Um levantamento feito a pedido do GLOBO e foi realizado pelo NetLab, laboratório vinculado à Escola de Comunicação da UFRJ, revela que 'candidatos têm explorado brechas no Facebook e Instagram para impulsionar mensagens com fake news e ataques ao processo eleitoral brasileiro'.
O levantamento mostra que, entre 26 de junho e 31 de julho, ao menos 21 anúncios com desinformação sobre o tema eleitoral foram autorizados pela empresa Meta, empresa que controla as plataformas Facebook, Whatsapp e Instagram.
Conteúdos disparados nas redes põem em dúvida a apuração do pleito de 2020, invenções de que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sabem os resultados das eleições, além de teorias da conspiração sobre as urnas eletrônicas.
De acordo com os pesquisadores, a circulação desses anúncios acontece porque não há checagens nem regras dessas redes que proíbam materiais que expressam as alegações falsas de fraude ou postagens que lavantam dúvidas sobre a confiabilidade das urnas. Os dados foram levantados através da API da biblioteca de anúncios da Meta, que permite a captura das informações de forma automatizada.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) veda que postulantes a cargos eletivos disseminem fatos “sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados” a respeito do sistema eleitoral.
A disseminação teve origem em perfis de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), muitos dos conteúdos também apresentam seguidos ataques ao sistema eleitoral.
Os dados revelam que boa parte dos anúncios foi contratada por candidatos a deputado federal ou estadual filiados a partidos pró-governo como PL, Republicanos, PP, PSC e Patriota.
Anúncios 'fake' de parlamentares e candidatos
Atribuindo às Forças Armadas, o deputado federal Coronel Armando (PL-SC) disse apoiar “um plano de fiscalização paralelo às eleições”. Ele afirma que “[os militares] parecem mais comprometidos com a transparência e lisura das urnas eletrônicas do que os órgãos responsáveis pelas eleições”.
O ex-deputado federal Evandro Roman (PP-PR) pagou dois anúncios onde afirma que o projeto do voto impressso permitiria “uma auditoria para validar os resultados das eleições”.
O candidato a deputado estadual pelo Rio Grande do Sul, Mauro Fiuza (PSC), fez uma postagens paga em vídeo, onde afirma os ministros do STF marcaram uma conferência em Nova York, nos EUA, depois das eleições, indicando que 'sabem previamente o resultado do pleito'.
O evento com a presença dos ministros é intitulado de “Economia do Brasil com o novo governo”. Fiuza acredita que o nome do evento seria como “anunciação de uma fraude, de um golpe nas urnas”.
O pré-candidato a deputado estadual por São Paulo Major Ricardo Silva (PRTB), comentou um encontro de Bolsonaro com embaixadores, onde teria percebido “coisas estranhas” na eleição de 2020, quando concorreu a vereador.
Ele diz que havia candidatos comemorando antes da divulgação da apuração e que o resultado “foi estranho”, porque o número de votos que recebeu não acompanhou o engajamento que recebia nas redes.
Outra mensagem, impulsionada pela pré-candidata a deputada federal Tatiana Mandelli (Republicanos-BA), onde cita um suposto contrato da multinacional Oracle com o TSE, como justificativa para se questionar a contagem de votos das eleições.
A postagem levanta a pergunta: “Como proteger nossa cidadania se uma empresa estrangeira, globalista, que pertence aos donos do mundo vai contabilizar nossos votos?”
A empresa Oracle forneceu ao TSE dois supercomputadores que armazenam os dados, porém a contagem dos votos das urnas eletrônicas é feita pelo tribunal.
A Meta proíbe a circulação de anúncios que desrespeitem e violem regras de desinformação, as chamadas 'fake news', mas ataques às urnas e ao processo eleitoral com e alegações de fraude não entram no pente fino da empresa.
Esse tipo de conteúdo impulsionado poderia ser impedido de circular caso checadores de fatos independentes parceiros da empresa estivessem monitorando.
Anúncios classificados com temas políticos por exemplo, são considerados sensíveis, pois estão ligados a temas sociais, política e eleições. Por isso eles ganham transparência e ficam armazenados na biblioteca pública da Meta.
Essa classificação é preenchida pelo próprio anunciante e então revisada pela plataforma. O sistema é automatizado, com curadoria humana, antes da publicação do anúncio.
Especialistas alertam que é difícil 'garantir que todos os anúncios com sejam autodeclarados corretamente'.
A coordenadora do NetLab, Rose Marie Santini, afirma que "as plataformas não querem investir em transparência nem assumir publicamente nenhum tipo de moderação de conteúdo. Elas são capazes de moderar conteúdo e o fazem rotineiramente, porém os critérios são mantidos em segredo".
Sistema Eleitoral Brasileiro
O modelo atual das urnas eletrônicas permite uma série de auditorias, além da realização de testes públicos que comprovam a segurança das urnas, nunca foi registrado fraude desde que o sistema foi implementado, em 1996.
Norma prevê retirada
No ano passado, o TSE incluiu na resolução que normatiza a propaganda eleitoral o veto à divulgação de mentiras e descontextualizações sobre o pleito.
"Essa investigação depende da verificação dos valores gastos e da origem dos recursos, se configuram abuso de poder econômico, e se podem caracterizar uso indevido dos meios de comunicação. Nesse caso, há discussão se o entendimento sobre meios de comunicação se aplica à internet e se pode ser aplicado antes de as candidaturas serem registradas", explica a vice-presidente da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade da OAB/RJ, Samara Castro.
O texto prevê que a Justiça Eleitoral, a partir de requerimento do Ministério Público, determine que o conteúdo desinformativo seja tirado do ar, além de uma apuração sobre a responsabilização penal, abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação.
O TSE firmou em fevereiro um acordo com a Meta para ter acesso à API da biblioteca de anúncios. O GLOBO procurou os responsáveis pelos perfis citados para comentarem as alegações de fraude e ataques às urnas, mas não houve resposta. A Meta não quis comentar.
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