O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quinta-feira (5) a análise de ações que discutem a responsabilidade das redes sociais pelos conteúdos gerados por seus usuários. O julgamento será continuado com o voto do ministro Dias Toffoli , relator de uma das ações, que já sinalizou sua opinião contrária ao artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI), que atualmente limita a responsabilização das plataformas por conteúdos de terceiros.
Durante a votação na quarta-feira (4), Toffoli afirmou que a falta de responsabilização das redes sociais por publicações é inconstitucional e destacou que a legislação, desde sua criação, se mostrou incapaz de proteger efetivamente os direitos fundamentais.
Ele enfatizou que o artigo 19 do MCI não consegue lidar com os riscos sistêmicos gerados pelo desenvolvimento das redes sociais e seus novos modelos de negócios. O ministro também se uniu às críticas feitas pelo colega Alexandre de Moraes, que se referiu ao atual cenário como um “ambiente de violência digital”, afirmando que as plataformas devem ser responsabilizadas por proteger a democracia e combater conteúdos nocivos.
"Parece-me evidente que o regime de responsabilidade dos provedores de aplicação por conteúdo de terceiros, previsto no artigo 19 do MCI (Marco Civil da Internet), é inconstitucional. Seja porque, desde sua edição, mostra-se incapaz de oferecer proteção efetiva aos direitos fundamentais (...), seja porque não é apto a fazer frente aos riscos sistêmicos que surgiram nesses ambientes a partir do desenvolvimento de novos modelos de negócios", afirmou.
O artigo 19 do MCI prevê que as redes sociais só sejam responsabilizadas por danos gerados por conteúdos de terceiros caso não cumpram uma determinação judicial para a remoção do material. No entanto, Toffoli considerou essa medida insuficiente, dado o aumento de crimes virtuais, como as fake news e a violência digital. Ele também apontou que os algoritmos usados pelas plataformas para identificar preferências dos usuários podem ser utilizados de forma mais eficaz no combate à disseminação de desinformação.
Toffoli mencionou exemplos de fraudes online, como páginas falsas de bancos, e criticou a falta de ação das plataformas para impedir a propagação de notícias falsas. Ele também destacou a importância de regulamentações mais rigorosas para garantir a proteção da liberdade de expressão, sem prejudicar a segurança pública ou fomentar ataques à democracia.
Em paralelo, o ministro Alexandre de Moraes reforçou, durante o julgamento, que a autorregulação das redes sociais falhou, como demonstrado pelos eventos de 8 de janeiro de 2023, quando ataques antidemocráticos foram organizados em grande parte pelas plataformas de redes sociais, sem que houvesse uma reação eficiente das empresas responsáveis.
Moraes afirmou que a incapacidade das plataformas de impedir esses ataques demonstra a “total falência” do sistema de autorregulação e enfatizou que a liberdade de expressão tem limites, especialmente quando coloca em risco a sociedade.
O julgamento tem grande relevância, já que pode definir novos parâmetros para a responsabilidade das redes sociais no Brasil, especialmente em relação ao conteúdo ilegal gerado por seus usuários, como discursos de ódio, fake news e incitação à violência. O Supremo analisa se as plataformas podem ser responsabilizadas diretamente por esses conteúdos ou se somente poderão ser punidas após o descumprimento de ordens judiciais.
Este julgamento ocorre em um momento de impasse no Congresso Nacional, que ainda não avançou em uma proposta de regulação das redes sociais. O PL das Redes Sociais, que buscava regulamentar o setor, foi barrado pela pressão de parlamentares ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, dificultando o avanço de uma legislação específica.
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto, afirmou que, diante da inação legislativa, o STF se viu obrigado a fazer uma interpretação do Marco Civil da Internet para enfrentar o aumento dos conflitos sociais relacionados às plataformas digitais.
"Diante da inércia legislativa, houve um aumento nos conflitos na sociedade sem que se tenha uma regulamentação das plataformas. Isso obriga o STF a fazer uma interpretação do Marco Civil", avalia o parlamentar. "A discussão foi obstruída por um setor do parlamento, e essas mesmas pessoas que impediram a deliberação no Congresso vão apontar o dedo para o STF e acusá-lo de ativismo judicial."
Toffoli também comentou a inércia do Legislativo, apontando que vários projetos de lei sobre o tema foram apresentados nos últimos anos, mas não avançaram devido a obstáculos políticos, deixando o Supremo responsável por definir os parâmetros legais para as redes sociais no Brasil.