Jovem é apontado como autor de roubo a mão armada em Niterói
Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
Jovem é apontado como autor de roubo a mão armada em Niterói

RIO - Jovem, negro, morador de comunidade, preso por assalto a mão armada no centro de Niterói com base em reconhecimento fotográfico. Poderia ser a história do violoncelista Luiz Carlos Justino, de 23 anos, que dominou o noticiário na última semana após ser detido por engano em uma blitz, quando saía de uma apresentação musical nas barcas, e solto cinco dias depois. Mas trata-se de Danillo Félix Vicente de Oliveira , de 24 anos, cuja família aponta  irregularidades em sua prisão e batalha por sua liberdade há mais de um mês.

Uma petição online exigindo sua soltura já tem quase 20 mil signatários e, conforme antecipou a coluna de Ancelmo Gois, um protesto está marcado na sede do Tribunal de Justiça no próximo dia 28, dia da audiência de instrução e julgamento de Danillo e véspera de seu aniversário.

Nesta quinta-feira, sua esposa, Ana Beatriz Sobral Faria, de 21 anos, estava animada porque o veria pela primeira vez desde a prisão, no dia 6 de agosto. Ao chegar ao presídio Thiago Telles, porém, descobriu que o marido havia sido transferido para o presídio Evaristo de Moraes, mais conhecido como Galpão da Quinta, sem que a família ou a advogada fossem avisados.

— Ontem seria dia de visita lá no Thiago Telles, então eu fui super empolgada para visitá-lo. Quando cheguei, dei o nome dele, eles disseram que ele tinha sido transferido. Um dia antes, na quarta, eu tinha ido lá levar algumas coisas com ele, bermuda, pão, biscoito, enfim. E não me disseram nada sobre a transferência, só me deixaram entrar e pegaram as coisas, que ficaram por lá. Hoje, tive que comprar tudo de novo para levar pra ele no Galpão. Soube pela advogada que ele está na ala dos evangélicos lá, porque no Thiago Telles ele já participava dos cultos. Ela disse que ele está bem e que confia em nós, que vamos tirar ele de lá — disse.

Segundo os familiares, Danillo foi abordado na rua e detido por policiais à paisana no último dia 6 de agosto, sem flagrante. Ele é acusado por um assalto a mão armada cometido no dia 2 de julho. Na delegacia, a vítima teria descrito um ladrão "pardo de bigode fino", apontado outro suspeito e informado a existência de câmeras de segurança no local do crime. Porém, após ver imagens de 2017 e 2018 retiradas das redes sociais de Danillo, a vítima teria mudado sua versão e apontado o rapaz como autor do crime. O que a família contesta é que, desde 2019, o rapaz tem cabelo longo de dreads e cavanhaque, como prova sua foto mais recente postada na rede, em 31 de maio deste ano. Ou seja: na época do crime, sua aparência não correspondia à descrição.

— No dia do crime, ele estava em casa com a gente, eu, ele, meus sogros e nosso filho. Ele está sem celular há muito tempo, ele usa o meu e, inclusive, estava com o meu no dia em que foi preso. A gente não tem foto, não tira foto todo dia, não grava vídeo todo dia e, por ele estar sem celular, não tem conversa dele com ninguém. O que consegui foi provar, com a localização, que o aparelho estava em casa na hora do roubo. Quando prenderam ele, ele estava na rua conversando com um amigo e já chegaram algemando-o e levando-o para a delegacia. Foi esse amigo que veio nos avisar, e fomos direto para lá. Foi a última vez que o vi — contou.

De acordo com a jovem, toda a condução do processo que prendeu Danillo deixou a família insegura.

— Não sabemos o porquê de a vítima ter mudado a versão e apontado o Danillo. Não sabemos nem se teve o assalto mesmo porque os policiais não buscaram provas do assalto.... A vítima diz que no local do crime há câmeras de segurança, que não foram solicitadas pela polícia para investigação do roubo. Sem contar que a vítima diz que o autor do crime era "um rapaz pardo de bigode fino", o Danillo é negro. E ela não se recorda de mais nada, marcas no rosto, corte de cabelo, tatuagens... O reconhecimento fotográfico não pode ser suficiente para um decreto de prisão preventiva — questiona Ana Beatriz.

