Vítor - “Seu filha da p**a, vou explodir essa m***a e matar todo mundo, agora f***u de vez, acabou!”
Negociador - “Calma Vítor, estamos aqui para te ajudar, garantir sua vida, dos seus colegas e da família que está com vocês. Vamos assegurar que ninguém se machuque”.
Vítor - “Assegurar p***a nenhuma, vai se f***r, não volto pra cadeia, só saio daqui morto seu filha da p**a! Mas antes mato todo mundo, começando agora mesmo por essa b***a de criança que não para de chorar!”
Esta é a terceira decisão errada que Vítor tomou nesse dia.
Cinco horas antes do diálogo acima, Vítor e seus dois comparsas foram surpreendidos por uma viatura da Policia Militar roubando um banco. Nesse momento tomaram a primeira decisão errada do dia deles: resolvem trocar tiros com os Policiais. Na fuga, invadem uma casa e fazem três reféns: pai, mãe e uma criança. Se as exigências de fuga não forem cumpridas imediatamente, Vítor ameaça explodir o local e matar todos. Esta é a segunda decisão errada que Vítor toma. Em minutos um enorme caminhão blindado e pintado com camuflagem urbana aparece do nada em alta velocidade. É o Grupo de Ações Táticas Especiais, uma tropa de elite da PM paulista, que assume o comando da situação. O primeiro policial do GATE a entrar em ação é o Negociador, que tem como objetivo resolver a situação de forma pacífica, sem o uso de força.
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Após quase cinco horas de cansativas conversas, no mesmo momento que o diálogo acima acontece entre o Negociador e Vítor, o invisível Atirador de Elite, posicionado a 100 metros do cativeiro, vê através da luneta do seu rifle que Vítor encosta sua arma na cabeça de um refém e move seu o dedo para o gatilho. Esta é a quarta e última decisão que Vítor tomou nesse dia. Na verdade é a última decisão que tomou na vida. O Sniper informa a situação ao seu Comandante, que, avaliando o risco de morte dos reféns como iminente, decide encerrar a negociação e dá a ordem para o Atirador de Elite agir.
O Atirador de Elite refaz os cálculos mentais da trajetória do seu tiro, faz micro ajustes na sua arma, e efetua o disparo. O projetil percorre os 100 metros em menos de 0,2 segundos. Vítor é atingido e a vida do pai é salva. Como os outros dois sequestradores estão fora do campo de visão do Sniper, o Comandante decide pela invasão o ambiente para resgatar os reféns.
A Equipe Tática imediatamente entra em ação, explode a porta da casa e entra. Ao ver os PMs, os dois sequestradores restantes seguem o exemplo de Vítor e tomam suas respectivas últimas decisões erradas de suas vidas: abrem fogo. Sem alternava, os policiais revidam a agressão. Os três reféns são salvos. Não há comemoração, já que três vidas foram perdidas. Do momento do tiro do Sniper até a libertação dos reféns se passaram 5 segundos.
Esta situação aconteceu há poucas semanas e é um dos inúmeros treinamentos simulados que o Grupo de Ações Táticas Especiais faz diariamente. Vítor (cujas falas foram feitas pelo competente Tenente PM Haddad), é um alvo de papel com círculos concêntricos, e que no final do dia ganhou um presente do Sniper: um furo exatamente no seu centro. Tive o privilégio de ser convidado pelo Comando de Policiamento de Choque da PM paulista para acompanhar este treinamento de resgate de reféns.
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Quando voltei para casa, além de excitado e impressionado com tudo que vi (e com os ouvidos zumbindo por causa da explosão e dos tiros), também me senti orgulhoso e seguro em saber que a Polícia Militar paulista possui profissionais tão bem treinados, motivados e equipados para desempenhar ações de extrema dificuldade e periculosidade, que só estamos acostumados a ver em filmes. Eles não gostam de ser chamados de heróis, mas como sou eu que estou escrevendo este texto, eu os chamo de heróis.
Veja abaixo as entrevistas que fiz com o Comandante desta tropa de elite, o Negociador, o Atirador, e o Líder da Equipe de Invasão Tática. Vítor não estava disponível para declarações.
Entrevista com o Major PM Valmor Saraiva Racorte, Comandante do GATE
O que é o Grupo de Ações Táticas Especiais?
Somos uma tropa de elite da Policia Militar, altamente treinada, equipada e especializada para agir em situações de crise que fogem da rotina diária. Atuamos em ocorrências com reféns, suicidas armados, marginais escondidos em locais de difícil acesso ou embarricados, e em ocorrências envolvendo explosivos. Após assumir o comando desta tropa em agosto de 2016, a frase que mais ouço aqui, é a que também melhor define quem somos e o que fazemos: preservamos vidas aplicando a lei.
Ao contrário de outros Batalhões da PM que possuem uma certa homogeneidade no perfil dos seus Policiais, os PMs do seu comando são muito diferentes uns dos outros. Você comanda Negociadores formados em psicologia, Snipers que são tranquilos, pacientes e precisos, Explosivistas que possuem a frieza para enxergar a morte a poucos centímetros e Equipes Táticas que têm a agressividade e rapidez instantânea de avaliação para entrar num cativeiro e enfrentar bandidos armados.
Como nossas ocorrências são complexas, imprevisíveis e de alto risco, elas exigem diferentes tipos da ações para serem resolvidas, e isso explica o fato das minhas equipes serem especializadas em atividades distintas. Mas todos os meus Policiais são treinados exaustivamente para atuar num ambiente sistêmico e sabem que o trabalho de uma equipe complementa e depende da outra. Todos nós conversamos, trocamos informações e nos ajudamos de forma que o sucesso da missão é sempre da equipe inteira e não apenas de um dos elementos. Por mais especializados que sejam em suas funções, todos sempre atuam como uma unidade.
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Dentro das inúmeras opções que possuímos para resolver uma situação de crise, a primeira alternativa, e a que resolve a maioria das ocorrências, é a negociação. Nosso corpo de Negociadores é composto por Policiais Militares formados em psicologia, que usam técnicas para lidar em situações de crise de todos os tipos, desde pessoas prestes a cometer suicídio, cônjuges com acesso de fúria que ameaçam matar seus companheiros, até criminosos que fazem reféns. Se a negociação não surte efeito o próximo passo é a intervenção tática, que pode ser executada de várias formas, desde uma invasão do cativeiro por uma equipe de policiais até o uso do Atirador de Elite. No caso da invasão, nosso protocolo é sempre tentar resolver a crise com alternativas não letais, como o uso de “tasers” (arma de choque elétrico) ou de elastômeros (munição de borracha). Cada ocorrência é diferente e determinará o tipo de ação que iremos adotar, mas todas possuem como objetivo central a preservação da vida de todos envolvidos, incluindo os agressores.
