Ainda que os blocos de grande porte já tenham decidido não sair às ruas da Capital no próximo feriado de Tiradentes (21), as agremiações menores, que costumam desfilar nos seus próprios bairros de fundação, estão em meio a um impasse com a Prefeitura de São Paulo.
Oficialmente, a administração municipal já afirmou que não haverá carnaval de rua em 2022. As escolas de samba pisam na avenida nos dias 21 e 22 (quinta e sexta-feira), e nas ruas, os cortejos menores ainda mantêm a decisão de desfilar.
Lira Alli, integrante do Arrastão dos Blocos, um entre os seis grupos de cortejos que mantém diálogo com a Prefeitura, conta que cerca de 60 blocos devem desfilar a partir de quinta-feira de maneira independente.
"Os blocos estão se organizando para desfilar sem o apoio da prefeitura, e como são pequenos, acho que isso vai acontecer com tranquilidade", afirma.
"Cada um está organizando do seu jeito, sem fazer muita divulgação, porque o objetivo não é lotar, é aproximar a comunidade, como sempre foi feito. Quem estiver pelo bairro, quem morar ali, participa".Lira diz que sem o suporte da limpeza e da segurança urbana, os blocos se organizam em frentes solidárias para diminuir os impactos na cidade. "Um bloco apoia o outro. Quando o meu não está desfilando, eu auxilio no desfile de outro. Estamos contatamos cooperativas de catadores que vão nos apoiar também. São blocos pequenos, não terá a dimensão do 'Caraval comercial'".
"É uma dimensão comunitária. No sábado, uma procissão da igreja do meu bairro passou pela minha casa. Na semana que vem, vai passar um bloco de carnaval. E está tudo bem. De alguma maneira, são formas das pessoas viverem a sua fé", completa.
Thaís Haliski, coordenadora da Comissão Feminina do Carnaval de São Paulo, defende o "direito de manifestação artística" da população, mesmo que sem o amparo do poder público.
"São blocos pequenos, que não vão ter um impacto grande e que já estão se organizando pra fazer um cortejo tranquilo, sem caminhão, sem uma estrutura gigantesca que onere o bloco, porque todo mundo não tem nenhuma intenção de gastar um valor que não não é possível", afirma.
"Eles vão com instrumentos, fanfarras, baterias de bloco, uma coisa orgânica, nada complexa. É aquele carnaval genuíno que desde o final de 2010 começou a ter com mais força aqui em São Paulo, que a gente começou a ver o Carnaval de São Paulo."
A Comissão Feminina e o Arrastão dos Blocos estão entre as seis entidades que assinaram um manifesto pela realização dos desfiles na capital paulista. Apesar da assinatura, eles reconhecem que a festa pode trazer riscos.
"Temos uma preocupação enorme em proteger as pessoas de qualquer tipo de repressão. Eu sinceramente acredito no bom senso dos agentes públicos, de não partir para violência em nenhum caso, mas não tenho como garantir que isso não ocorra", alerta Thais.
A Defensoria Pública do Estado já emitiu um parecer pedindo para que a Prefeitura interfira no impasse . Por parte dos blocos, existe o temor de que a Guarda Civil Municipal e a Polícia Militar reajam aos desfiles com violência.
"Fica o alerta pra todas as pessoas que pretendem estar nas ruas, para que a gente possa ter um Carnaval tranquilo, livre, alegre, de retomada desse período tão difícil que nós passamos, onde ficamos dois anos trancados na nas nossas casas sem poder festejar, sem poder tocar, sem poder se abraçar, não o Carnaval dessa briga jurídica horrorosa que está acontecendo por conta de um direito garantido por lei."
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Carnaval no segundo semestre
Nas reuniões, foi cogitada a realização de um carnaval de rua no segundo semestre. Os blocos não se opuseram, mas defendem que mesmo com a organização de uma data oficial, o direito de ir às ruas neste fim de semana tem que ser mantido.
"É viável que se faça um segundo carnaval, mas por outro lado, quem quiser desfilar agora tem que poder desfilar. Também defendemos que a prefeitura construa, de forma democrática, uma política de realização de eventos de rua no segundo semestre de 2022 e no carnaval de 2023. Infelizmente, o edital deste ano foi construído de maneira arbitrária e sem diálogo com os produtores de cultura popular", comenta Lira.
Thais argumenta que o carnaval em setembro "descaracteriza" a festa popular, mas endossa o coro de que o desfile em abril é um direito.
"Existem entidades que querem seguir nesse caminho, mas a maior parte das entidades que assinou esse manifesto no começo de abril tem a intenção de fazer agora, porque se não for fazer agora - e isso já não é mais uma possibilidade- a gente vai fazer no ano que vem, não em setembro", afirma.
"O problema é que agora a Prefeitura se coloca como dona desse modelo, e determina quando vai haver Carnaval e quando não vai haver Carnaval. Enquanto isso não é de responsabilidade da prefeitura. Quem define quando vai ter Carnaval são os protagonistas do carnaval que são os blocos, as escolas de samba. Quem faz a cultura e não quem faz a gestão do dinheiro que vem pra cultura. Isso não faz o menor sentido."
O que a prefeitura diz
Em nota, a prefeitura afirmou ao iG que mantém "diálogo permanente" com blocos de carnaval e as entidades e que os representam, e lembrou que "o carnaval de rua deste ano foi cancelado pela gestão municipal, decisão antecipada pelos próprios dirigentes dos blocos, em função da nova variante Ômicrom e da impossibilidade de cumprir os protocolos sanitários vigentes à época diante da expectativa de público de 15 milhões de pessoas. O objetivo, repetimos, era e continua sendo manter a segurança de todos."
A administração municipal diz que não é possível realizar a festa de rua sem "grande esforço de organização", e diz que a remarcação do carnaval no sambódromo "demonstra de forma inequívoca que, quando não há intransigência e eventuais motivações ideológicas, o interesse público prevalece, os consensos são construídos e todos os setores da cidade de São Paulo são beneficiados."
Sobre os temores de uma eventual repressão, a Prefeitura confirmou o recebimento do ofício da Defensoria Pública e disse estranhar seu conteúdo "pois a gestão municipal nunca reprimiu e muito menos usou força desproporcional em nenhum evento público, tanto o é que o carnaval dos blocos de rua de São Paulo figura entre os maiores do Brasil e atrai pessoas de todas as regiões do país e do mundo."
"A Guarda Civil Metropolita (GCM) atua em parceria com a Polícia Militar para garantir a segurança dos participantes e da população da cidade, dentro do planejamento antecipado e que envolve definição de roteiros, inscrição de blocos, infraestrutura de saúde e sanitária, alterações viárias e do sistema de transporte público. Justamente para garantir todos esses requisitos e, repetimos, a segurança dos foliões e da população, a gestão municipal reitera o apelo para que os dirigentes de blocos de carnaval de rua retomem o diálogo com a administração da cidade e da SSP para que, de forma democrática e transparente, definam uma data conjunta com tempo hábil para que possamos planejar esse importante evento de São Paulo com a responsabilidade necessária", finaliza o texto.
Ontem (19), a Secretaria Municipal de Cultura afirmou estar se organizando para acolher os blocos que vão sair no feriado, e agendou uma reunião para hoje, às 10h, que pode bater o martelo, enfim, na questão.
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