Quando uma economia se deteriora e chega ao fundo do poço, como chegou a do Rio de Janeiro nos últimos anos, é natural que os sinais de recuperação, quando aparecem, não sejam percebidos com clareza. Por mais nítidos que sejam, eles se mostram incapazes de dar à sociedade no primeiro momento a sensação de que a situação melhorou e que as aflições ficaram no passado.
Mas, pelo que se pode ver neste instante e naquilo que diz respeito especificamente ao Rio, o pior já passou. Ainda é cedo para afirmar que a crise foi debelada, mas já é perfeitamente possível afirmar que a curva se inverteu e que, ao invés de queda, estamos em fase de crescimento. O Rio de Janeiro foi o primeiro estado do país a voltar ao nível de emprego anterior à crise da Covid-19 — um dado que se torna ainda mais expressivo quando se sabe que foi o que mais viu desaparecer postos de trabalho no período mais crítica da pandemia.
Pelos números do CAGED — o Cadastro Geral de Emprego e Desemprego do Ministério do Trabalho e da Previdência —, o estado vem se mantendo entre os maiores geradores de empregos formais do país. O saldo do primeiro semestre deste ano foi de 221 mil novos postos com carteira assinada a mais do que o número de demissões.
Boa parte dos empregos foi gerada por empresas que não existiam e que foram criadas no momento mais crítico de dificuldades. Nos últimos 12 meses foram registradas na Junta Comercial do Rio — que é a repartição responsável pelo cadastro das empresas formais do estado — nada menos do que 73.022 empresas. Esse número é recorde em 208 anos de existência do órgão.
Iniciativas que, à primeira vista, não teriam força suficiente para alterar o panorama de retrocesso que vinha tomando conta do estado, ganham uma dimensão diferente quando postas ao lado de outros projeto que, somados, ajudam a explicar a mudança de clima.
A ideia do governo estadual de adquirir os 135 mil metros quadrados do Estaleiro Caneco e transformá-los no Polo Náutico Pesqueiro, por exemplo, pode trazer de volta o dinamismo que a pesca comercial vinha perdendo no Rio desde o fechamento do Terminal da Praça XV, em 1992.
Para quem ainda não se convenceu com esses exemplos, aqui vão outros. O programa criado para ajudar a cidade histórica de Petrópolis a superar os efeitos da tragédia causada pelos temporais e deslizamentos de fevereiro destinou R$ 207 milhões em crédito para 3.326 empresas e os micro empreendedores individuais. Com esse dinheiro, eles ganharam fôlego para atravessar o momento mais difícil e reerguer seus negócios.
GÁS NATURAL
Alguns desses novos empreendimentos que estão brotando no estado e ajudando a estimular esse movimento chamam atenção pela criatividade e pela sintonia com as exigências de uma economia mais limpa, sustentável e marcada pela transição energética que prevalecerão no mercado daqui por diante. É o caso, por exemplo, da Usina Termelétrica Marlin Azul, que está sendo construída no município de Macaé, no Norte do Estado.
Com uma previsão de investimentos da ordem de R$ 2,5 bilhões, a usina será alimentada pelo gás natural extraído da camada pré-sal e será fundamental para a desativação das poluentes e onerosas térmicas a óleo que entram em operação nos períodos de estiagem. Ela terá um papel decisivo para a segurança energética a partir de um combustível de menor impacto ambiental e, no momento em que entrar em operação plena, vai gerar mais de 1 500 empregos diretos.
Essa, por sinal, é uma marca dos novos empreendimentos que estão surgindo no estado. De um modo geral, eles envolvem negócios sintonizados com as exigências mais atuais da economia. No mês passado, a Volkswagen caminhões entregou o primeiro veículo de carga totalmente movido a energia elétrica que saiu da linha de montagem mantida pela empresa na cidade de Resende, no Sul do estado. O desenvolvimento do modelo e a adaptação da fábrica para sua produção exigiram investimentos de R$ 150 milhões.
Isso ainda não é tudo. A siderúrgica Ternium está investindo R$ 100 milhões para adaptar sua planta industrial no bairro industrial de Santa Cruz, no Rio, para a produção de aço de qualidade a partir de sucata. Isso significa, na prática que, ao de utilizar minério de ferro que acabou de ser extraído das jazidas para produzir o seu aço. Isso, de certa forma, desmente a máxima do ex-presidente Arthur Bernardes, que governo o Brasil entre 1922 e 1926, segundo a qual “minério não dá duas safras”.