Você pode dar um exemplo de uma ocorrência real?
Vou te dar três exemplos. 1) A primeira aconteceu em novembro do ano passado. Meu telefone tocou às 4 horas da manha, recebi um resumo da situação e na sequencia liguei para meu superior para pedir as autorizações necessárias. Tratava-se de um vigilante, com mais de 10 anos de trabalho, que surtou. Embriagado, ele se embarricou numa casa, tomou sua namorada como refém e a ameaçava com uma faca exigindo a presença de sua ex-esposa. Ele chegou a ferir a moça, mas julguei que o Negociador estava fazendo progressos reais. Após 3 horas ele se entregou, foi algemado e encaminhado para uma delegacia. Antes o vigilante pediu para dar conversar e dar um beijo no seu filho de 5 anos que estava próximo. Sabíamos que se tratava de uma pessoa de bem que teve um surto, existia uma questão humana envolvida. Tomamos os cuidados adequados e levamos o menino até o pai, para ele se despedir. A namorada, com ferimentos não sérios, recebeu cuidados médicos no local pelo GRAU (Grupo de Resgate e Atendimento a Urgências), médicos parceiros, que sempre nos dão um apoio incrível e fazem a diferença. O vigilante foi autuado por cárcere privado, lesão corporal dolosa, lei Maria da Penha e deve pegar cerca de 6 anos de cadeia. Nessa situação específica atuaram 18 Policiais do GATE e duas vidas foram salvas.
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O segundo exemplo aconteceu durante uma investigação que a Polícia Civil conduzia. Eles se depararam com uma quadrilha de roubo à caixas eletrônicos que havia feito reféns. O GER (Grupo Especial de Reação da Policia Civil), um grupo especializado, competente e capacitado foi acionado e resolveu a situação. Ao fazer o pente fino no local, a Policia Civil encontrou cerca de 25kg de explosivos dentro do carro dos criminosos, prontos para serem detonados. Eles acionaram nosso Esquadrão de Bombas, e após 3 horas desativamos os explosivos. A detonação remota não era uma opção pois a ocorrência era numa área urbana densamente populada. Este é um dos inúmeros exemplos de operações que o GATE e o GER fazem em conjunto. Estamos em constante contato com a Policia Civil, trocando informações e experiências.
3) A terceira ocorrência foi uma das mais difíceis que participei. Um cidadão se trancou em casa e tomou sua namorada como refém, ameaçando-a com uma faca e uma arma de fogo. Ele alegava que ela o havia traído e iria mata-la. Após 11 horas de negociação infrutíferas, ele despejou álcool na cabeça da vitima. Isso nos deixou sem alternativa, e invadimos a casa. Ao entrar, a Equipe Tática percebeu que a mulher já havia sido esfaqueada e por isso deu um tiro com munição de borracha no agressor, mas que não surtiu efeito. O agressor levantou-se e partiu para a vitima com a faca levantada e infelizmente tivemos que fazer o disparo letal para preservar a vida da vitima. Ela foi socorrida em estado de choque, com as pernas bem machucadas e cortadas. Não queríamos este resultado, mas foi isso que aconteceu. Vale ressaltar que por mais que treinemos, nunca sabemos o que há atrás da porta, trabalhamos sempre com o imprevisível e temos que adaptar rapidamente nossas ações de acordo. Nesse terceiro caso, em função do tipo da porta e da construção da casa, calculamos a quantidade de explosivos suficiente para derrubar a porta, sem causar ferimentos na vitima e no agressor, nem ocasionar danos estruturais na casa. O que não sabíamos é que o homem havia colocado um enorme armário atrás da porta, Resultado? Explodimos a porta da casa, entramos num armário e tivemos que arrombar sua porta manualmente para só então ver o que iriamos enfrentar, fazer a avaliação de alternativas de ação e agir de acordo. Da explosão da porta ao tiro fatal se passaram cerca de 5 segundos, o mesmo tempo da ação de treinamento que você participou.
Major eu entendi mal, ou você costuma participar das ocorrências pessoalmente?
Você entendeu bem, minha tropa é uma das poucas forças onde um oficial com a patente de Major atua no teatro de operações em função da sofisticação e complexidade das ocorrências. Procuro estar presente tanto nos treinamentos mais sofisticados, para avaliar o processo, quanto no momento de ação real, numa crise. O reconhecimento da missão bem cumprida será sempre para meus Policiais, mas a responsabilidade do resultado final, principalmente se houverem erros, será sempre minha, por isso estou sempre muito próximo dos meus comandados.
Quando acontecem mortes, como no terceiro exemplo de ocorrência real acima, há um protocolo interno de avaliação da operação e relatórios para autoridades civis?
Sim. Todas as nossas ocorrências são filmadas e fotografadas e passam pela avaliação de uma comissão interna, que produz um relatório formal. Os Policiais que participaram de uma determinada missão podem passar por uma avaliação psicológica para analisar se estão aptos a retomar seu trabalho. Nossos Policiais estão preparados para lidar com situações de extrema violência, mas temos plena consciência que isso não é algo normal e que isso pode afeta-lo emocionalmente. Por isso essas avaliações fazem parte da nossa rotina e aceitamos esse processo como parte integral do nosso trabalho. Em relação às autoridades civis, toda ocorrência com morte é imediatamente reportada para o DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa, órgão subordinado à Polícia Civil) e o Ministério Publico possui livre acesso à todos nossos inquéritos e documentos. Esta supervisão isenta de órgão externos dá tranquilidade para a sociedade, e para nós mesmos, que trabalhamos sempre num ambiente legalista e transparente.
