Roman Abramovich, oligarca russo e proprietário do Chelsea
John Dobson/Divulgação/Chelsea
Roman Abramovich, oligarca russo e proprietário do Chelsea

Uma estrutura de poder e capital político que nasceu nos anos 1990, e segue intacta, mesmo com algumas modificações, até hoje. Essa é a oligarquia russa, formada por milionários e bilionários que viraram alvo da União Europeia e dos Estados Unidos após a invasão da Ucrânia.

Os oligarcas não são apenas ricos ou influentes. Segundo o professor Henrique Canary, mestre em História pela Universidade Russa da Amizade dos Povos (Moscou) e doutor em Literatura e Cultura Russa pela USP, eles possuem ligação direta com as decisões do estado. Um modelo de relação criado no governo de Boris Yeltsin, o primeiro presidente russo após o fim da União Soviética.

"Eles tem vínculos muito próximos com os mecanismos de poder. É diferente do ocidente, onde os vínculos entre as grandes empresas e o estado são indiretos, através do fomento de lobistas ou deputados que defendem seus interesses", explica.

"Na Rússia, esse vínculo é direto. Eles formaram uma camada de aconselhamento e interesse diretamente sobre Yeltsin, e através disso, a Rússia dos anos 1990 foi uma espécie de co-governo, entre o presidente e os oligarcas que ele mesmo criou."

Eles são donos de grandes empresas, fábricas e propriedades que prosperaram após o fim da União Soviética, se aproveitando do processo de privatização quando grande parte dos serviços deixou de ser estatal.

Com a chegada de Putin ao poder, mudaram-se as peças, mas o jogo continuou sendo jogado no tabuleiro: os oligarcas de Yeltsin deram espaço a uma nova camada, sem o mesmo poder de persuasão, mas muito fiéis ao novo presidente do país.

"Mudou a configuração, mas seguiram sendo muito próximos do estado, só que mais dependente das decisões pessoais de Putin, o que não acontecia muito em 1990", explica Canary.

"Por um lado, eles são apoiados pessoalmente por Putin, que aprova leis que beneficiam esses setores da economia, e esses setores devolvem na qualidade de apoio político e econômico. Há um apoio mútuo, por isso que muitas das sanções são direcionadas a pessoas que são donas, proprietárias, acionistas de determinadas empresas. É uma forma de atingir aqueles que fornecem apoio ao presidente russo", completa.

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A explicação para eles continuarem tendo tanta influência na atualidade está na distribuição econômica do país, aponta o historiador.

"A Rússia é um dos países com uma grande concentração de riquezas. Assim como o Brasil, existe obviamente uma classe média, mas não é numerosa, está concentrada nas grandes cidades, e fora isso, existe uma população pobre, trabalhadora, que vive sob condições muito difíceis. Parte significativa da economia é baseada na extração e na venda de insumos, commodities. São empresa de aço, metais, agrícolas, de armamento, petróleo e gás. Grandes conglomerados que dependem de uma grande estrutura, que não podem ser fragmentados em pequenos propriedades, e geram grandes proprietários", afirma.

"Na Rússia não se conseguiu o sonho liberal dos anos 1990, que era a construção de uma grande classe média proprietária, de modelo europeu. Se promoveu uma polarização social, de um lado os oligarcas e de outro uma população pobre, com uma classe média muito reduzida, por isso os oligarcas continuam atuantes."

Sob a mira da UE e dos EUA

Cabeças da economia no país, eles rapidamente sofreram sanções após o início da guerra, como o congelamento de bens e restrições como a proibição de viagens sobre o espaço aéreo europeu. E as medidas já respingam em grande parte da população.

"As sanções estão tendo efeito poderoso sobre a economia do país. Vemos o desligamento da Rússia do Swift, uma série de restrições da atuação das empresas, desligamento de sistemas do capitalismo internacional. Isso se expressa na desvalorização do rublo e no desemprego, por exemplo. Mas a Rússia construiu ao longo dos anos uma série de mecanismos de contenção. Diversificou a economia, já não é tão dependente da exploração de petróleo como se pensa, há uma diversificação maior da economia do que nos últimos anos, ela vem produzido produtos de alta qualidade, tecnologia, eletronica, computação", analisa.

A Rússia conseguiu construir um fundo de reservas de cerca de 600 bilhões de dólares, que podem ser utilizados, pelo menos parcialmente, já que uma parte pode estar congelada em bancos ocidentais, para mitigar os efeitos da guerra. A pergunta que fica agora é se eles devem durar enquanto a guerra não acabar.

"A grande questão é se a Rússia conseguirá suportar essas sanções. Putin certamente fez esse cálculo pensando em medidas e contra-medidas para mitigar esses efeitos, mas tudo vai depender do andamento da guerra, e de quanto tempo ela vai durar."

** Filha da periferia que nasceu para contar histórias. Denise Bonfim é jornalista e apaixonada por futebol. No iG, escreve sobre saúde, política e cotidiano.

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