No lugar do verde-amarelo e das hashtags com adesão explícita ao governo, a moda entre a militância digital que dá suporte ao presidente Jair Bolsonaro vem sendo ditada por colagens futuristas em tons de néon, frases enigmáticas e até mensagens em código Morse.
Foto: Reprodução
Montagem mostra uma frase sobre armas e é reproduzida no YouTube ao som de falas de Bolsonaro
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Para especialistas ouvidos pelo GLOBO
, esse formato enviesado de apoio ao governo bolsonarista
segue uma tendência mundial que já apareceu na eleição americana de 2016, em um fenômeno conhecido comoTrumpwave .
O nome faz referência ao então candidato à presidência dos EUA, Donald Trump, e ao movimento vaporwave
, uma contracultura incubada na internet que combina elementos nostálgicos e futuristas para produzir uma estética visual e sonora que se coloca, simultaneamente, dentro e fora da cultura pop.
No caso dos EUA, montagens psicodélicas a partir de fotos de Trump e remixagens de discursos do magnata com batidas de música eletrônica inundaram as redes antes da eleição.
A socióloga da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Esther Solano, que estuda a atuação de grupos bolsonaristas em redes sociais, afirma que a aproximação dessa contracultura a candidatos e ideais de direita e extrema-direita é um fenômeno global. Na Europa, o movimento ficou marcado por conteúdos com tendência xenofóbica e ganhou o apelido de fashwave, em referência à palavra fascist (fascista).
"Uma característica dessa nova direita é ter uma militância pulverizada. Você não tem lideranças muito definidas ou hierarquias sistematizadas, ao contrário de movimentos conservadores tradicionais. Mesmo assim, esse método de ação acaba servindo à retórica dos principais representantes da direita, seja Bolsonaro ou Trump", afirma Esther.
A nova tendência alcançou sua maior repercussão no Brasil no último dia 16, quando um perfil anônimo no Twitter, representado pela imagem de um pavão com tons néon, ficou entre os assuntos mais comentados da rede social ao divulgar teoria conspiratória contra o jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil, responsável pela divulgação de diálogos atribuídos ao ministro da Justiça, Sergio Moro, e ao coordenador da Lava-Jato, o procurador Deltan Dallagnol.
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Na dianteira
As publicações anônimas foram endossadas pelo vereador Carlos Bolsonaro
(PSC-RJ), pelo senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e por influenciadores digitais bolsonaristas. No entanto, um levantamento do pesquisador Fábio Malini, do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), identificou que as estratégias de divulgação do conteúdo já eram debatidas por militantes, com número relativamente pequeno de seguidores, horas antes do lançamento do perfil anônimo, indicando uma ação coordenada pelo “baixo clero” bolsonarista.
O GLOBO
identificou que boa parte desses militantes se apresentava com avatares que remetiam à estética vaporwave. Um dos usuários chegava a oferecer imagens estilizadas para que outros internautas usassem em seus perfis.
Carlos Bolsonaro, numa espécie de aceno à contracultura bolsonarista nas redes sociais, fez um tuíte, no último dia 10, com a pergunta: “O que é vaporwave?”. A referência foi o suficiente para que recebesse dezenas de interações dessa militância. Os enigmáticos tuítes em código Morse lançados pelo segundo filho de Bolsonaro ao longo do último mês, normalmente em tom sarcástico, também costumam gerar reações de aprovação dos militantes, várias delas no mesmo formato.
Com uma linha tênue entre apoio político e ironia, a militância adepta à estética vaporwave pode se confundir à primeira vista com um exército bolsonarista, mas tem ramificações variadas e alcança inclusive críticos do atual presidente.
O diretório baiano do nacionalista PRONA, partido do ex-deputado Enéas Carneiro (morto em 2007), passou a adotar a estética em publicações no Instagram ainda durante as últimas eleições. Responsável pelo diretório estadual do partido, José Calasans Jr. diz que repudia o “liberalismo reacionário” de Bolsonaro, embora se aproxime da militância bolsonarista no formato de apresentação do conteúdo.
"São variados os gostos relacionados a esse tipo de estética underground, indo dos entusiastas de um futuro tal como em Blade Runner aos extremistas políticos", avalia Calasans. "Queremos tornar a política palatável ao jovem comum, que se acostumou a ver o assunto como 'coisa chata de velho'".
Para o consultor digital Marcelo Branco, que atuou na campanha de Dilma Rousseff em 2010, grupos políticos mais à esquerda costumam se afastar deste caldo cultural da web que tem surfado a militância bolsonarista
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"A extrema-direita tomou a dianteira, no mundo inteiro, na hora de compreender e capitalizar as redes. Já o campo progressista segue apegado a um paradigma institucional, à defesa do Estado democrático de Direito, desprezado por esses jovens".