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Nosso protocolo operacional em todas situações de crise é salvar todas as vidas, inclusive a do agressor. Usamos técnicas para convencer o criminoso que a melhor saída é ele não usar a violência e se entregar pacificamente. No entanto, nossos Policiais são treinados para o uso de força letal, mas apenas como último recurso, quando o agressor toma a decisão de atacar mortalmente o refém ou os policiais envolvidos na ocorrência. Se a situação chegar nesse ponto, nosso objetivo muda e passa a ser salvar as vidas das vitimas e iremos fazer isso com precisão. Vale sempre ressaltar que nossa tropa faz parte da Polícia Militar de São Paulo, uma instituição legalista cujas ações são estritamente reguladas por um conjunto de leis. Todas nossas ocorrências são extensamente documentadas em vídeos, fotos e relatórios detalhados. Todo este material está sempre a disposição para a revisão das autoridades judiciais.
Quem decide e libera o uso de força numa ocorrência?
Nenhuma ação é tomada sem uma ordem clara, direta e específica. O oficial que está no comando local da crise, se mantém em constante contato com seus superiores. A decisão de uso de força é tomada em conjunto, mas como nossas ocorrências são muito fluidas e dinâmicas, o Comandante da operação possui autoridade para encerrar as negociações e usar a força imediata, já que ele tem a melhor visão e avaliação do que está ocorrendo no local. Há situações em que este oficial pode passar, temporariamente, esta autoridade para um dos seus comandados em função de condições específicas. Como exemplo, o Atirador de Elite pode ser instruído a efetuar um disparo imediato, sem ordem direta, caso perceba que o refém será executado.
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Por que um Policial decide ser um Explosivista? Apesar de toda proteção corporal, suas mãos sempre estarão expostas e se a bomba explodir, ele irá perde-las.
O que vou te dizer é uma verdade para qualquer Policial de qualquer Batalhão da PM, mas em especial para meus explosivistas. Quando resolvemos uma ocorrência, da mais simples até a mais complexa, temos uma enorme sensação de dever cumprido, de que servimos bem a nossa população, de que estamos fazendo o bem. Quando essa situação resulta em vidas salvas, não há palavras para explicar a felicidade que sentimos. Fazer o bem é uma das sensações mais motivantes e potentes que existem, sabemos disso pois praticamos isso diariamente. Temos plena consciência dos riscos da nossa profissão, vemos companheiros nossos feridos e mortos no cumprimento do dever, mas nada supera a adrenalina de ajudar outro ser humano, melhorar o mundo onde vivemos, cumprindo nosso dever dentro da lei. Meus Policiais estão dispostos, diariamente, a doar suas vidas para salvar a de uma pessoa desconhecida.
Sim, com frequência enviamos nossos Policiais para cursos nos Estados Unidos Espanha, Colômbia, Argentina, e somos visitados por policiais de outros países para visitas de intercambio. Também recebemos constantemente policiais de todos estados do Brasil para fazer nossos cursos de negociação, gerenciamento de crise e de ações táticas.
Qual o procedimento para um PM de transformar num Policial de elite do GATE?
O processo de seleção começa com entrevistas, um teste físico e contato com seu atual Oficial Comandante para sabermos detalhes comportamentais de sua carreira. Caso o Policial seja convocado, irá passar por um estágio de 30 dias, onde será exposto, como observador, às várias ações da nossa tropa. Se for bem avaliado, entrará no curso de formação, um programa bem puxado de mais 30 dias, com uma carga horária pesada. Nesse curso o Policial irá passar por treinamentos de tiro, invasão tática, instrução com explosivos, rapel, embarque e desembarque de aeronaves e embarcações e tudo mais que é exigido de um Policial de forças especiais que irá atuar em condições extremas, num ambiente urbano. Outro componente chave do treinamento é o fator psicológico, a resiliência que o Policial deve possuir para encarar e administrar situações que exigem frieza, raciocínio lógico, autocontrole e tomada de decisão correta.
Quantos Policias fazem esse curso?
Começamos com 40 e no final sobram cerca de 15. Os que não são aprovados voltam para suas funções sem nenhum demérito. Os que são aprovados, estão qualificados psicológica, física e tecnicamente para se juntar à nossa tropa de elite, e encarar e resolver as ocorrências mais complexas que um Policial pode encarar.
Entrevista com o Negociador - Cabo PM (nome mantido em sigilo)
De todas atividades que um Policial de elite do GATE pode exercer, você escolheu ser um Negociador. Por que?
Sou formado em psicologia, gosto de lidar com pessoas, tenho facilidade de interagir com os outros. Mas também sou motivado a desafios e para mim é altamente recompensador ir até o local da crise, atuar diretamente com as pessoas envolvidas, aplicar as técnicas exaustivamente ensaiadas e impedir que a situação escale para outro nível. Ao contrário do psicólogo clássico que espera os pacientes marcar hora e irem ao seu consultório para fazer tratamentos prolongados de meses ou anos, eu vou até meu paciente sem horário marcado e consigo ver os resultados imediatamente, quase sempre altamente positivos. A recompensa é imediata. Consegui juntar uma maneira de ser útil para a sociedade, com o que me dá prazer!
Em quais circunstancias os Negociadores são usados?
A Equipe de Negociação é sempre usada como a primeira opção, para criar condições favoráveis ao agressor se entregar, preservando sua integridade física, dos reféns e dos policiais envolvidos. Nosso objetivo é impedir que o criminoos perca o controle e ataque fisicamente a vitima, obrigando o Atirador de Elite e/ou a Equipe de Invasão Tática a entrar em ação. Procuramos mostrar ao agressor que representamos a melhor alternativa para terminar a situação, e perseguimos este objetivo à exaustão, não desistimos. A única pessoa que realmente decide encerrar as negociações é o próprio criminoso, quando passa a agredir violentamente a vitima ou está prestes a assassiná-la.
Como você se sente quando a negociação falha e o comando se vê obrigado a recorrer a uma invasão tática?
Não vejo essa situação como uma falha do Negociador. O agressor é quem falhou ao não aceitar a alternativa pacífica que ofertamos. Nesse caso o Comandante da operação, baseado em informações que coletou com suas equipes, irá decidir quais outras opções irá usar para impedir que a vida da vitima e do próprio criminoso sejam perdidas. Mesmo nessa fase, há inúmeras ações não letais que podem e serão usadas.
