Evaldo dos Santos Rosa, de 51 anos, que foi morto por militares do Exército , em Guadalupe, na tarde de domingo, se despediu da vida da maneira que mais gostava: com música. Na noite de sábado, ele foi com a mulher Luciana e uma amiga e colega de trabalho dela ao Barril 8000, na Abolição. Na choperia que tem musica ao vivo ele encontrou amigos, dançou, cantou e tocou.
“Ele estava feliz e pediu para ir lá para curtirmos um pouco e dançar”, contou a viúva. Manduca, como Evaldo era conhecido por parentes e amigos, foi o primeiro cavaquinista do grupo de pagode “Remelexo da cor”.
Nas redes sociais, os antigos amigos músicos postaram uma mensagem de despedida, em forma de poesia. “Olho pro céu e peço a Deus/ Que mande a paz do sentimento verdadeiro dos mortais/ Aqui embaixo o pesadelo está, demais, demais/ Demais, demais, demais”, escreveu o grupo, que se solidarizou com o sentimento de perda dos familiares.
Michelle da Silva Leite Neves, de 39, que acompanhou o casal no Barril 8000 trabalha com Luciana. As duas são técnicas de enfermagem na Clínica Doutor Aloan, em São Cristóvão. Michele contou que dormiu na casa da amiga, em Marechal Hermes, e que na manhã de domingo o casal foi levá-la em casa, no Caju. “Chegando lá, a Luciana insistiu para que eu a acompanhasse no chá de bebê de uma amiga dela, em São João de Meriti. Então troquei de roupa e voltei com eles para Marechal”, disse.
Michele, o casal amigo e o filho deles, de 7 anos, saíram de casa no começo da tarde e ainda deram carona para o padrasto de Luciana, Sérgio Gonçalves de Araújo, de 58, que estava na casa de outra filha, que também mora em Marechal. Antes de seguirem para o seu destino, no bairro do Éden, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, Luciana, o marido, o filho e a amiga almoçariam na casa de outra irmã dela, que mora no mesmo bairro onde seria realizado o chá de bebê. O padrasto reside ao lado.
“Essa minha amiga pretende se mudar para São Paulo assim que o bebê nascer e eu queria muito vê-la antes disso. Por isso insisti que ele me levasse”, disse Luciana.
O grupo acabou não conseguindo fazer nenhum dos dois programas planejados por Luciana — o almoço com a irmã e o chá de bebê com a amiga. Na Estrada do Camboatá, trajeto escolhido por ser o mais curto depararam com os militares do Exército. Como não havia operação ou blitz no local, ficaram tranquilos.
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Luciana contou que avistou os militares de longe, mas não sentiu nada de anormal , até começarem a atirar na direção deles. Ela disse que mesmo depois de atingido o marido pensou na proteção da família e aconselhou que saíssem do carro. Michele contou que ela, a amiga e o menino, que viajavam no banco traseiro do carro, chegaram a buscar proteção numa casa próxima que estava com a porta aberta.
“Meu marido ainda estava com vida e me mandou correr. Eu deveria ter ficado para morrer com ele”, lamentou Luciana, ainda bastante abalada com a perda.
Luciana contou ainda que depois que o marido foi ferido os militares continuaram atirando. Antes disso ela pediu socorro a eles, que, teriam respondido com sarcasmo e deboche. Uma irmã dela contou que a perícia demorou a acontecer porque a família fazia questão que fosse realizada pela Polícia e não pelo Exército .
Débora Lúcia dos Santos Araújo, a irmã que receberia o casal para o almoço contou que faltou ao culto na igreja do bairro para adiantar o almoço. O cardápio foi pensado para agradar o paladar do cunhado, muito querido por todos, segundo ela.
“Preparei xuxu com camarão, arroz, feijão e bife acebolado, que ele amava. Fiz também purê de batata doce e salada de alface para agradá-lo. Eles reclamavam que meu almoço nunca saia cedo, mas nesse dia nem fui à igreja para adiantar”, contou.
A cunhada descreve Evaldo como um verdadeiro “paizão”. Ela disse que ele amava muito o filho que retribuía a admiração. Como Evaldo trabalhava em dias alternados, era ele que costumava levar o filho para a escola.
Mesmo tendo perdido o cunhado que tanto admirava, ela disse que a tragédia podia ter sido maior. O padrasto dela, que estava no banco do carona também foi baleado e está internado no Hospital Municipal Albert Schweitzer, em Realengo. Os demais ocupantes do veículo escaparam. Uma afilhada de Evaldo, de 13 anos, que também iria ao chá de bebê desistiu do programa na última hora porque tinha de estudar para uma prova.
Evaldo trabalhava como segurança. Apesar de estarem casados há 26 anos, ele e Luciana optaram por retardar o nascimento do primeiro filho do casal. Antes queriam comprar casa e um carro. O menino que viu o pai ser baleado, ainda pensa que ele está apenas ferido no hospital. A família ainda não teve coragem de contar a verdade.