"A demarcação está parada. Enquanto este governo estiver no poder, não vai ter demarcação.
A gente já tentou várias vezes. O governo já deu o recado", conta Sônia Ara Mirim, uma das
lideranças da Tekoa Ytu
, o menor território indígena do País. Localizada no extremo noroeste
de São Paulo, a aldeia tem apenas 1,75 hectares – espaço equivalente a menos de dois campos de futebol – e abriga 38 famílias.
Tekoa significa aldeia. Ytu significa queda d’água. O caminho para chegar até lá é longo. Ao
sair da imensidão de prédios da capital, depois de quase uma hora dentro do trem, a sensação
é de estar em alguma cidade do interior, longe da loucura e da correria de São Paulo. O contraste é perceptível. O local é cercado por natureza e, em meio à calmaria, só se ouve o
canto dos pássaros, o barulho do vento e das árvores. Depois de chegar à estação, é
necessário pegar um ônibus até a estrada turística do Pico do Jaraguá, como é conhecido um
parque de mata atlântica no ponto mais alto da cidade.
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O território da Tekoa Ytu foi regularizado em 1987 pela Fundação Nacional do Índio ( Funai ), mas já havia sido ocupado pelo povo Guarani na década de 1950. É a única aldeia demarcada entre as seis do Jaraguá onde, no total, vivem 650 indígenas .
A mais nova aldeia surgiu há aproximadamente um ano. Independente de suas idades, todas lutam pelo direito às terras. Em 2013, a Funai realizou um novo estudo no local e delimitou 532 hectares para a etnia Guarani no Jaraguá. A luta para ver essa região demarcada, no entanto, ainda está longe de chegar ao fim.
Apesar do então Ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, ter reconhecido o território em 2015, a área só pode ser realmente regularizada por decreto presidencial – o que não ocorreu nos últimos quatro anos e, para Sônia, também não deve acontecer nos próximos. "Já houve governos em que dava para dialogar, agora está mais complicado", conta, desesperançosa.
Sônia explica que, hoje em dia, as aldeias não têm mais caciques e contam com a ajuda de várias lideranças, cada uma com sua função. Na Tekoa Ytu, ela é a responsável pela demarcação das terras e por proteger a cultura da comunidade. Por conta disso, foi ao Acampamento Terra Livre (ATL) em Brasília, em abril, junto a centenas de indígenas de todo o País , com o objetivo de reivindicar a regularização das terras, saúde, educação e saneamento básico.
De acordo com Sônia, os pedidos não foram atendidos. O governador de São Paulo, João
Doria (PSDB), também se mostra resistente a diálogos. Segundo ela, o único que ouviu as
reivindicações dos povos indígenas foi o prefeito Bruno Covas (PSDB). "Ele ouviu bem,
pareceu mais sensato", afirmou. Além dele, a líder da Tekoa Ytu também sente o apoio da
Secretaria de Cultura e da Câmara Municipal de São Paulo. “Sempre me recebem bem, lá me
sinto em casa, sei que posso contar", afirma.
Além da negligência do Estado, Sônia Ara Mirim também aponta a falta de saneamento básico
e o tamanho da aldeia como os principais problemas enfrentados pelos Guarani. "Por enquanto está dando, mas é muito pequeno, muita criança para pouco espaço", reitera.
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O ensino na aldeia Tekoa Ytu
Dos 650 indígenas que vivem no parque, ao menos metade são crianças. Todas frequentam a mesma escola municipal, que fica dentro da Tekoa Ytu. O Centro de Educação e Cultura Indígena (CECI) Jaraguá possui classes do primeiro ano da Educação Básica até o último do Ensino Médio. Segundo o Censo de 2018, são quatro salas e 28 funcionários.
"Todas as crianças são matriculadas na escola. Até porque, para ter merenda, precisa estar
matriculada", conta Sônia. Há professores indígenas, que são das próprias aldeias e repassam a cultura para as futuras gerações, e também os não-indígenas, que possuem formação em licenciatura – apenas estes dão aulas para as turmas de ensino médio.
Os jovens são alfabetizados em português e guarani desde cedo e também são ensinados a
escrever a língua nativa. "O guarani usa só o oral, a escrita é mais para não esquecer", explica a liderança dos Tekoa Ytu, que domina um português muito claro, sem se enrolar na língua dos colonizadores.
Duas turmas já se formaram no CECI Jaraguá e alguns membros da aldeia cursam o Ensino
Superior. Apesar de alguns terem se formado, Sônia afirma que a maioria dos jovens estudam apenas para ter um trabalho dentro da própria comunidade, e não para sair dela. A Tekoa Ytu é sustentada por trabalhos coletivos e artesanato. Além disso, há membros da comunidade trabalhando na escola e na Unidade Básica de Saúde (UBS) do Jaraguá, que também fica dentro da aldeia.
No posto – que, assim como a escola, atende todas as seis aldeias nos arredores – há apenas dois clínicos gerais. Para Sônia, o espaço e o número de profissionais é suficiente. Porém, quando precisam de algo mais específico, os indígenas tem que procurar hospitais em outras partes da cidade.
Para suprir as demandas na área de saúde e fugir dos preços das farmácias, os guaranis também utilizam medicamentos naturais, retirados da mata. O conhecimento dos efeitos medicinais das plantas é passado de geração para geração por uma das lideranças da aldeia, Maria dos Santos. Algumas ervas são nativas do Pico do Jaraguá , outras são sementes compradas de outros lugares. Assim, conseguem produzir desde anti-inflamatórios a antibióticos.
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"Por mais que a gente more perto da cidade, aqui dentro a gente preserva muito as tradições", afirma Sônia Ara Mirim, orgulhosa. Além de dar palestras em colégios e realizar eventos e festivais dentro da aldeia, a líder da Tekoa Ytu encontrou um outro jeito de conservar a cultura do seu povo: a tecnologia. Com a ajuda do coletivo Salve Kebrada, ela usa o canal “Jaragua é Guarani” no Youtube para falar sobre as tradições indígenas . "O passado está muito no presente", diz Sonia, em seu primeiro vídeo.