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De forma genérica, sem entrar em detalhes, sim. O processo de negociação é altamente preciso, usamos técnicas modernas de psicologia e experiências adquiridas em outras situações de crise. Nada do que é dito ou feito é improvisado ou reativo, sempre existe um objetivo muito definido em qualquer fase da negociação. Uma das técnicas que usamos constantemente é nossa habilidade de escutar com qualidade, saber filtrar os “ruídos” e coletar as informações relevantes para resolver a situação. Outra técnica, que pode ser usada ou não, é a troca. Podemos oferecer um cigarro ou aceitar o pedido de água e comida, para criar um ambiente de confiança, e incentivar o agressor a perceber que nosso propósito real é de resolver a situação da melhor forma possível. Outra técnica é a troca de Negociador. Fazemos isso quando percebemos que o agressor rejeita a conversa por associar algum fato negativo com o Policial que está tentando estabelecer o dialogo.
Há casos de negociações que levam horas. Existe a possibilidade do Negociador estabelecer um vinculo emocional com o agressor?
Não. Somos treinados para impedir que isso aconteça. Não podemos e não nos envolvemos emocionalmente. Não entenda isso como uma atitude de insensibilidade contra outra pessoa, muito pelo contrário. A melhor maneira de resolver um drama humano, que chega no limite extremo da violência mortal, é usar a técnica e nunca se deixar levar pela emoção. O Negociador não pode misturar suas experiências pessoais e perder o foco. Ele faz parte de um sistema maior, composto por várias equipes que devem trabalhar sincronizadas, imunes a reações pessoais que possam colocar em risco a vida dos envolvidos.
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Nosso trabalho é igual ao de um psiquiatra ou psicólogo que procura eliminar várias patologias do seu paciente para isolar o problema real e trata-lo da forma correta. Usamos modelos de padrão de comportamento observados ao longo dos seus 30 anos de atuação. Estudamos vários tipos de situações de estresse, tentamos entender o que motivou o indivíduo a se colocar nessa posição de agressão, como ele reagiu durante o processo de negociação, o que funcionou ou não, e em função disso aplicar as técnicas adequadas. Mas nosso trabalho não é uma ciência exata. Como estamos lidando com situações psicológicas de altíssima tensão e com alta probabilidade de terminar em morte, temos que fazer adaptações instantâneas, mudando nossa estratégia conforme a fluidez que a ocorrência exige.
Pelo menos a tua consulta é de graça.
É verdade, mas minha consulta é bem mais perigosa, pois só existem dois resultados: vida ou morte. Como ser humano, policial militar e médico formado, luto sempre pela vida.
Como é negociar com um individuo que, além de transtornado, também está drogado?
Isso é um fator extra de dificuldade numa situação que já é bastante complicada, mas esta situação é prevista no nosso protocolo e existem técnicas muito claras e eficientes para lidar com esse cenário. A Equipe de Negociadores estuda em profundidade a psicofarmacologia e os vários mapeamentos científicos que classificam e descrevem os comportamentos gerados pelo uso de cada tipo de entorpecente. Há drogas que excitam, inibem, distorcem percepções, deprimem, geram pânico, etc. É nosso papel identificar a droga que o agressor usou, qual o seu efeito naquele indivíduo, e aplicar a técnica de negociação adequada.
Essa informação é compartilhada com as outras equipes envolvidas na operação?
O Comandante da operação se encarrega de manter todas equipes informados de tudo que acontece. É praticamente instintivo a troca de informações entre os Policiais envolvidos numa ocorrência. Usando o exemplo da pergunta anterior, entre as dezenas de variáveis que uma equipe de invasão tática deve levar em conta, saber se o agressor esta sob efeito de drogas é vital para saberem qual protocolo de conduta deve ser usado no momento da invasão.
Como é o treinamento de um Negociador?
Como qualquer Policial do GATE, passamos por treinamentos físicos e técnicos, mas no nosso caso, temos um intenso foco no psicológico. O treinamento físico tem como objetivo nos capacitar a estar aptos para acessar todo tipo de local, carregando todo nosso equipamento e conduzir negociações que podem levar até uma semana. Nossa equipe faz os treinamentos físicos junto com as Equipes Táticas, que são bem puxados. Do ponto de vista emocional e psicológico devemos estar 100%. Como exemplos, podemos fazer seções de meditação e se necessário, terapias com psicólogos, isso tudo dentro do nosso quartel. Tecnicamente, temos que acompanhar tudo o que há de mais moderno no mundo que é relacionado com nosso trabalho. Para isso lemos muito, pesquisamos novas teses, avaliamos novos equipamentos, fazemos cursos, testamos novas técnicas, analisamos estudos de casos e trocamos muita informação, inclusive com outros países. Mantemos contato com as principais forças policias internacionais para estudar em detalhes os incidentes que possuem desdobramento comportamentais, como no caso do sequestrador do Estado Islâmico que atacou um mercado na França em 2015.
É mais fácil negociar com um ladrão de bancos que possui um refém ou com um marido que pegou sua mulher como vítima?
As duas situações são de extremo risco, possuem particularidades que vão exigir técnicas de negociação distintas, mas ambas são complexas. Não há um tipo de crise com reféns que seja mais fácil que outra. Todas possuem um alto componente de imprevisibilidade. A única coisa em comum em todas ocorrências é nossa adrenalina de chegar rápido ao local, colocar todo nosso treinamento em ação, dar o que temos de melhor e ter sucesso em salvar vidas. Isso não tem preço. Não existe maior satisfação para qualquer Policial do que ajudar um cidadão e salvar vidas. As vezes chegamos em casa e a esposa nos lembra que não pagamos uma conta, mas naquele dia salvei duas vidas e isso vale mais do que qualquer conta atrasada. Não esperamos o reconhecimento externo, sabemos que nosso trabalho acontece em silencio, mas a satisfação própria e dos nossos companheiros é mais do que suficiente para nos motivar.
Entrevista com o Atirador de Elite - Segundo Sargento PM (nome mantido em sigilo)
O que é um Atirador de elite?
