Juristas reconhecidos internacionalmente pela carreira dedicada aos direitos humanos concluíram que o advogado Rodrigo Mudrovitsch, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para o cargo de Juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, não possui experiência em direito internacional público e direitos humanos internacionais, conhecimentos chaves para a vaga, além de ter se aproximado recentemente à pauta dos direitos humanos. A avaliação está no relatório do grupo, denominado Painel Independente – uma iniciativa da sociedade civil que visa fortalecer o sistema de nomeação e eleição no Sistema Interamericano de Direitos Humanos – divulgado na terça-feira (05/10).
Os seis especialistas do México, Argentina, Peru, Venezuela e Chile, se debruçaram sobre a trajetória acadêmica e profissional de todos os candidatos ao longo de sete meses. Mudrovitsch foi entrevistado pelo grupo em maio. O relatório informa que o Painel não encontrou referências a esses conhecimentos (direito internacional público e direitos humanos internacionais) nem nas ações ajuizadas por ele perante o Supremo Tribunal Federal (STF), nem em suas publicações acadêmicas ou jurídicas. “Tampouco esses conhecimentos puderam ser comprovados em sua entrevista ao Painel”, completaram. A reportagem procurou a assessoria de imprensa do advogado para comentar a análise, mas não obteve retorno.
A atuação de Rodrigo Mudrovitsch na defesa dos direitos humanos também não é reconhecida por profissionais brasileiros que são referências na área, ouvidos pela Agência Pública . “Nunca tinha ouvido falar nele até recentemente”, destacou a ex-procuradora federal dos Direitos do Cidadão Deborah Duprat. Ela disse não conhecer “nada dele – artigo doutrinário ou ação no STF ou em outro espaço – a respeito de direitos humanos”. A diretora da Human Rights Watch no Brasil, Maria Laura Canineu, também afirmou desconhecer a trajetória do advogado. O mesmo foi repetido pela diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck. “Não o conheço e não tenho ciência de atuação em questões de direitos humanos”, respondeu o coordenador da organização de Direitos Humanos Terra de Direitos, Darci Frigo, ao ser procurado pela reportagem.
O advogado indígena e coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Eloy Terena, destacou ainda que Rodrigo Mudrovitsch “não tem nenhuma vinculação com direitos humanos, com o Sistema interamericano de Direitos Humanos ou com a proteção internacional dos Direitos Humanos”, apesar de ser “ tecnicamente, um excelente advogado, especializado em Direito Constitucional, em Controle de Constitucionalidade no STF, um profissional muito competente”.
“Assim, a candidatura impressiona pela falta de adstrição entre a trajetória profissional e acadêmica dele e os conhecimentos e experiências que exigem o cargo de juiz da Corte IDH. A candidatura é ainda mais estarrecedora se considerarmos que se trata de alguém que deseja ser juiz de Direitos Humanos, mas na sua atuação privada está atuando contra os direitos territoriais dos povos originários. Será estarrecedor se nosso país, que possui tantos juristas, homens e mulheres, com larga expertise na proteção internacional dos direitos humanos indicar, justamente, alguém que não tem nenhuma trajetória na área”, acrescentou.
As eleições estão previstas para acontecer virtualmente entre 10 e 12 de novembro durante a 51ª Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), na Guatemala. A Corte IDH é composta por sete juízes que têm mandatos de seis anos, com direito a uma recondução. Mudrovitsch concorre com sete candidatos para quatro vagas em aberto. O Brasil teve apenas dois magistrados no tribunal, e, desde 2018, quando o juiz Roberto Caldas renunciou após ser acusado de agredir a ex-mulher , não conta com representante – em agosto deste ano, Caldas foi inocentado das acusações.
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Contradições
Na contramão da agenda dos direitos humanos, Rodrigo Mudrovitsch representa ruralistas no processo referente à tese do marco temporal que viola os direitos indígenas, sob análise do STF, conforme revelou a Pública em setembro. A própria Comissão Interamericana de Direitos Humanos já se manifestou contrária à tese. Uma das organizações que seu escritório defende é a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), a maior entidade de sojicultores do país. Ela é presidida pelo produtor rural Antônio Galvan, investigado pelo STF por patrocinar atos contra a Corte fomentados pelo cantor Sérgio Reis. Além disso, Mudrovitsch – que é advogado do ministro Gilmar Mendes – defende o magistrado em causas contra jornalistas.
