Dos 43 anos de vida, a técnica de enfermagem Luciana dos Santos Nogueira esteve com o músico Evaldo dos Santos Rosa por mais de 27. Vizinhos de rua, em Marechal Hermes, na Zona Norte do Rio, começaram a namorar ainda na adolescência, montaram um apartamento, foram morar juntos e depois tiveram um filho: David Bruno Nogueira Rosa dos Santos. Na tarde de 7 de abril de 2019, quando os três iam juntos a um chá de bebê, o carro da família foi metralhado em uma ação do Exército , na Vila Militar, na mesma região.
Nesta quarta-feira, dia 13, oito dos militares foram condenados pelo duplo homicídio de Evaldo e do catador de latinhas Luciano Macedo , que estava na rua e foi atingido pelos disparos, e pela tentativa de homicídio contra Sérgio, pai de Luciana, que os acompanhava e ficou ferido. Em entrevista exclusiva ao GLOBO, a viúva diz estar aliviada.
"Tinha muito medo da impunidade, isso me afligia diariamente, mas o julgamento de ontem tirou um peso da minha cabeça. Acordei com a sensação de dever cumprido. A justiça foi feita para honrar a imagem do meu marido. Eu pensava não ser possível que o certo pagasse pelo errado e Deus ouviu minhas preces. Eu precisava muito dessa resposta. Seria o fim do mundo se não fossem condenados", emocionou-se.
Como foi aquele fim de semana?
No sábado, quando cheguei do trabalho, meu marido, como de costume, foi me buscar no ponto de ônibus. Dormi a tarde, fiz uma escova e deixei meu filho na casa dos meus pais. À noite, fomos a uma casa de shows. Chegamos por volta de 1h da madrugada. Acordamos na manhã do domingo, tomamos café e pedi ao meu marido que me acompanhasse ao chá de bebê de uma amiga, em São João de Meriti. Buscamos o David Bruno, nos arrumamos e fomos para lá. No caminho, quando estávamos devagar e passando em um quebra-mola, tudo aconteceu.
O que a senhora lembra daquele momento?
Nosso carro foi metralhado. Não dava para entender. Eu cheguei a gritar: “Calma, amor, é o Exército, é o quartel”, porque quando os víamos nos sentíamos protegidos. Lembro que o primeiro tiro que deram acertou meu marido e sujou a blusa do meu filho. Nós então paramos, a população veio até nosso carro e, mesmo assim, eles continuaram atirando muito. Saí pedindo por socorro e eles não nos ajudaram.
O que aconteceu a partir de então?
Quando o Corpo de Bombeiros chegou e atestou que meu marido estava morto, eu passei a tentar impedir que eles chegassem e mexessem no carro. Meu medo ali era que eles revertessem a história. E Deus me deu sabedoria para que não deixasse isso acontecer.
Como foram os dias seguintes à tragédia?
Duda foi meu grande amigo, meu companheiro. Depois do ocorrido, que caiu a ficha de que mataram seu amigo, seu companheiro, você fica desnorteada, sem saber como recomeçar. Mas pelo David tive que aprender a recomeçar. Somos sobreviventes, foi um milagre alguém ter saído vivo daquele carro. Tentaram desqualificar meu caráter, dizendo que morávamos em comunidade, como se nesses locais só tivesse pessoas que fazem o mal.
O que mudou na vida de vocês?
Mudamos de casa, o David Bruno mudou de colégio, fazemos acompanhamos psicológico. Comecei a namorar Evaldo muito menina, trabalhamos, compramos nosso primeiro carro, montamos nosso apartamento. Saudades dele vou ter para toda minha vida. Saudades dos dias de domingo, quando acordávamos cedo, íamos à feira comprar peixe e ele tocava cavaquinho e brincava com o filho de andar de bicicleta. Por mais que eu tenha que seguir, vou levar essas lembranças para o resto da minha vida.
Como a senhora avalia o julgamento de ontem?
Perdi meu bem precioso há dois anos. Não é fácil ouvir meu filho dizendo: “Mamãe, tiraram o meu direito de ter um pai velhinho”. Eu tinha muito medo da impunidade, isso me afligia diariamente, mas o julgamento de ontem tirou um peso da minha cabeça. Acordei com a sensação de dever cumprido. A justiça foi feita para honrar a imagem do meu marido. Eu pensava não ser possível que o certo pagasse pelo errado e Deus ouviu minhas preces. Eu precisava muito dessa resposta. Seria o fim do mundo se não fossem condenados.