O Atirador é, antes de mais nada, um observador resiliente, que coleta informações para seu comando. Engana-se quem possui a imagem glamourizada nos filmes que o Atirador de Elite possui como única função ficar constantemente atirando e eliminando o agressor. Em 99% das ocorrências não puxamos o gatilho. Tipicamente o papel do Atirador de Elite se divide em três tipos de atuação. A primeira é ser os olhos do Comandante da operação. Em função do nosso posicionamento tático no teatro de operações e do uso de equipamentos sofisticados de observação, o Sniper possui um campo de visão privilegiado e detalhado, possibilitando fazer o reconhecimento continuo da área de interesse e seus arredores, coletando informações precisas e repassando-as para o comando. O Atirador pode, por exemplo, alertar o Negociador que um agressor, que está entregando sua arma num aparente gesto de rendição, possui outra arma escondida. A segunda função é proteger as outras equipes do GATE que estão expostas e próximas dos agressores. A terceira atividade do Sniper, que acontece com menor frequência, é efetuar o tiro de altíssima precisão, com o objetivo de salvar a vida do refém. Tanto na segunda como na terceira situação, o disparo só pode ser feito com uma ordem direta do Comandante da operação. A exceção pode existir caso o agressor tome uma ação ofensiva inesperada, como um disparo ou uma facada contra a vitima ou um policial. Nesse caso, se o protocolo desenhado pelo Comandante prever essa possibilidade, o Atirador de precisão pode tomar a iniciativa e neutralizar o criminoso.
Qual o perfil de um Sniper?
O Atirador deve ser uma pessoa muito centrada, detalhista, calma, paciente, com valores pessoais e familiares sólidos e altamente comprometido com as outras equipes com quem trabalha. O Atirador é um individuo que não gosta de aparecer, seu ego não é inflado. Não existe essa história de mídias sociais para um Sniper, ele não se motiva com esse tipo exposição. Costumamos dizer que o Atirador de Elite não é o que ele faz e sim o que ele é. Nesta profissão, o acerto absoluto implica no anonimato absoluto. Para ser conhecido publicamente, basta o Atirador de Elite errar apenas um tiro. Se o individuo não sabe lidar com este risco e pressão e com o anonimato, não pode fazer parte deste grupo de Policiais.
Explica a diferença entre o rifle do Atirador de Elite e de uma pistola.
Há diferenças importantes. O rifle do Sniper é uma arma ofensiva de extrema precisão, desenhada para efetuar um disparo de incapacitação imediata num alvo à longa distancia. A 100 metros, acerto tranquilamente um moeda de 5 centavos. Esse mesmo rifle também neutraliza um alvo que se encontra há 1 quilometro de distancia. Para isso, nosso armamento suporta o uso de munição de grande potencia, que produz uma enorme quantidade de energia para manter o projetil estável durante sua longa trajetória, e transferir a maior quantidade possível desta energia para o alvo no momento do impacto e neutralizá-lo. Já a pistola, na maioria das vezes, é uma arma de defesa pessoal, de curta distancia, menos precisa e menos potente e nem sempre letal. Nas mãos de um Atirador de Elite uma pistola .40 (padrão da PM) possui precisão suficiente para acertar uma bola de futebol a 40 metros. Vale reforçar que o disparo desta pistola carrega energia letal por uma distancia maior que 40 metros, mas sem a precisão nem o alcance de um rifle. No entanto, há situações ofensivas em que o uso da pistola é mais eficiente do que um rifle como na invasão de ambientes muito pequenos, com paredes, portas, detritos e obstáculos variados, que exigem extrema agilidade, velocidade de movimentação, e repetição intensa de disparos.
Existe diferença entre um Sniper e outros Policiais, no momento do tiro?
Na essência o tiro de um Policial e de um Sniper da PM são iguais: os dois são feitos dentro da lei, com o objetivo de salvar vidas. Mas há algumas particularidades que os distinguem. Ao contrário de um Policial que usa sua arma como um instrumento ostensivo para prevenir a ação do criminoso, e para se defender deste criminoso, o Atirador de Elite usa seu rifle de maneira ofensiva e furtiva para eliminar o agressor. Outra diferença é que o Policial usa sua arma de forma reativa e instantânea para proteger uma vítima ou a si próprio e não precisa pedir permissão para fazer isso. Já o Sniper pode passar inúmeras horas observando seu alvo, e só poderá efetuar o disparo para defender outra vida, com uma ordem direta de seu superior. Mais uma diferença: o Policial normalmente decide usar sua arma de forma não letal, com um ou múltiplos disparos, o Sniper, por sua vez, costuma dar apenas um tiro, com 100% de segurança de que o agressor será neutralizado imediatamente e 100% de segurança de que o refém não será ferido, nem pelo seu tiro nem por uma possível reação do agressor. Apesar da munição usada pelo Policial e pelo Sniper serem de alta qualidade, a do Atirador é superior, pois cada bala tem que ser exatamente igual a outra, apresentando um comportamento idêntico. Isso por um motivo simples: ao calibrar e treinar com seu rifle, o Atirador desenvolve uma expectativa precisa do comportamento do seu projetil. Numa situação real, a munição tem que se comportar exatamente como todas as outras que ele já usou. Se em 1.000 tiros, um for mal feito, a repercussão será enorme na imprensa e na sociedade, e isso não será entendido nem aceito. O Sniper trabalha com uma estática muito simples: 0% de erro. Sempre.
Mas se o tiro é tão preciso, por que não alvejar o braço ou a perna do criminoso?
Quando o Atirador longa distancia recebe autorização de disparo, isso significa que o Comandante concluiu que a sentença de morte do refém foi declarada pelo agressor. Um tiro no braço ou perna do assassino em potencial continuará a lhe dar a chance de ter uma reação ofensiva ou até espasmódica e pressionar o gatilho de sua arma na direção da vitima ou dos policiais, ou pior, acionar o detonador de uma bomba de alto poder de destruição. Lembre-se que para piorar este cenário, não é raro o criminoso estar sob efeitos de entorpecentes, o que pode aumentar sua resistência física e emocional, quando é atingido por um tiro. Por isso o Atirador de Elite não efetua disparos para causar ferimentos.
O que passa na cabeça de um atirador quando ele recebe a ordem de dar o tiro, após horas de espera?
Numa situação real de crise, faço exatamente o que treino diariamente: executar o tiro perfeito para salvar uma ou mais vidas. Não penso em mais nada. Não há raiva do agressor, não há sentimento de vingança, apenas foco na missão, em cumprir a ordem para salvar a vitima. Sei que no dia anterior, durante o treinamento, dei inúmeros tiros certeiros. Mentalizo isso e trago essa segurança para o momento crítico. Isso me dá a tranquilidade emocional e mental para focar apenas na missão que tenho e que quero cumprir. Antes de acionar o gatilho, estou seguro que o resultado do tiro será perfeito.
E após o disparo o que você sente?
