Em depoimento à CPI da Covid nesta quinta-feira (24), o epidemiologista da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Pedro Hallal e a médica e representante do Movimento Alerta Jurema Werneck , que também depõe à Comissão, disseram sofrer ataques e tentativas de silenciamento de informação por parte da base aliada ao governo.
"Nós [pesquisadores] experimentamos um processo insistente de tentativa de silenciamento da informação, da verdade real e daquilo que a gente traz de alternativa, de informação para corrigir. Essa é uma estratégia que não começou com a pandemia, já está aí há um tempo. Mas, a grande questão é que essas tentativas de silenciamento, a realidade mostra, não estão sendo bem-sucedidas, mas causam desconforto. Porém, não haverá silenciamento de nossa parte", disse a médica, explicando que muitos desses ataques são de cunho racista .
Hallal acrescentou que essas situações estão sendo investigadas pela Polícia Federal e outras instituições. "Sofri ataques diretamente por parte da base aliada bolsonarista. O próprio Presidente da República tuitou em janeiro um ataque contra mim, diretamente, mas obviamente que isso não vai me silenciar".
Na ocasião, o pesquisador também disse que o corte de verbas da pesquisa do Epicovid , maior estudo epidemiológico sobre a doença no Brasil, se deu após serem divulgados um dos resultados sobre a taxa de contaminação da doença na população indígena. "Eu não tenho nenhuma dúvida de dizer que os resultados mostrando a diferença entre as populações de outras etnias e os indígenas foi o estopim para motivação de descontinuidade do estudo".
Hallal afirmou que, na época, a justificativa do ex-ministro Eduardo Pazuello para o corte foi "confusa" e que o resultado "incomoda muito as pessoas ligadas à base aliada do governo, talvez pelo histórico de políticas contra a população indígena que tem sido adotada".
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Uso de máscara
Hallal disse que a máscara de proteção contra o novo coronavírus não deve ser considerada desobrigatória no Brasil neste momento . O pesquisador afirmou que o país não preenche nenhum dos quesitos para que o equipamento de proteção seja retirado.
"A retirada da máscara
depende de alguns critérios e o Brasil não preenche nenhum deles. São quatro critérios mais tradicionais. Nós temos que ter o número de casos novos muito baixo, não é o momento. O Brasil, ontem, quebrou o recorde do número de casos diários. Nós precisamos ter espaço suficiente nas unidades de internação, não é a realidade. Quase todos os estados do Brasil tem hoje acima de 80% de ocupação. Nós precisamos ter os óbitos controlados e nós precisamos ter a vacinação avançada. O Brasil, infelizmente, só tem 12% da população total [vacinada], isso dá cerca de 16%, 17% da população elegível, isso faz com que não seja momento de retirada de máscaras".
No início do mês, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse, em pronunciamento, que pediu ao Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga para que fossem editadas as regras para desobrigar o uso de máscaras por aqueles que já estão vacinados contra Covid-19 ou já foram infectados pela doença.
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Subestimativa de óbitos
Segundo o epidemiologista, o Brasil pode ter ultrapassado o patamar de 600 mil mortes, considerando as subnotificações. "Não existe nenhum estudo científico sugerindo que tenha superestimação de óbitos [na pandemia da Covid-19]. Existem estudos mostrando que pode haver subestimativa . Não é uma magnitude tão grande", afirmou.
"A pessoa que eu mais me referencio para falar desse assunto é o doutor Paulo Lotufo, que é um epidemiologista como eu, que vem monitorando isso da subestimativa de óbitos, e ele tem estimado que, hoje, essa subestimativa é na casa dos 12%. Ou seja, peguemos a estatística oficial de 504 mil [mortos], multipliquemos por 1,12 e teremos uma noção do número de pessoas que perderam a vida para a Covid no Brasil. Vai dar ao redor de 600 mil pessoas ".
