Após um dia muito tenso e intenso dentro de uma viatura do Comando de Choque da Polícia Militar, acompanhando um patrulhamento da ROTA , finalmente começo a relaxar. Estou voltando tranquilamente para o Quartel, trafegando lentamente por uma avenida na Zona Norte da cidade de São Paulo. Claro que isso dura pouco. Quando menos espero a sirene é acionada, o Policial dirigindo a viatura acelera bruscamente, invade a pista oposta na contra mão, faz um giro de 180 graus e freia na frente de um ponto de ônibus, bloqueando parte do transito. O Major PM Ambar, o Cabo PM Salatiel e o Cabo PM Alves desembarcam e correm na direção de um aglomerado de pessoas.
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Mantendo meu padrão de não seguir a velocidade de raciocínio e tomada de decisão destes Policiais, e da equipe de ROTA que acompanhei, eu demoro um bom tempo para processar o que está acontecendo. Os Cabos PM Salatiel e Alves perceberam que um senhor de aproximadamente 70 anos havia sofrido um mal súbito e decidiram imediatamente investigar. O pessoal da farmácia, do outro lado da avenida, não se mexia e o SAMU disse que iria demorar para chegar ao local.
Sem hesitar, os Policiais acomodam o senhor e sua esposa dentro da viatura, no único lugar disponível: o meu... Sem mais espaço na cabine, os PMs abrem a tampa do porta-malas e me colocam lá dentro, no local reservado aos “caronas-fora-da-lei”. O senhor idoso entra num estado de semiconsciência e sua esposa se desespera.
Sete horas antes
Sete horas antes do início desse resgate eu chegava ao Quartel das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, uma das unidades de elite da PM Paulista, para acompanhar um dia na vida destes Policiais. Minha intuição dizia que meus níveis de tensão e emoção iriam bater novos recordes. Ela estava certa. Diferente do trabalho de patrulhamento preventivo, que é feito por toda cidade, o setor de inteligência da PM direciona os Policiais de Rondas Ostensivas para os locais mais perigosos da cidade, aqueles com maior incidência de crimes violentos, que normalmente envolvem trafico de drogas e armas em escala de atacado.
Esse tipo de policiamento exige o emprego de profissionais que possuam um conjunto de habilidades e equipamentos altamente especializados, aptos a enfrentar as gangues de traficantes que tentam se organizar, dominar e bloquear partes da cidade, como já ocorre em outras capitas do país. Mas não em São Paulo.
Aqui a ROTA impede que isso aconteça, não existem áreas onde seus Policiais são proibidos de patrulhar, eles acessam qualquer local, a qualquer momento, sem pedir licença aos chamados “chefes do crime”. Para isso, estes Policiais são submetidos a um intenso e detalhado programa de treinamento que, para minha surpresa, acontece diariamente e ocupa 25% do tempo de trabalho de todos PMs de Rondas Ostensivas.
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“Nosso Policial é igual a qualquer outro PM de qualquer Batalhão: ele protege a sociedade aplicando a lei", explica o Capitão PM Vergilio, Comandante da Terceira Companhia de ROTA e responsável pela equipe que eu iria acompanhar em algumas horas. "Se eu tivesse que apontar uma característica que nosso Policial possui é a rapidez e qualidade do seu raciocínio, associados a intuição e percepção altamente apuradas do ambiente ao seu redor. Isso permite que tomem decisões instantâneas e corretas”, complementa o Capitão.
No Quartel
O dia de um PM de Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar começa três horas antes de sair do Quartel em patrulha. Esse período é reservado para instruções e treinos que incluem: aulas sobre legislação, exercício físicos, treinamentos para uso de equipamentos, simulações de abordagens à indivíduos suspeitos, instruções de como dirigir a viatura nos mais variados cenários, treinamento das funções específicas de cada ocupante do carro e estudos detalhados de ocorrências anteriores com o objetivo de rever o que deu certo e o que deve ser aprimorado.