A sensação de missão cumprida, de ter salvo uma vida que seria perdida de forma violenta nas mãos de um bandido é muito recompensadora. Treino durante meses, para dar apenas um tiro que fará a diferença positiva para o resto da vida de uma família. No entanto, a situação ideal é aquela em que o agressor se entrega, sem me obrigar a atirar. Quando o Comandante decide usar o Sniper, sei que a decisão, a escolha final foi feita pelo próprio criminoso que recusou todas oportunidades de se entregar e escolheu tirar a vida de um ou mais inocentes. Tenho isso muito bem resolvido dentro de mim.
Existe o tiro para evitar o suicídio?
O Sniper coloca seu tiro onde quiser, mas normalmente não somos a melhor opção que o Comando possui para evitar ocorrências de suicídio onde a vitima aponta a arma para si mesma. Como expliquei acima, nosso armamento é de altíssima potência e as chances de matar a pessoa, mesmo que não imediatamente, mas como consequência do nosso tiro, são muito elevadas. O disparo do Sniper é feito com apenas um propósito: cessar a violência instantaneamente com comprometimento imediato do agressor. Se o potencial suicida está só, e seu ato não coloque em risco a vida de outras pessoas, nosso Comando usa alternativas menos contundentes.
Qual a típica distância de um tiro de Sniper?
Depende de cada situação. O Atirador de precisão é bastante eficiente num tiro de até 1.000 metros, mas a maioria das nossas missões acontecem num ambiente urbano onde as distancias tendem a ser bem menores. Normalmente esse tiro acontece de 50 a 100 metros de distância.
Como você escolhe o local de onde irá atirar?
A primeira regra é a seguinte: o Atirador de elite é um observador que não pode ser observado. Tendo isso em mente, visualizo o melhor ponto de entrada para meu tiro, escolho o local favorável para efetuar o disparo e que seja o mais próximo possível ao ambiente de crise, tudo isso de forma que eu não seja detectado. Como trabalho num ambiente urbano tenho que levar em conta inúmeros objetos que podem estar na minha linha de tiro como: fios elétricos, varais, janelas de vidro, cortinas, etc... Por maior que seja a energia do projetil do meu tiro, se ele tocar num destes obstáculos, poderá haver um desvio de trajetória. Por isso, um tiro de 300 metros de distancia num campo aberto pode ser mais simples que um disparo de 50 metros no caos do ambiente urbano.
Uma vez posicionado no local de tiro o que você faz para preparar o tiro perfeito?
Quando saio para uma missão, meu rifle esta “zerado” com a luneta para uma certa distancia, digamos 100 metros. Isso significa que se o alvo estiver exatamente nesta distancia, basta eu coloca-lo no centro da luneta que vou atingi-lo com extrema precisão. No entanto, ao chegar na ocorrência, posso ser obrigado a me posicionar a uma distancia de 150 metros, o que exigirá que eu faça um ajuste na minha luneta. Dessa forma, saber a distancia exata do alvo é a primeira ação que tomo. O vento é outro elemento crítico que avalio, já que num tiro de longa distancia ele vai empurrar a bala lateralmente e desviá-la do alvo. Tenho que saber a velocidade deste vento, fazer os cálculos de correção adequados e incorporar essa variável na solução de tiro. A densidade do ar também deve ser considerada, já que o projetil pode encontrar maior ou menor resistência durante seu trajeto. Para isso, faço ajustes no meu rifle levando em consideração a humidade, temperatura e pressão atmosférica, assim como a altitude que estou em relação ao nível do mar. Em tiros de extrema distancia, acima de 1 quilometro, tenho que levar em consideração o efeito Coriólis, ou seja, a rotação do nosso planeta, já que no momento do tiro, mesmo que o alvo permaneça imóvel, durante o tempo que a bala está viajando a Terra girou deslocando o alvo para outro lugar. Tenho que incluir no calculo esse fator na equação do tiro. Apos fazer todos os ajustes, aviso meu Comandante que estou pronto para receber a ordem de disparo e peço para ele me informar as regras de engajamento. De acordo com o desenrolar da ocorrência, estas ordens podem ser alteradas.
Você usa sempre a mesma arma?
Tenho algumas opções de armamento que escolho em função do tipo de situação que vou enfrentar. Por exemplo, se o agressor estiver numa área altamente populada e a distancia do tiro for curta, posso usar um rifle de calibre menor para eliminar a possibilidade do projétil continuar ativo após atingir o agressor. Vale ressaltar que as armas com que trabalho são de meu uso exclusivo, ou seja, nenhum outro Policial tem contato no meu armamento, ele é guardado no meu armário, trancado com cadeado. Isso não é uma questão de apego emocional, ou de superstição, mas sim técnica. Meu rifle é calibrado e usado apenas por mim. Eu treino e me acostumo com a resposta do meu rifle. Faço todos os ajustes mecânicos para meu estilo de tiro e por isso sei exatamente como minha arma irá se comportar no momento do disparo, seja treinando ou numa ocorrência real. É uma situação análoga a da necessidade da munição apresentar comportamento idêntico que mencionei antes. O Atirador venera a consistência e odeia variações.
Numa ocorrência real o Atirador age sozinho?
Não. O GATE sempre trabalha no mínimo com uma célula composta por dois Snipers que se revezam em duas funções: enquanto um é responsável pelo tiro, o outro, chamado de “Spoter” ajuda na observação e interpretação dos elementos do local de crise, efetua cálculos das variáveis de tiro e as repassa para o Atirador, para facilitar seu tiro. Quando há mais de uma dupla de Atiradores trabalhando, damos o que chamamos de tiro coordenado. Há várias maneiras de executar esse disparo. Uma forma é as equipes de Snipers combinarem entre si a sequencia de tiros e de alvos, outra maneira é aguardar a ordem do comando e efetuar disparos simultâneos. O tiro coordenado requer muito treinamento, pois demanda um sincronismo perfeito entre o Comandante e as equipes de tiro, sem nenhuma margem de erro. Um excelente exemplo deste tipo de tiro pode ser visto no filme “Capitão Phillips”, com Tom Hanks, que conta a história real de um capitão de navio mercante sequestrado por piratas em alto mar.
Dizem que se você ouvir um tiro de um Sniper, você não era o alvo. O que significa isso?