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"Pior de todas as posturas"
Hallal também afirmou que a postura do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é a pior observada por cientistas para a pandemia da Covid-19 . O pesquisador acusa o presidente de ser responsável pela gravidade da crise sanitária da Covid-19 no Brasil.
"O Brasil teve oficialmente quatro ministros da Saúde na pandemia. Mandetta, Teich, Pazuello e Queiroga. Eu tenho críticas e elogios quanto à atuação dos quatro. Mas os principais sinais de negacionismo do Brasil no enfrentamento da pandemia não foram dados por nenhum dos quatro ministros. A principal personalidade responsável por propagar mensagens anticiência não foi nenhum deles, foi diretamente o Presidente da República", disse o epidemiologista.
"Os senadores e senadoras da República, em muitas oportunidades, defendem ações do Governo Federal, conseguem defender ações do Ministério da Saúde, mas não existe como defender a promoção de aglomerações sem máscara, por exemplo. Não existe como defender uma série de posturas adotadas pelo Presidente da República. Infelizmente, a grande maioria delas no sentido equivocado. A postura do Presidente da República como líder maior da nação é a pior de todas as posturas que nós observamos enquanto cientista durante essa pandemia", completou Hallal.
Em congruência com o pesquisador, a médica e representante do Movimento Alerta, Jurema Werneck, que também depõe nesta quinta, disse que o Brasil precisa de uma liderança nacional firme, baseada na ciência, para salvar vidas na pandemia. "É preciso uma liderança nacional firme, baseada em evidências, que cumpra e faça cumprir as medidas necessárias para salvar vidas", disse.
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Segundo Jurema, 120 mil vidas poderiam ter sido salvas em 2020 caso o Governo Federal tivesse implementado uma política pública baseada em medidas não farmacológicas.
"Se tivessemos agido como era preciso, a gente poderia, ainda no primeiro ano da pandemia, nas 52 primeiras semanas epidemiológicas, ter salvo 120 mil vidas. Não são números, são pais, mães, irmãos, sobrinhos, tios, vizinhos, gente que eu não conheço, mas habita esse país como eu. A gente poderia ter salvo pessoas se uma política efetiva de controle, baseada em ações não farmacológicas [distanciamento social, uso de máscaras, higinização das mãos] tivesse sido implementada", afirmou Jurema. Veja:
Mortes em excesso
Ainda segundo a médica, no primeiro ano da pandemia, 350 mil mortes ocorreram em excesso, comparando a anos sem uma crise de saúde do mesmo nível.
Além de Jurema, também depõe nesta quinta o epidemiologista da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Pedro Hallal. Os dois pesquisadores estudam o número de mortes evitáveis, caso a condução do enfrentamento pelo Governo Federal tivesse sido mais restritiva.
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Os estudos conduzidos pela dupla indica que haviam medidas que o governo Jair Bolsonaro poderia ter utilizado para diminuir consideravelmente o número de óbitos nesta pandemia, como o incentivo de protocolos sanitários, a utilização de máscaras e o respeito às medidas de distanciamento social.
Hallal, ex-reitor da UFPel, reitera - em entrevista à GloboNews - o número exato de mortes que o país poderia ter evitado. "No mundo, hoje, a média de mortes é de 488 habitantes para cada 1 milhão de habitantes. No Brasil , é de quase 2,3 mil mortes para cada 1 milhão de habitantes. Traduzindo isso para a população: são quatro de cada cinco mortes que aconteceram no Brasil que seriam evitadas se o Brasil estivesse na média mundial — não se o Brasil estivesse muito bem".
Jurema Werneck conduz o Movimento Alerta, que engloba sete outras entidades e estuda a mortalidade da pandemia em cada estado da federação. Suas análises baseiam-se nas falhas produzidas pelas diversas políticas públicas e problemas de qualidade no atendimento no sistema de saúde local.
O Movimento Alerta comunicou, através de uma nota, que há um desrespeito "intencional" por parte do governo e que as evidências científicas "não podem ficar impune, sem que haja a responsabilização pelas mortes evitáveis que ocorreram e continuam ocorrendo".