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Nos intervalos dessas atividades é visível o ambiente de camaradagem e descontração entre estes Policiais, mas durante os vários treinamentos, sejam exercícios físicos, aulas teóricas ou de manipulação de equipamentos, o foco e concentração dos PMs é total. “Esse é o único momento em que algo pode sair errado, em que temos a oportunidade de parar, avaliar, corrigir e refazer a ação num ambiente seguro e controlado. Em poucas horas meus homes estarão nas ruas, protegendo a população e lá o nível de erro é zero”, diz o Capitão PM Vergilio.
Também são nessas três horas de Quartel que os Policiais cumprem um ritual, que para mim foi uma total surpresa. Como cada equipe usa sempre o mesmo carro, os homens criam uma relação de confiança, respeito e orgulho com sua “Barca”, apelido que os PMs de ROTA usam para se referir às suas viaturas. Antes de ir para as ruas, todas as Barcas são minuciosamente limpas pelos seus ocupantes. Sem exagero, eles as deixam com o visual igual ao dia que saíram da fábrica. O mesmo é feito com todos equipamentos levados pelos Policiais: são limpos e testados várias vezes.
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Dentre as centenas de PMs que circulam pelo Quartel, é fácil identificar os que estão prestes a sair em patrulha: eles estão usando a boina preta e o braçal de couro negro, preso na parte superior do braço direito, que ostenta o Brasão do 1º Batalhão e suas quatro emblemáticas letras metálicas e douradas. Menos de 1% dos Policiais Militares de São Paulo possuem este privilégio. Minutos antes de sair do quartel, os Policiais são perfilados no pátio do Quartel, recebem as últimas instruções e, com energia e orgulho gritam: “ROTA!!!”.
Veja o video do ritual do grito "ROTA!" feito pelos Policiais antes de sair em patrulha:
Certa vergonha (minha...)
No momento anterior à saída do Quartel, quando sou orientado para entrar na viatura de Comando, toda atenção e gentileza que recebi dos Policiais daquela patrulha nas últimas três horas desaparece. O intenso treinamento ao qual esses homes são submetidos é 100% incorporado. Eles são dominados por um nível de profissionalismo, concentração e foco tão intensos que suas expressões e linguagem corporal se alteram. Esse fato fez com que eu passasse uma certa vergonha com o Sargento PM Vallilo, que comandou a viatura da ROTA que acompanhei na “minha” patrulha.
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Conversei bastante com o Vallilo durante as três horas de treinamento dentro do Quartel, um cara com olhar incisivo e inteligente, sempre atencioso e com um sorriso franco. Quando saímos para a rua, minha viatura acompanhou de perto a Barca do Sargento, me permitindo uma visão privilegiada do seu trabalho e da sua equipe: Cabo PM Souza, Cabo PM Santos e Soldado PM Gomes.
No final da primeira abordagem (rotineira, ninguém foi preso), um dos Policiais se aproximou e, de forma objetiva, me explicou o que havia ocorrido. Ainda meio aturdido com a rapidez com que tudo havia acontecido, anotei o que consegui e voltei para minha viatura.
Alguns minutos mais tarde acompanhei a segunda abordagem, e quando tudo terminou, o mesmo Policial voltou a me passar alguns detalhes.
Foi apenas aí que minha ficha caiu e reconheci quem era este Policial: o Sargento PM Vallilo. Fiquei tão surpreso que, para me certificar de que era ele mesmo, olhei para o nome escrito no seu colete à provas de balas.
O mesmo Sargento com quem eu havia tomado um café no Quartel e batido um longo papo, ao sair em patrulha e assumir a responsabilidade de defender a sociedade e proteger os Policiais sob seu comando, se transformou ao ponto de eu demorar a reconhecê-lo. Surpreso, comentei com ele esse fato. O Vallilo olhou para mim por um micro segundo e voltou para sua viatura. Percebi que aquele não era o melhor momento para compartilhar amenidades curiosas e voltei para minha viatura de Comando, meio sem graça pelo papelão de não o ter reconhecido e por fazer comentários fora da hora certa...