Formado em 2003 na UnB, Rodrigo Mudrovitsch ascendeu na carreira após defender investigados na Lava Jato, como a empresa Odebrecht, em que foi o responsável por vários acordos de delações. Ele também foi advogado de grandes empresários, como Eike Batista, Jacob Barata Filho e Eraí Maggi, conhecido como o Rei da Soja, primo do ex-governador do Mato Grosso Blairo Maggi, outro cliente seu.
Em carta de apresentação para a Corte Interamericana, Mudrovitsch destacou que como advogado é autor de ação no STF que ampliou o prazo da licença-maternidade para mães de bebês prematuros. “A relevância da causa levou até o próprio STF a reconhecê-la como um dos avanços do Tribunal na implementação da Agenda 2030 da ONU”, ressaltou no documento. Ele também salientou sua atuação em defesa das garantias dentro do sistema prisional e que no contexto da pandemia coordenou ação perante o STF com objetivo de garantir acesso aos trabalhadores ao Fundo de Garantia. O advogado observou ainda que ocupa “relevantes funções no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e, como professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), coordenou o grupo de estudos “O Direito em tempos de Covid-19”, que realizou mais de 250 seminários.
Mudrovitsch recebeu 19 cartas de apoio à sua candidatura, como por exemplo, do ex-presidente do Senado, David Alcolumbre (DEM-AP); de entidades como a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR); de organizações como a ONG Prematuridade e de acadêmicos como os professores Daniel Sarmento e Ademar Borges, diretor e membro, respectivamente, da Clínica de Direitos Fundamentais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
O presidente da OAB Nacional, Felipe Santa Cruz, defendeu em carta de apoio que “o indicado possui notável currículo, tendo relevantes serviços prestados à cidadania e à advocacia”. “Temos plena convicção de que sua presença na Corte em referência em muito contribuirá para a afirmação e prevalência dos direitos humanos no continente americano”, acrescentou.
Campanha em agendas de Bolsonaro e Mourão
Desde que foi indicado por Jair Bolsonaro para uma vaga na OEA, em dezembro do ano passado, Rodrigo Mudrovitsch está em campanha, com apoio do Itamaraty. Em julho, por exemplo, ele acompanhou o vice-presidente Hamilton Mourão na posse do presidente do Peru, Pedro Castillo . Mais recentemente, o advogado fez parte da comitiva brasileira a Nova York para a abertura da 76ª sessão da Assembleia-Geral da ONU. O discurso do presidente, no entanto, foi repudiado por organizações que atuam na defesa dos direitos humanos no Brasil.
A Anistia Internacional, por exemplo, destacou em nota: “o Brasil que Bolsonaro apresenta ao mundo não existe. Pelo contrário, o país vive graves ameaças aos direitos humanos fundamentais revelados por dados e fatos e que afetam o dia-a-dia de brasileiros e brasileiras”. A organização contrapôs informações abordadas pelo presidente, ressaltando a ausência de uma política de combate ao desmatamento ilegal da Amazônia, as diversas violações de direitos sobre os povos indígenas e a falta de políticas públicas para combater de forma efetiva a pandemia.
A diretora de programas da Conectas Direitos Humanos, Camila Asano , destacou ainda que as afirmações do presidente revelaram discriminação de cunho religioso. “Ao afirmar que dará refúgio a cristãos afegãos, o presidente faz uma evidente discriminação contra as demais religiões. Isso viola os princípios da lei de migração e da lei de refúgio e em nada combina com acolhimento humanitário”.
Para a pesquisadora e ativista Sonia Corrêa, que coordenou um projeto de pesquisa sobre políticas antigênero na América Latina, Mudrovisch comprometeu a sua imagem ao participar da comitiva brasileira à Nova York. “Fiquei bastante surpreendida com a presença de Rodrigo Mudrovitsch na delegação brasileira para a Assembleia Geral da ONU, pois seu mandato não se situa no Sistema Internacional de Direitos Humanos, mas sim no Sistema Interamericano. Faria sentido, numa Assembleia da OEA, mas não nesse caso. Sua participação na delegação seria sempre incomum e foi ainda mais comprometida por efeito do comportamento grotesco de vários de seus membros durante a estadia em Nova York. Ele se expôs de maneira desnecessária e deletéria. Os juízes da Corte Interamericana são, em geral, muito discretos. Nunca explicitam adesão política aos governos que os indicaram, muito menos em situações tão constrangedoras. Um péssimo começo ouso dizer”, avaliou.