Navio São Paulo Marinha do Brasil - 19.08.2022
Reprodução Wikipedia - 19.08.2022
Navio São Paulo Marinha do Brasil - 19.08.2022

O porta-aviões São Paulo, o maior da história da Marinha do Brasil, vendido recentemente por R$ 10,5 milhões para uma empresa turca segue viagem para ser desmanchado no porto de Izmir pela Sok Denizcilik na Turquia. 

O navio mobiliza ambientalistas do país porque a embarcação carrega ao menos 9,6 toneladas de amianto, produto altamente cancerígeno.

Reportagem do O GLOBO, mostra que a reconstituição da saga do navio, comprado da França pelo Brasil nos anos 2000 e que teria navegado só 206 dias no Brasil, mostra como o porta-aviões se tornou tecnologicamente defasado e com potencial poluente. Vendido como sucata, poderá render em torno de R$ 100,4 milhões, quase dez vezes mais do que ao valor de venda.

"A Marinha cogitou outro destino para o São Paulo. Em 2019, após desistir de um projeto de modernização que custaria R$1 bilhão, procurou especialistas para traçar alternativas de descarte ou reutilização para o porta-aviões São Paulo, na época recém-desativado", diz a reportagem

Especialista em transporte marítimo, logistica e construção naval, o engenheiro Jean Caprace, da UFRJ, sugeriu um modelo matemático para indicar o melhor custo-benefício entre as possibilidades de desmonte. A ideia não foi acatada.

"O que mais me surpreende é o interesse de uma empresa estrangeira. Devem ter feito muitos cálculos, mas é um negócio de alto risco, inclusive o de ter mais amianto a bordo que o declarado. Há compartimentos totalmente inacessíveis, que só serão descobertos quando abrirem", avisa Caprace.

Quando ainda era da França, o porta-aviões esteve em frentes de batalha na África, no Oriente Médio e na Europa. Com 266 metros de comprimento e 32,8 mil toneladas, a embarcação, explica Caprace, exige cálculos muito precisos e complexos para determinação de valores de venda.

Pelo contrato firmado com a França, o São Paulo precisaria ser esvaziado para ser revendido. Os gastos para transportar a embarcação, que, desativada, passa a ser oficialmente “casco de navio”, atingem a casa dos milhões de dólares.

Caprace estimou que as despesas com a viagem, que pode durar 35 dias, segundo o governo turco, devem chegar a US$ 3,5 milhões, só com a diária do rebocador da empresa holandesa Alp Centre, que fica em torno de US$ 100 mil. Fora o combustível, lembra o professor da UFRJ. O agora casco de navio deve chegar a Izmir em 9 de setembro.

"Já gastaram um bom dinheiro na compra e na adaptação para a viagem e na mão de obra. Ainda precisarão gastar muito no tratamento de amianto", acrescenta o engenheiro.

Amianto preocupa

O amianto é a maior preocupação entre os que acompanham a saga do porta-aviões. No inventário, estão declaradas 9,6 toneladas da substância, banida em diversos países. Mas a quantidade real pode ser maior, o que levou a protestos de ambientalistas turcos, que montaram uma vigília há dois dias em seu país contra a chegada da embarcação.

"Para o inventário, visitaram só 12% dos compartimentos para realização da estimativa total", diz Caprace, lembrando que o navio-irmão do São Paulo, o Clemenceau, possuía cerca de 700 toneladas de amianto quando foi desmantelado.

"Espero que isso não gere repercussão geopolítica negativa. Se houver muita pressão, podem acabar até não autorizando a importação do navio".

Outra desconfiança é da presença de radioatividade. Antes de vir para o Brasil, o porta-aviões participou de testes nucleares.

O caso do Clemenceau foi usado como exemplo negativo por Caprace para a Marinha. O navio foi enviado para a Espanha em 2003, em uma primeira tentativa de desmanche. Mas a empresa espanhola queria terceirizar o serviço na Turquia, o que foi desautorizado pela França. Houve um tentativa de desmonte na Índia.

Mas quando o navio passava pelo Egito, foi impedido de seguir por causa do amianto, que o governo do país africano não quis aceitar em seu território. Apenas em 2010 o porta-aviões foi desmanchado, na Escócia.

"Gerou R$ 35 milhões em aço reciclado, mas não foi um bom negócio, por causa de todos os gastos", avalia Caprace.

Comprado por US$ 12 milhões em 2000, o que equivalia, na época, a R$ 22 milhões, o São Paulo foi pouco usado no Brasil, principalmente por causa dos problemas já identificados na época da aquisição. Segundo um relatório da Sociedade Amigos da Marinha, o navio sofreu com falhas mecânicas e até uma explosão em 2004, que causou a morte de três tripulantes, até ser retirado de atividade em 2017.

Para o presidente do Instituto São Paulo-Foch, Emerson Miura, que defende a conversão do São Paulo em museu marítimo e briga na Justiça para trazê-lo de volta, a compra do porta-aviões foi uma “oportunidade de mercado” na época, mas teve o retorno esperado.

"Foi uma coisa empolgante, porque o Minas Gerais (porta-aviões anterior da frota brasileira) precisava ser substituído. Um porta-aviões não se vendia assim facilmente. Acabou sendo como um jovem comprar uma Maverick com o motor com problemas. A atuação do São Paulo foi muito tímida. Identificaram depois problemas de propulsão e queriam modernizá-lo. Mas o custo era elevado e desnecessário. Ele ficaria muito tempo parado e depois voltaria obsoleto".

Atualmente, a Marinha possui somente um porta-helicópteros, que é adaptado para uso de drones.

Liminar suspensa

A justiça suspendeu ontem uma liminar concedida ao instituto que ordenava o retorno do porta-aviões ao Rio. O desembargador federal Reis Friede, da 6ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, acatou o pedido da União e da Empresa Gerencial de Projetos Navais, vinculada à Marinha, para que a medida fosse revogada.

As alegações foram de que não haveria mais possibilidade de as autoridades brasileiras atuarem no caso e a embarcação estava em águas internacionais quando a liminar foi concedida. O instituto contesta os argumentos.

"Dava para a Marinha entrar em contato via rádio com o navio ou fazer resgate por outras embarcações", reclama Miúra.

Advogado do São Paulo-Foch, Leonardo Patrocínio diz que há alternativas para a volta do São Paulo:

"Seria possível a retenção em um país que tenha acordo de cooperação jurídica com o Brasil".

*Com informações de O GLOBO

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