A munição que usamos possui velocidade supersônica, ou seja, o projetil viaja mais rápido que a velocidade do som. Isso significa que quando nosso alvo é atingido, o som do tiro não chegou aos seus ouvidos. Como um Atirador de Elite nunca erra seu tiro, se você ouvir o som do disparo, dignifica que o alvo não era você.
Ou seja, o alvo do Atirador de Elite só vai escutar o som do tiro que o despachou para o céu ou para o inferno, depois que chegar ao seu destino final?
Sim, exatamente isso. O agressor não pode ser alertado ouvindo nosso tiro, pois isso poderia fazer com que ele puxasse o gatilho de sua arma e matasse sua vitima, ou tivesse tempo de acionar um explosivo.
Como é o treinamento de um Atirador de Precisão?
Nosso treinamento é dividido em físico, técnico e psicológico. A parte física é bastante intensa com objetivo de nos capacitar a chegar a qualquer local com todo nosso equipamento, sem que o cansaço interfira na nossa concentração e nosso trabalho. Sem condicionamento físico, ao subir uma escada correndo, vou demorar vários minutos para conseguir enxergar e enquadrar o alvo na minha luneta. Bem condicionado, em segundos consigo estabilizar meu batimento cardíaco, encontrar o alvo, estabelecer uma solução de tiro e efetuar o disparo corretamente. O treinamento técnico inclui toda parte teórica de balística, trigonometria, regulagem e funcionamento de equipamentos, assim como a prática de tiro nas mais variadas condições, com e sem obstáculos, diferentes distancias, etc... Já a questão psicológica começa assim que chego na base. Meu comportamento é constantemente avaliado pela minha equipe e faço e o mesmo com meus companheiros. Procuramos saber se existe algum problema pessoal que possa interferir na missão. Fazemos treinamentos autógenos, ou seja, de condicionamento e auto sugestão mental, revendo e pensando como será uma missão, como irei me comportar, quais são os cenários podem ocorrer, que tipos de erros precisam ser evitados e quais os acertos que devem ser repetidos para evitar reações indesejadas.
Existem situações que você é chamado para uma missão, mas decide não ir por problemas de ordem pessoal?
Sim, e esta é uma enorme prova de profissionalismo, mostra respeito aos seus colegas e para a missão, pois evita colocar a vida deles em perigo ao não estar apto a dar 100% de si próprio. Isso não é visto de forma negativa pelo Comando, nem pelos Policiais, ao contrário.
Entrevista com o Líder da Equipe Tática - Tenente PM (nome mantido em sigilo)
O que faz a Equipe de Invasão Tática?
Nossa equipe é especializada, treinada e equipada para invadir cativeiros e resgatar reféns que se encontram no poder de criminosos. O uso da equipe de invasão tática é a última opção que o Comando usa nesse tipo de situação, em função do alto risco de lesão e morte para todos envolvidos: reféns, policiais e criminosos.
Você pode descrever como é uma típica invasão?
Geralmente o agressor esta embarricado dentro de uma casa ou apartamento. Organizamos nossa invasão com o máximo de antecedência, usando informações coletadas pelo Negociador e pelo Sniper. Mas nem sempre sabemos com 100% de segurança quantos criminosos vamos encontrar, que tipo de armamento usam, nem a planta exata do local a ser invadido. Por isso, toda invasão que fazemos é uma ação de choque, ou seja, extremamente rápida, com o fator de surpresa do nosso lado e com grande superioridade tática, para inibir o agressor a pensar, reagir e tomar decisões. Toda iniciativa e controle são sempre nossos. Uma vez que o Comandante dá a ordem de invasão, podemos arrombar a porta manualmente ou com uso de explosivos. Após a invasão, em frações de segundo temos que avaliar a situação dos reféns e agressores, perceber se os bandidos desejam se entregar, ou se irão tomar uma ação agressiva contra as vítimas e nós mesmos. Se este é o caso, ainda em frações de segundo, devemos escolher se vamos usar armas letais ou não, e imediatamente terminamos a ocorrência, sempre visando preservar a vida de todos envolvidos.
Tenente, entre as várias atividades da PM, você e suas equipes escolheram um dos trabalhos mais perigosos: invasão de ambientes com altíssima possibilidade de serem recebidos a tiros por bandidos embarricados. Por que vocês fazem isso?
Eu e minhas equipes escolhemos ser Policiais Militares por vocação. Temos uma intensa satisfação em saber que após uma ocorrência, fizemos a diferença e salvamos uma vida. O Policial Militar sabe que sua honra está diretamente ligada com a execução correta da sua missão, e para nós isso é um sacerdócio. A invasão tática é um serviço difícil e arriscado, sabemos da alta probabilidade de recebermos um disparo. Mas ao mesmo tempo essa atividade nos traz uma intensa recompensa pessoal, pois nos permite atuar em situações limite, que poucos estão preparados para enfrentar e resolver, com o objetivo imediato de salvar vidas. Durante uma situação de crise, acompanhamos a cada momento a aflição e o peso nos olhos dos familiares que estão desesperados e que depositam toda sua esperança nas nossas mãos. Libertar um refém e vê-lo abraçar sua família é o que nos motiva a ser PMs do Grupo de Invasão Tática, por isso escolhemos o mais difícil. Costumamos brincar e dizer que quanto pior melhor, ou seja, quanto mais complexa a missão, mais iremos nos empenhar para executá-la e maior será a satisfação final quando ela for cumprida.
Acompanhei o treinamento de uma invasão tática e até agora não acredito no que vocês fazem. A única certeza que vocês possuem, é que do outro lado da porta há agressores armados e talvez drogados com alta probabilidade de atirar em vocês. O que se passa dentro de vocês na hora da invasão?
Não usamos esse tipo de raciocínio numa invasão. Não temos pensamentos negativos, nossa atitude é constantemente positiva. Não pensamos se haverá um tiroteio e se poderemos ser alvejados. Se pensarmos que a ação será complicada, a tendência é atrairmos consequências negativas e tudo ficar pior. Também não perdemos tempo antecipando múltiplos cenários. Pensamos sempre em uma fase de cada vez, interpretamos os fatos conforme eles acontecem, é o que chamamos de “pensar apenas nos próximos 90 centímetros”, ou no próximo passo. Nosso treinamento é autógeno, ou seja, evita que fiquemos pensando, avaliando e hesitando no curso de ação a ser tomada. Já vivemos essas situações centenas de vezes no treinamento, no momento da invasão real, é deixar fluir e colocar em prática o que sabemos fazer.
