perguntado por jornalistas sobre o que achava do massacre no Pará, Bolsonaro não se comoveu . Preferiu alimentar antagonismos: “Pergunta para as vítimas dos que morreram lá o que elas acham”.

Foi mais ou menos o que aconteceu em São Paulo, depois do massacre do Carandiru: a sociedade rachada ao meio. Pesquisa feita à época mostrou que metade da população ficou estarrecida com a tragédia. Outros 50% entenderam que a polícia agiu corretamente. Segue assim, lamentavelmente, a ferida aberta que não para de sangrar o Brasil.

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