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A abordagem
Você já passou por aquelas situações em que todos ao seu redor sabem de várias coisas e você é o único que não tem a menor ideia do que está acontecendo, tipo o ignorante da turma? É exatamente assim que me senti em todas as abordagens que participei. Tentei antecipar, ou pelo menos perceber ao mesmo tempo que os Policiais, o motivo e o momento do início de uma abordagem. Falhei miseravelmente todas as vezes... Esse é um processo difícil de se descrever já que muitas coisas acontecem ao mesmo tempo, de forma rápida e inesperada.
Do meu ponto de vista, estou rodando a 20km/h, olhando para rua, vendo carros, pessoas, casas, pequenos negócios, tudo absolutamente normal. De repente a viatura da equipe do Vallilo acelera violentamente e faz manobras difíceis de entender e descrever. Minha viatura segue atrás. Não consigo decidir se a habilidade dos PMs que dirigem esses carros é algo que me assusta ou me conforta. A técnica, precisão e segurança que eles possuem para manobrar e ir para onde querem, sem colocar as pessoas e veículos ao seu redor em perigo, é impressionante.
Em fração de segundos a viatura freia, as portas são abertas e os PMs se posicionam, iniciando o processo de investigação. Por mais que me esforçasse, não endenti nenhuma das vezes o que motivou os Policiais a parar determinados indivíduos ou veículos para averiguação. Para minha surpresa, em todas ocasiões havia uma sólida razão que eu não havia percebido.
Após a abordagem estar controlada, sem oferecer perigo, recebo permissão para desembarcar e pergunto ao nosso motorista, o Cabo PM Salatiel, como os Policiais de ROTA decidem, do nada, parar e investigar uma pessoa, um veículo ou um local. “Na verdade isso não acontece do nada. Nosso processo de tomada de decisão é fruto de muito treinamento e experiência. Com o passar do tempo nossa intuição e percepção são desenvolvidas para níveis acima daqueles de uma pessoa comum”.
O Cabo continua me explicando: “Enquanto a viatura circula, procuramos observar atentamente qualquer detalhe que fuja do padrão da normalidade daquele ambiente, como um cadeado quebrado num portão, volumes estranhos sob a camisa de um transeunte, veículos que mudam bruscamente de direção, movimentações estranhas dentro de lojas, padarias, etc...”.
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Esse nível de percepção é tão apurado que praticamente não dá para medir o tempo que passa entre um dos PM de ROTA reconhecer que algo esta errado e todos Policiais da equipe reagirem. Além deste constante ritmo de observação, os Policiais são abastecidos continuamente por informações que chegam por diferentes sistemas de computação e rádios embarcados na viatura, sobre os crimes em andamento no setor que estão policiando, deixando-os ainda mais atentos à situações específicas.
Participei de quatro abordagens e todas elas seguiram um protocolo rigoroso de divisão de tarefas, executadas de forma impecavelmente coreografada.
O primeiro passo é o rapidíssimo desembarque da equipe de dentro da viatura, cada um assumindo seu papel anteriormente ensaiado. Parte dos Policiais se distanciam para ter uma visão geral da área da ocorrência e se posicionam de forma a proteger os transeuntes e o resto da sua equipe.
Ao mesmo tempo, os outros PMs se focam na abordagem dos suspeitos. Se julgarem necessário, é iniciado o processo de revista para se assegurarem que não possuem armas, drogas, ou qualquer outros objetos ilegais.
A próxima etapa é a verificação dos documentos pessoais junto ao COPOM (Centro de Operações da Polícia Militar) para saber se são procurados pelo Poder Judiciário. Se os suspeitos estiverem num veículo, este é minuciosamente revistado: interior, exterior, parte inferior, porta-malas, rodas, motor e documentação. Estando tudo em ordem, os Policiais agradecem a cooperação e continuam sua patrulha.
Apoio da população
Em todas as abordagens que presenciei, dois fatos me chamaram a atenção. O primeiro foi a dinâmica entre Policial e suspeito. Apesar dos PMs de Rondas Oestensivas estarem numa situação real de risco (o que explica a rapidez e energia do início da abordagem), todo o procedimento de conversa, investigação e revista foi conduzido com respeito e profissionalismo. Se o cidadão entende que o Policial está fazendo seu trabalho e segue suas instruções, a tensão diminui bastante, ao ponto de se iniciar conversas informais, não relacionadas com a abordagem. No final os PMs sempre agradecem a cooperação do cidadão, reforçando os laços de confiança e respeito com as comunidades onde atuam.