A empresa reprocessará o aço, e portanto, o minério, que foi produzido no passado, livrando as cidades dos depósitos de ferro velho em que automóveis e eletrodomésticos em corrosão poluem o ambiente e reduzindo o impacto ambiental causado pela mineração. O programa de implantação tecnologias voltadas para a redução do impacto ambiental da Ternium prevê investimentos de investimentos de R$ 700 milhões até 2030.
CRESCIMENTO DISTRIBUÍDO
Nenhuma dessas informações é inédita. Mas há três motivos que justificam trazer de volta essas histórias, relatadas em oportunidades anteriores, para o centro dessa discussão. A primeiro é reiterar que nenhuma dessas iniciativas deve ser vista como um caso isolado. Somadas, elas ajudam a dar uma dimensão de um movimento que, se não sofrer desvios significativos daqui por diante, pode devolver ao Rio a pujança econômica que parecia perdida para sempre.
O segundo motivo é deixar claro que os exemplos de recuperação não estão concentrados em uma região específica do estado nem estão restritos a um único setor. Eles abrangem os negócios de óleo e gás, no Norte do estado, como mostra o exemplo da usina de Macaé. Englobam, também, o complexo automobilístico do Sul, como mostra o caso da Volkswagen caminhões, em Resende.
Passam pela capital, onde se localizada a usina da Ternium e se dá esforço para recuperação da indústria pesqueira. Há investimentos que favorecem o turismo, outra vocação do estado, como mostra o esforço pela recuperação de Petrópolis. Todos os 92 municípios do Rio serão beneficiados pelo programa de investimentos de R$ 17 bilhões anunciados recentemente pelo governador Cláudio Castro.
A terceira razão é menos visível — mas nem por isso menos importante. Esse novo momento de otimismo parece estar sendo construído de baixo para cima, sobre bases mais sólidas do que os anteriores — o que nos leva a acreditar que ele tem tudo para produzir resultados mais seguros e duradouros para toda a população.
ILUSÃO PASSAGEIRA
O momento, como se vê, é favorável — mas é importante deixar claro que a fatura ainda não está garantida e há muito a ser feito para que produza os efeitos desejados. É fundamental, portanto, deixar de lado o ufanismo do passado e perceber que esses novos empreendimentos e muitos outros que estão por vir só levarão o Rio a um novo ciclo virtuoso se vierem acompanhados de uma mudança de postura do governo e de toda sociedade.
Um novo ciclo de dinamismo, construído sobre bases mais sólidas e mais modernas do que a que sustentaram os surtos de crescimento do passado pode mostrar um caminho diferente. Pode mostrar que o Rio, por todas as vantagens e vocações que reúne, pode se transformar de um centro de problemas num gerador de soluções capaz não só de atrair e abrigar empreendimentos promissores como, também, de promover melhorias na qualidade de vida da população e, com isso, servir de exemplo para todo país.
Para que isso aconteça, algumas armadilhas devem ser evitadas — sob pena de, caso não sejam, fazer com que o momento atual, como diz Chico Buarque de Hollanda em sua belíssima Roda Viva, não seja visto no futuro como uma “ilusão passageira, que a brisa primeira levou”. A primeira dessas armadilhas é a voracidade fiscal. A sociedade desta vez não pode permitir que o Estado (em todas as esferas e níveis de poder no âmbito municipal, estadual e federal) sufoque os empreendimentos nascentes com exigências que não estavam previstas no momento em que eles foram postos para funcionar.
O Brasil tem a estranha mania de tomar medidas que inviabilizam iniciativas promissoras tão logo elas começam a apresentar os primeiros resultados. É comum que as empresas recém nascidas não tenham chances de chegar à idade adulta devido às mudanças de regra e ao aparecimento de exigências que não existiam quando elas foram criadas. Empresas que surgiram agora não podem, de uma hora para outra, ser sufocadas com normas rigorosas que, a pretexto de proteger direitos trabalhistas, acabam funcionando como um desestímulo para a geração de empregos.
Outro ponto especialmente delicado é o das normas fiscais. Tanto as empresas quanto os cidadãos brasileiros já estão no limite de sua capacidade contributiva. Onerá-las com 0,5% a mais em impostos pode significar um desestímulo poderoso à consolidação deste ciclo que estamos vivendo. Ninguém está sugerindo aqui que as empresas devam ter isenção fiscal. Tudo está sendo dito é que o Estado deve medir seu apetite — do contrário, o ciclo virtuoso que parece estar se iniciando agora, não passará de mais uma oportunidade perdida.
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