
Em decisão polêmica, um juiz federal de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, rejeitou denúncia do MPF (Ministério Público Federal) contra Antonio Waneir Pinheiro Lima, conhecido como Camarão. Ele é acusado de ter estuprado a ex-presa política Inês Etienne Romeu, única sobrevivente da unidade clandestina de tortura da ditadura militar conhecida como Casa da Morte. Inês morreu há dois anos.
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Na justificativa para a rejeição da denúncia, o juiz Alcir Luiz Lopes Coelho citou a Lei da Anistia e um decreto de 1895, afirmando que anistia, uma vez concedida, é irrevogável e assumida como direito adquirido. “O denunciado é acusado de ter cometido, entre 01/06/1971 a 20/07/1971, crimes relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”, argumentou Coelho na decisão.
Para o magistrado, o desrespeito à anistia “ofende a dignidade humana” e que, por esse motivo, o crime estaria prescrito, portanto, estaria com a punibilidade duplamente extinta. Ele ressalta que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” e que, no caso, a denúncia faz o oposto, retroagindo para “prejudicar o acusado”.
Segundo Coelho, não há provas documentais dos fatos, apenas reportagens, entrevistas, “sentenças proferidas por tribunais de organismos estrangeiros”. Ele diz ainda que Inês prestou queixa somente oito anos após o ocorrido.
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Para finalizar sua argumentação, o magistrado lembra que Inês foi condenada durante o período de ditadura . Ele citou ainda o filósofo conservador Olavo de Carvalho . “Ninguém é contra os 'direitos humanos', desde que sejam direitos humanos de verdade, compartilhados por todos os membros da sociedade, e não meros pretextos para dar vantagens a minorias selecionadas que servem aos interesses globalistas”.
Críticas
Um dos autores da denúncia, o procurador da República Sérgio Suiama classificou a decisão como “o terceiro estupro de Inês Etienne Romeu”, destacando que a “lamentável sentença” foi publicada no Dia Internacional da Mulher e que o estupro dela não foi investigado até 2013.
“Graças à ordem judicial de busca e apreensão, pedida e cumprida pelo MPF na casa do coronel já falecido Paulo Malhães, foi possível, após quase três anos de investigações, descobrir a verdadeira identidade de 'Camarão', o militar Antonio Waneir Pinheiro Lima”, disse o procurador por meio de redes sociais.
Suiama, que garante que o MPF irá recorrer da sentença, considera que “a decisão judicial ignora ou desqualifica todas as provas obtidas”, inclusive a palavra da vítima, “dizendo que o fato só foi relatado após 8 anos do ocorrido, como se fosse possível à vítima ir a uma delegacia de polícia em 1971 registrar queixa contra os militares que a violentaram e torturaram”.
A Câmara Criminal do Ministério Público Federal também se pronunciou a respeito da decisão judicial. O órgão lembrou que a Corte Interamericana de Direitos Humanos já afastou o argumento de anistia e prescrição para esse tipo de crime.
“O Ministério Público Federal, por intermédio de sua Câmara de Coordenação e Revisão em Matéria Criminal, lamenta veemente tal concepção, pois nenhuma mulher, ainda que presa ou condenada, merece ser estuprada, torturada ou morta. E tampouco pode o sistema de justiça negar desta maneira a proteção da lei contra ato qualificado no direito internacional como delito de lesa-humanidade”.
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Segundo o texto, o MPF aguarda que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região “reforme a decisão teratológica, permitindo que os fatos denunciados sejam devidamente provados no âmbito de um devido processo legal, sempre negado aos que se opuseram ao regime ditatorial”. A nota com críticas à decisão do juiz é assinada pela coordenadora da Câmara Criminal, a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen.
* Com informações da Agência Brasil