O Supremo Tribunal Federal ( STF ) leva em média cinco anos para julgar ações como a protocolada há um ano pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol) e o Instituto Anis, que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.
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A demora para julgar as ADPFs (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), como a que pede a descriminalização do aborto
, se deve a diversos fatores que vão desde a complexidade do tema até a prioridade das pautas que chegam ao plenário da Corte - estabelecida pela presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia.
De acordo com o professor de Direito Constitucional do Mackenzie, Flávio de Leão Bastos Pereira, antes de tomar uma decisão final, os ministros levam em conta os impactos sociais, econômicos, políticos e jurídicos do tema. “Se o impacto for muito importante, a Corte tende a se precaver mais”, aponta.
Assunto polêmico, a legalização do aborto no Brasil divide opiniões: de um lado, alguns apontam a defesa da vida desde a sua concepção, do outro, requerem a autonomia feminina, o direito à saúde e à decisão sobre o próprio corpo. “É uma causa muito complexa, não é algo que possa dispensar momentos importantes, como ouvir entidades especializadas”, defende Pereira.
O caminho da ADPF 442
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) é o meio usado por autoridades e representantes da sociedade para evitar ou reparar lesão à Constituição, resultante de ato do Poder Público ou de leis anteriores a 1988.
Na ação protocolada pelo Psol, a ADPF 442, as advogadas defendem que a lei vigente muitas vezes obriga gestantes brasileiras a buscar procedimentos clandestinos e arriscados para realizar o aborto, inclusive ocasionando a morte de milhares delas.
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As críticas apontadas pelas juristas se referem especificamente aos artigos 124 e 126 do Código Penal, datado da década de 1940, segundo os quais provocar o aborto em si mesma, com ou sem o auxílio de outra pessoa, configura crime com pena de um a três anos de prisão. Quem provoca o aborto em uma gestante está sujeito a uma pena de um a quatro anos de prisão.
A ação destaca que o risco é ainda maior no caso das mulheres negras, pobres, moradoras das periferias e com menos instrução , que têm menos condições de pagar por procedimentos abortivos mais seguros. E citam dados sobre a quantidade de abortos clandestinos realizados no Brasil.
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Sob a relatoria da ministra Rosa Weber, a ação já recebeu 31 pedidos de amicus curiae, ou seja, “os amigos da corte”, responsáveis por levar ao Supremo uma participação mais popular. Esta é a maneira que a Corte tem de ouvir setores da sociedade que serão impactados por uma decisão, mas que não são partes no processo. No entanto, é o relator do processo que decide se poderão ou não participar.
No caso do aborto, os candidatos a amicus curiae são, em sua maioria, entidades contra a legalização, tais como o Partido Socialista Cristão (PSC), a União dos Juristas Católicos de São Paulo e o Instituto de Defesa da Vida e da Família. O que torna a perspectiva bastante “pendente” de ‘um só lado da história’.
Pedido liminar
Em novembro do ano passado, o Psol reiterou um pedido de liminar para permitir que uma gestante, grávida de 12 semanas e já mãe de dois filhos, pudesse realizar um aborto. A decisão de Rosa Weber foi indeferir os pedidos formulados pelo partido, argumentando que não era adequado resolver o caso de apenas uma grávida.
O professor de Direito Constitucional da FGV, Michael Mohallem, ressalta que é muito incomum que ministros concedam liminares em casos específicos. Ele explica que, caso a liminar fosse concedida pela ministra e depois confirmada pelo plenário da Corte, as mulheres passariam a ter direito de abortar enquanto o mérito da ADPF não fosse julgado.
Legislativo x Judiciário
A ministra Rosa Weber ainda pediu para que a Presidência da República, o Senado, a Câmara dos Deputados, a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria Geral da República (PGR) se manifestassem sobre a questão. Ao se manifestarem sobre o assunto, o Congresso e a AGU se posicionaram contra a ADPF, por entender que o assunto deveria ser discutido no Legislativo e não no Judiciário. Já a PGR se posicionou a favor do caso e acredita que compete ao STF decidir.
“O Congresso é um ótimo lugar para tomar essa decisão porque os parlamentares foram elegidos pelo voto. Então, do ponto de vista teórico, eles têm a legitimidade do voto para tratar a questão”, explica Mohallem.
No entanto, o professor acredita que, por se tratar de “direitos fundamentais”, o STF também possui legitimidade para discutir o assunto. “O STF é um poder contra majoritário, ou seja, contra a maioria. Tem certas questões que não cabem à maioria definir pela minoria. A Constituição protege essa minoria, por isso é uma questão que o Supremo pode decidir”, afirma.
Próximos passos e possíveis obstáculos
O tempo em que a ADPF 442 ficará tramitando no Supremo dependerá das próximas decisões da relatora do caso e das pautas de julgamentos que entrarem no STF, por decisão da presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia.
Dentro da discussão da ação, Rosa Weber pode ainda ouvir as partes no processo, requisitar informações adicionais, designar perito, ou fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria. Autorizar sustentação oral dos “amigos da corte” e juntada de memoriais.
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Após concluir seu relatório sobre a descriminalização do aborto, a ministra deixará o caso disponível para ir a julgamento no plenário do STF, em que ao menos dois terços dos ministros devem participar da sessão. Vale lembrar que, ainda neste ponto, a decisão pode continuar indefinido caso algum ministro peça vista no processo. “Na prática, o pedido de vista pode ser usado como um bloqueio, de veto. Quando o ministro é contrário ao assunto ele pode pedir vista só para a questão não avançar”, avalia Mohallem.
A descriminalização do aborto em pesquisa
Enquanto a ADPF 442 aguarda julgamento, o assunto continua a provocar debate em todo o País. No ano passado, uma pesquisa da Datafolha apontou que a taxa de brasileiros favoráveis à descriminalização do aborto cresceu entre 2016 e 2017, de 23% para 36%. Contudo, 57% da população ainda acreditam que “a mulher deveria ser punida e ir para a cadeia por fazer aborto”.