Flavio Goldberg, advogado e mestre em Direito.
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Flavio Goldberg, advogado e mestre em Direito.

No Brasil, o mercado de arte frequentemente se torna um meio para atividades ilícitas, especialmente a lavagem de dinheiro. Criminosos utilizam a compra e venda de obras valiosas para mascarar a origem ilegal dos recursos. Diversas investigações e operações policiais têm revelado esses esquemas, sublinhando a necessidade de regulamentações mais rigorosas e eficazes.

A Operação Lava Jato, uma das mais notórias investigações de corrupção e lavagem de dinheiro no país, expôs um esquema de desvio de recursos públicos envolvendo grandes empreiteiras e políticos. Iniciada em 2014, essa operação destacou a compra de obras de arte como um método para lavar dinheiro. Obras de artistas famosos foram adquiridas a preços inflacionados para disfarçar a origem ilícita dos recursos, criando um mercado paralelo.

Valmor Racorti, comandante do Policiamento de Choque
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Valmor Racorti, comandante do Policiamento de Choque

A Operação Galeria, conduzida pelo Ministério Público Federal, concentrou-se
na lavagem de dinheiro através da comercialização de obras de arte. A investigação descobriu transações suspeitas com obras vendidas a preços exorbitantes, visando ocultar a procedência de fundos obtidos de forma ilícita.

Esta operação evidenciou a vulnerabilidade do mercado de arte e a necessidade de maior fiscalização e transparência. Realizada em 2008, a Operação Satiagraha também tratou da lavagem de dinheiro no mercado de arte, entre outros setores. A investigação revelou um esquema de corrupção envolvendo banqueiros, empresários e políticos, utilizando a compra de obras de arte para ocultar a origem dos recursos ilícitos. A operação resultou na prisão de vários envolvidos e mostrou a sofisticação dos métodos usados.

Para enfrentar a lavagem de dinheiro, o Brasil adotou várias medidas regulatórias. A Lei nº 9.613/98 impõe que operadores do mercado de arte mantenham registros detalhados das transações e relatem operações suspeitas ao COAF. O IPHAN também exige o registro no Cadastro Nacional de Negociantes de Obras de Arte e Antiguidades (CNART), com obrigações de registro e comunicação de transações acima de R$ 10.000. 

A detecção e repressão da lavagem de dinheiro através de obras de arte enfrentam muitos desafios. A falta de catálogos abrangentes e a complexidade das transações, que frequentemente envolvem intermediários, dificultam a rastreabilidade dos fundos. A utilização de contas offshore, vendas privadas e leilões internacionais adiciona opacidade às transações, complicando a identificação de atividades suspeitas.

A ausência de catálogos centralizados e detalhados dificulta verificar a proveniência e o histórico de propriedade das peças. Sem registros adequados, é mais fácil para criminosos falsificar documentação e esconder a verdadeira origem das obras. O valor de uma obra de arte é altamente subjetivo e pode variar enormemente, permitindo manipulações de preços para disfarçar transações ilegais, o que dificulta a detecção de anomalias de preço.

O mercado de arte valoriza a confidencialidade, protegendo a identidade de
compradores e vendedores. Esta prática, embora proteja a privacidade de colecionadores legítimos, também facilita a ocultação da identidade de criminosos. Apesar das leis existentes para combater a lavagem de dinheiro, sua aplicação no mercado de arte ainda é insuficiente. Muitos países, incluindo o Brasil, continuam a desenvolver mecanismos específicos de fiscalização para este setor. A implementação de diretrizes de compliance, como as promovidas pela Responsible Art Market (RAM), ainda está em estágios iniciais e pode não ser universalmente adotada.

O mercado de arte é global, permitindo que transações cruzem fronteiras e
escapem da jurisdição de qualquer autoridade nacional. Isso cria desafios
adicionais para a coordenação entre diferentes jurisdições e a aplicação de
leis internacionais. A complexidade e a falta de transparência no mercado de
arte representam sérios obstáculos para a detecção e repressão da lavagem
de dinheiro. A ausência de catálogos abrangentes, a subjetividade na valorização das obras, a confidencialidade das transações e a falta de regulamentação específica agravam o problema. Enfrentar essas dificuldades exige uma combinação de medidas regulatórias rigorosas, maior cooperação internacional e o desenvolvimento de ferramentas de compliance robustas para assegurar que o mercado de arte não seja explorado por atividades ilícitas.

Este tema é minuciosamente explorado no livro "Lavagem de Dinheiro por
Meio de Obras de Arte", de Fausto Martin De Sanctis. Na obra, o autor analisa
detalhadamente como a arte pode ser utilizada para esconder a origem ilícita
de fundos e enfatiza a importância de combater essa prática. De Sanctis, desembargador federal com vasta experiência jurídica, defende a necessidade de aprimoramento institucional e normativo para combater eficazmente a lavagem de dinheiro no mercado de arte. Ele sugere que, embora o mercado de arte seja global e complexo, com esforços coordenados e regulamentações adequadas, é possível mitigar os riscos e proteger a integridade deste setor.


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