Você pode dar um exemplo desta técnica?
Sim. No momento da invasão nosso foco é derrubar ou explodir a porta de entrada de forma eficiente. Só pensamos nisso. Na próxima etapa que é a entrada, avaliamos apenas os elementos que compõe a situação imediata: o tipo ambiente, a localização de obstáculos, se os agressores estão visíveis e assim por diante. Se não encontramos ninguém, imediatamente nos dividimos para acessar outros ambientes e repetir o mesmo processo de avaliação, passo a passo. A única coisa que está sempre na nossa cabeça é que vamos salvar a vida do refém, não antecipamos mais nada, vamos lidar com os fatos, com os criminosos e com os reféns a medida que forem aparecendo. Não há emoções nem decisões pessoais envolvidas nesse momento, apenas a técnica e a racionalidade que praticamos exaustivamente nos nossos treinamentos.
Vocês sentem medo?
Sim, antes da invasão o medo é nosso aliado, nos mantém focados, num nível alto de alerta com os sentidos muito apurados. A visão fica mais precisa, a audição melhora, mínimos detalhes são percebidos. Mas no momento que recebemos a ordem de invasão, o medo é totalmente substituído pelo que sabemos fazer e passamos a tomar decisões vitais num piscar de olhos. Quem não tem medo é impulsivo, se expõe de forma inadequada, não pensa em equipe e coloca a vida de todos em risco. Quem não tem medo não pode servir no GATE. Algumas pessoas podem ter a ideia que somos heróis. Completamente errado. Não somos heróis, não nos sentimos dessa forma e não gostamos de ser vistos assim. Somos todos PMs altamente treinados, que trabalham em equipe. O sucesso e os erros são sempre do grupo, nunca de uma pessoa.
Tenente, quando seu grupo é acionado, isso significa que a crise escalou para um ponto insustentável, a negociação se esgotou e o Atirador de Elite não pode mais atuar. Isso significa que vocês vão entrar para eliminar os agressores e salvar os reféns?
Não. Nosso objetivo é salvar a vida de todos, inclusive dos criminosos. Assim que entramos lemos o ambiente e determinamos se algo nos traz perigo. Se não houver perigo, não precisamos eliminá-lo. Se o perigo puder ser resolvido com o uso de técnicas não letais é isso que faremos, somos intensivamente treinados para isso. Quem determina o tipo de ação que iremos tomar e o que vai acontecer quando invadimos o cativeiro serão as atitudes que os agressores decidirem tomar. Se eles se entregarem, a ocorrência termina imediatamente. Reféns salvos, criminosos encaminhados para a justiça. Em outro cenário, se os reféns escaparem e os agressores fugirem para outro cômodo, iremos isolar esse local e começar uma nova negociação do zero. Nós nunca, e enfatizo demais a palavra nunca, fazemos uma invasão decretando a sentença de morte dos criminosos. Isso é ilegal, não somos treinados para isso e estes não são os valores da PM, nem os nossos pessoais.
O que é o uso de uma técnica não letal?
Pode ser o disparo de uma arma de incapacitação neuro muscular (descarga elétrico), ou o uso de elastômero (munição de borracha). Ambas opções possuem o objetivo de incapacitar o agressor sem maiores conseqüências. Mas vale deixar claro que em qualquer invasão sempre portamos armas de fogo de uso letal, mas que somente serão usadas se não houver mais nenhuma outra opção.
Uma vez feita a invasão qualquer Policial da equipe pode decidir força letal, ou precisa de permissão?
A partir da entrada, a decisão passa para o nível operacional, ou seja, para qualquer um dos Policiais da equipe de invasão. Compete a ele avaliar os riscos, entender a situação tática, agir de acordo e saber as consequências das decisões tomadas. É por isso que nosso treino não é limitado apenas a técnica de tiro. Passamos grande parte do tempo estudando casos, avaliando e discutindo cenários, o comportamento humano e a legislação.
A invasão tática usa técnicas diferentes para agressores diferentes?Por exemplo, um assaltante de bancos com reféns versus uma pessoa que surtou e ameaça um familiar.
Antes de fazer a invasão nos organizamos de acordo com o que sabemos da ocorrência. Estudamos e treinamos para vários tipos de situações, cada uma com suas particularidades, e nos preparamos para tal. Mas isso é da porta para fora. Quando entramos a situação que encontramos pode ser, e normalmente é, diferente em vários aspectos do que o previsto, nos obrigando a deixar os preparativos pré-invasão de lado e nos adaptar instantaneamente à situação real.
No final da ocorrência, vocês a analisam?
Toda ocorrência do GATE é analisada imediatamente pelo Comando e por todos envolvidos, é feita uma revisão de todos aspectos positivos e negativos, o que chamamos de debriefing. O objetivo é melhorar nosso desempenho, adaptar nosso treinamento e nossa técnica, baseado numa situação de crise real. Como todas as nossas operações, essa também é arquivada e vira um caso para ser pesquisado e estudado por qualquer outra das nossas equipes. Dessa forma a experiência de uma equipe é sempre passada para todas as outras.
Quantos Policiais fazem parte de uma equipe de invasão e qual o papel de cada um?
Não posso entrar em detalhes operacionais. Cada situação de crise irá determinar a quantidade de equipes de invasão que serão usadas, e quantos Policiais farão parte de cada equipe. Dentro de da equipe, cada Policial possui um papel claro e definido, desde o tipo de armamento usado, quem entra primeiro e quem vai por último, quem usará explosivo para derrubar obstáculos, etc... Procuramos dividir as ações de acordo com a aptidão de cada um, mas todos Policiais envolvidos na invasão são aptos a executar qualquer papel.
Qual vida possui mais valor, do refém ou do criminoso?
Para a PM não existe uma valoração de vidas, as duas possuem exatamente o mesmo valor. Mas para o criminoso a lógica é outra, ele banaliza a importância da vida da vítima e da sua própria. Ao matar uma vítima, o agressor sabe das consequências que irá enfrentar: desde a prisão até a morte no confronto com os representantes da lei e obviamente não se importa com isso. o GATE segue a lei e tem como missão salvar a vida do refém e no processo fazer todo possível para salvar a do criminoso também. Nós vemos a vida como um objetivo sagrado. Se o criminoso for alvejado foi ele que deu pouco valor para sua vida, foi o caminho que ele escolheu.