O número de pessoas assassinadas com armas de fogo cresceu 6,8% no país entre 2016 e 2017, de acordo com dados do Atlas da Violência de 2019, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e divulgado nesta quarta-feira (5).
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No Rio, o crescimento foi ainda maior: 9,8%. O aumento das mortes por armas acompanha o do número total de homicídios. Em 2017, 65.602 mil pessoas foram mortas no Brasil — um crescimento de 4,2% em relação ao levantamento anterior — sendo que 47.510 mil (72,4%) foram vítimas fatais de tiros, o que daria para lotar todas as arenas do Parque Olímpico do Rio.
O que se sabe, diante da recuperação da série histórica de número de mortes por armas de fogo, é que quase um milhão de brasileiros perderam a vida vitimados por disparos entre 1980 e 2017. Para a equipe responsável pelo Atlas da Violência, o número seria ainda maior não fosse a aprovação do Estatuto do Desarmamento, em 2003.
De 14 anos para cá, desde a promulgação da lei do Estatuto do Desarmamento, a taxa média de crescimento anual de mortes por armas é de 0,85%: seis vezes menor do que nos 14 anos anteriores à lei. Há a indicação de que o Estatuto quebrou uma tendência, e que poderia ter sido acompanhado por outros fatores de cunho macroeconômico e/ou demográfico.
Assinado por 13 pesquisadores, o Atlas da Violência foi elaborado com registros oficiais do Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde (SIM/MS). A divulgação do relatório aconteceu nesta quarta-feira na sede do Ipea, no Centro do Rio.
Na contramão do Estatuto do Desarmamento, o número de armas em posse de civis só aumenta desde 2017. Até até abril houve alta de 10% em relação a 2018 nos registros para a posse de armas concedidos pela Polícia Federal.
Oscilação
Por motivos diversos e relacionados principalmente a questões geográficas, os 26 estados e o Distrito Federal apresentaram configurações diversas quanto à taxa de homicídios registrada historicamente. No caso dos dados relativos a 2017, houve um crescimento nos índices de sete estados (com destaque para o Ceará e para o Acre, com alta de 48,2% e 39,9%, respectivamente) e uma diminuição em 15 deles (em Rondônia e no Distrito Federal, por exemplo, a baixa foi de 22% e 21,4%).
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Os autores que embasam as pesquisas do Atlas da Violência apontam que os motivos que levaram o Ceará a bater o maior número de assassinatos de sua história pode ser creditado à forte presença forte de facções criminosas no estado, dentro e fora dos presídios, principalmente em bairros populares de Fortaleza.
A tentativa de combater o quadro com mais violência seria, de acordo com o estudo, um dos principais agravantes. No caso do Acre, mais de 10 rotas do tráfico de drogas vindas do Peru e da Bolívia determinariam o rumo tomado pelas mortes, a maioria ligada ao rastro violento deixado pela disputa de poder entre traficantes.
No caso do Espírito Santo, a razão para o crescimento de 18,5%, de acordo com os pesquisadores do Ipea e do FBSP, seria a greve da Polícia Militar ocorrida em janeiro de 2017. Desde 2010, a tendência era de queda, mas as 219 mortes registradas apenas durante a paralisação dos agentes de segurança teriam feito a taxa de assassinatos subir naquele ano.
‘Bomba relógio’
Em um recorte regional, o Atlas da Violência mostra a diminuição do número de homicídios no Sudeste e no Centro-Oeste, uma estabilidade no Sul e um aumento acentuado nas regiões Norte e Nordeste. A disparidade é explicada pelos pesquisadores como resultado de uma nova disputa por poder e território que envolve as duas maiores facções do país e o mercado das drogas.
A empreitada, iniciada ainda nos anos 2000, teria levado esses dois grupos do tráfico a buscarem cada vez mais penetração nos estados nortistas e nordestinos, através da conquista de aliados e de uma expansão geoeconômica. Como consequência deste processo, uma guerra eclodiu em 2016 e levou ao aumento significativo dos índices em estados das duas regiões.
Como ambas as facções não tiveram poder aquisitivo suficiente para seguir em disputa, houve uma acomodação na incidência de confrontos e, por fim, o número de 2017 registrou queda em lugares como Alagoas, Amapá, Maranhão, Paraíba, Pernambuco e Sergipe.
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Mas, ainda de acordo com o Atlas, essa tendência de queda nos índices não é necessariamente um indicativo animador. Isso porque, embora tenham diminuído a frequência de embates sangrentos, eles não acabaram e podem acontecer novamente como se fossem uma "bomba relógio" — e, diante da acomodação, sem qualquer aviso prévio. Teria sido o caso, por exemplo, do massacre do final de maio em Manaus, no Amazonas, onde 55 presos foram mortos após uma briga interna de uma facção.