O segundo fato não envolveu os Policiais nem os suspeitos; foi protagonizado pelos transeuntes, que, ao passar pelos locais das ocorrências, agradeciam o trabalho da ROTA e pediam para eles voltarem sempre. Uma senhora parou ao meu lado, na frente do Cabo PM Santos, e fez um pequena reza pedindo para que Deus protegesse e abençoasse os homens de ROTA. Isso pode parecer um exagero, ou um ponto fora da curva, mas não é. Eu estava lá e vi estas cenas acontecerem o tempo todo, de forma totalmente espontânea. Essa relação positiva e de confiança com a população de bem é uma regra, faz parte do dia-a-dia destes Policiais. Mas como raramente é repercutida pela mídia, parece ser uma exceção.
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“A confiança entre os cidadãos de bem e a ROTA é tão forte, que frequentemente eles são as melhores fontes de informação para o sucesso de nossas operações, já que, preocupados com a segurança de suas famílias e comunidades, indicam com precisão os esconderijos dos criminosos e os locais onde guardam as drogas, armas e produtos de assaltos”, diz o Sargento PM Vallilo.
No final do dia, ao me despedir do Vallilo, ele me disse: “Da próxima vez nada de ficar no carro de trás, você vem patrulhar na minha viatura!”. Sei que por motivos de segurança isso será difícil de acontecer, mas mesmo assim, me senti orgulhoso de ter sido aceito, por algumas horas, no restrito mundo dos Policiais de Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar.
No hospital
Minutos após essa despedida, fui colocado no porta-malas da viatura do Comando, para podermos prestar socorro àquele senhor e sua esposa do inicio desta matéria. Em minutos chegamos ao Hospital Municipal Doutor José Soares Hungria, em Pirituba.
Uma viatura da Polícia com a sirene acionada é algo que chama a atenção, especialmente quando está na porta de um hospital, com três policiais retirando um senhor idoso semiconsciente do seu interior. Isso não pode ser coisa boa. As pessoas ao redor queriam ajudar, saber o que havia acontecido. Não demorou muito para que os olhares se voltarssem para o porta-malas da viatura, e as pessoas chegarem rapidamente à conclusão óbvia: o indivíduo trancado no porta-malas só poderia ser o agressor preso pela polícia; o culpado por ter feito algum tipo de maldade muito séria contra aquele senhor. O indivíduo era eu, esquecido lá trás pelos Policiais!
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Na correia para conseguir o socorro imediato no hospital, o Major PM Ambar, Cabo PM Salatiel e Cabo PM Alves não se lembraram de abrir a tampa do porta-malas, me deixando lá dentro e exposto à olhares nada amistosos. Foram alguns segundos que me pareceram varias horas... Não estou seguro se os PMs fizeram isso sem querer, ou se o esquecimento fez parte do meu batismo, por ter atrapalhado um dia inteiro de trabalho deles... Mais tarde o Hospital nos informou que o senhor Wellinto O.N. de 70 anos estava medicado, melhor e sob observação.
Veja o video de resgate e chegada no hospital do senhor Wellinto:
Mito x Realidade
Ao voltar para o Quartel percebi que havia realizado um dos desejos mais legais da minha vida (que eu nem sabia que possuia): acompanhar uma patrulha da ROTA!
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Existe um mito, acho que criado por Hollywood, de que o soldado perfeito é aquele das forças especiais do Exército, como os SEALS americanos, ou os da SAS britânica. Esses homens realmente passam por treinamentos físicos, técnicos e psicológicos brutais para estarem aptos a caçar agressores hostis, colocando suas vidas em risco algumas vezes durante sua carreira. Assim como esses soldados, os PMs de ROTA, também estão aptos a encarar e subjugar terroristas urbanos de alta periculosidade, mas com uma enorme diferença que separa a mitologia cinematográfica da realidade: os homens de Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar colocam suas vidas em risco todos os dias, e não apenas em missões esporádicas, para que a população de São Paulo possa levar uma vida mais tranquila e segura.