O juiz Claudio Antonio Marquesi, da 24ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, decidiu, nesta quinta-feira (8), autorizar a participação do bloco “Porão do DOPS” no carnaval da capital paulista, indeferindo a ação judicial do deputado federal Orlando Silva e deputada estadual Leci Brandão (ambos do PCdoB). Ainda corre na justiça outra ação tramitando na 7ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, sob relatoria do desembargador José Rubens Queiróz Gomes.
Leia também: Tribunal dá 48 horas para prefeitura de SP explicar contrato de câmeras
No entendimento, o magistrado argumenta que inexiste “qualquer elemento concreto que evidencie a incitação ao crime de tortura ou que haverá apologia ao crime” no bloco carnavalesco " Porão do DOPS
", ainda impondo multa de R$ 5 mil para cada reclamante, no caso de apelação.
Os parlamentares entraram com ação judicial na quarta-feira (7) contra os membros do grupo “Direita São Paulo”, responsável pela criação do bloco carnavalesco. Na ação, os autores afirmam que o bloco, marcado para o próximo dia 10 de fevereiro, tem como objetivo “celebrar a odiosa e criminosa prática de tortura ocorrida na ditadura militar, a partir de 1964, homenageando figuras ligadas a tais práticas como o Cel. Carlos Ustra e o delegado Sérgio P. Fleury”.
Segundo os reclamantes, sob o slogan “ cerveja, opressão, carne, opressão e marchinhas opressoras ”, os responsáveis pelo bloco – Edson Salomão e Douglas Garcia Bispo dos Santos –, estariam violando a lei de segurança nacional, incitando a subversão da ordem pública. Desse modo, foi pedida a concessão de liminar para proibir que o desfile ocorra, pois se trata de "um ato de apologia ao crime de tortura". Os autores pedem a retirada da expressão "Porão do DOPS" do nome, deixando de fazer referência aos nomes de Cel. Brilhante Ustra e Del. Fleury.
Leia também: Folião morre eletrocutado após encostar em poste durante bloco no Centro de SP
Contudo, o juiz escreve que a proibição ao bloco se trata de “ censura
”, já que “a utilização de figuras de pessoas conhecidas como torturadores na época da ditadura, embora lamentável, não permite um controle direto e prévio de repressão por parte do Estado, sob pena de se negar o próprio direito reconhecido com o processo de democratização, após longos anos de repressão e desrespeito aos direitos da dignidade da pessoa humana”.
O magistrado defende não ter encontrado requisitos legais que justifiquem o acolhimento do pedido antecipatório da ação e, assim, pelo artigo 5º da Constituição Federal de 1988, em que é citada a liberdade de expressão e manifestação de pensamento, entende que o bloco carnavalesco possa desfilar nas ruas de São Paulo. Ele ainda cita não haver referência ao nazismo, fato histórico que exige a prévia censura ( Lei n° 7.716/88) no País. Ainda para justificar a participação do bloco no carnaval paulista, ele cita a existência do “Bloco Soviético”.
Pedido liminar negado
Na sexta-feira (2), o pedido de liminar para o cancelamento do bloco foi negado pela juíza Daniela Pazzeto Meneghine Conceição, da 39ª Vara Cível. Os promotores Eduardo Valério e Beatriz Fonseca haviam requerido, no dia 29 de janeiro, em caráter liminar, o impedimento do nome “Porão do DOPS” e da homenagem ao Coronel Ustra e delegado Fleury.
Também no entendimento da juíza, tal feito seria “censura prévia”, já que existe o “bloco soviético” em São Paulo. Com a decisão, o Ministério Público de São Paulo protocolou no Tribunal de Justiça um agravo de instrumento, criticando a argumentação da magistrada, já que daria abertura para a "divulgação de propaganda do estupro, da tortura, do homicídio, do sequestro, da pedofilia, do genocídio, desde que não fosse usada a cruz suástica."
Grupos de direitos humanos
Também nesta quinta-feira, 25 entidades ligadas aos direitos humanos protocolaram um documento contra a sentença que autoriza o desfile do bloco, argumentando que "a juíza ignorou fatos históricos", uma vez que os dois homenageados são reconhecidos por praticarem crimes de tortura, morte e desaparecimento forçado tanto no Doi-Codi, comandado pelo coronel Ustra, como no Dops, que pertencia à Polícia Civil, e onde o delegado Fleury e sua equipe submetiam os presos a sessões de pau-de-arara e choques elétricos, muitas vezes até a morte.
Leia também: Garota de programa que comandou roubos a mansões de SP cumprirá pena em casa
"Tortura é crime universal de lesa-humanidade, imprescritível e inafiançável", defende documento. Entre as organizações que assinam estão o Grupo Tortura Nunca Mais, o Movimento Nacional dos Direitos Humanos e a Comissão de Direitos Humanos da OAB.
Bloco é no sábado
O bloco "Porão do DOPS" está marcado para o sábado (10), em São Paulo, com entrada no valor de R$ 10, segundo a página do Facebook, e possui 1,5 mil pessoas interessadas. O bloco não está no calendário oficial do carnaval de rua da Prefeitura de São Paulo. "Se você é anticomunista, não pode perder! Venham à caça, soldados!", diz a descrição do evento.