A moça relatou também a dificuldade de lidar com a distância e a saudade. Segundo ela, o filho pequeno do casal deu seus primeiros passos e chama pelo pai toda hora.

— Tá muito difícil, sabe? O Danillo foi preso injustamente às vésperas do meu aniversário e do aniversário do meu sogro (fazemos no mesmo dia), passou o dia dos pais longe do filho, a audiência dele está marcada na véspera do aniversário dele. Tudo isso acaba afetando nosso psicológico. O nosso filho demorou muito para andar, isso era uma coisa que nos deixava bem ansiosos. É mais um momento importante que ele perdeu por causa disso tudo — lamenta.

Danillo mora no Morro da Chácara, no centro de Niterói, com os pais, a esposa e o filho de um ano. Até março, ele trabalhava como terceirizado no gabinete da reitoria da Universidade Federal Fluminense (UFF), distribuindo correspondência, mas perdeu o emprego durante a pandemia.

— Para a gente não ficar parado na quarentena, começamos a vender roupa na internet, fizemos uma lojinha no Instagram. E isso acaba nos prejudicando financeiramente também porque, com ele aqui, eu dava total atenção a nossa loja virtual. Não vendia muito, mas já era alguma coisa. E, com tudo isso, me desliguei demais de lá — disse.

Ana Beatriz também comentou sobre o apoio que está recebendo de movimentos sociais antirracistas. Ela confia que a mobilização de instituições e pessoas em prol da manifestação no dia da audiência ajudarão a libertá-lo.

— Eu vou ser testemunha do julgamento dele e vou participar da manifestação. Vai ser um ato super bonito, vão ter poetas, MCs, vários artistas se apresentando. Vai ser muito além de só pedir "Liberdade Para Danillo". Tem muita gente nos apoiando, todos estão lutando pela mesma causa. Porque a gente sabe que se fosse um branco, ele não seria "confundido". Infelizmente, para eles, preto é tudo igual. Vamos mostrar que ele não está sozinho, chamar atenção da cidade e ver se eles vão pelo menos se mover para soltar o Danillo — concluiu.

Advogada vê 'falta de cuidado' e falhas processuais

A advogada Cristiane Lemos, responsável pela defesa de Danillo, considera que não há provas suficientes para que o rapaz ainda esteja preso.

— O que mantém o Danillo preso é a falta de cuidado do judiciário em acusar uma pessoa sem sequer ter provas contra ela. O Danillo não tem passagem nenhuma, não tem anotação criminal nenhuma, o Danillo trabalhava na UFF e em março, devido à pandemia, foi desligado e, junto com sua esposa, resolveu vender roupas on-line. Não há nenhuma de provas além do reconhecimento fotográfico falho para a acusação. As imagens das câmeras de segurança foram solicitadas no dia 10/08. E não obtivemos sucesso, apesar do fato de que, por lei, as imagens deveriam ter sido guardadas por 120 dias — afirmou.

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Ela lembrou de como o rapaz estava nervoso quando foi detido, no dia 6 de agosto.

— A família entrou em contato comigo por volta de 00h, quando ele estava na carceragem da 76ª DP. Fui até lá, conversei com ele e com os inspetores que estavam lá de plantão. Ele estava se tremendo muito, muito nervoso, sem saber o que estava acontecendo e por que estava ali. Tentei acalmá-lo, expliquei o que estava acontecendo e o motivo de ele estar ali. Logo nesse primeiro momento, ele negou tudo e disse que era inocente — contou.

A advogada ressaltou que houve várias falhas ao longo do processo que o colocou na cadeia.

— As falhas começaram no inquérito, com a digitação da data errada. O crime ocorreu em 2/07, mas no registro de ocorrência constava 2/06. Depois disso, tivemos a falha mais absurda que foi o reconhecimento fotográfico. Em depoimento, a vítima narra que o autor do delito era pardo e possuía um bigode fino, reconhecendo uma outra pessoa e não o Danillo. No dia seguinte, a vítima retorna a delegacia para prestar esclarecimentos e lhe apresentam uma foto do Danillo publicada em seu Facebook no ano de 2017, fazendo com que a vítima mudasse sua versão, apontando o Danillo como autor do crime — disse ela, afirmando que a justiça não solicitou imagens das câmeras de segurança do momento do assalto.

— O Danillo foi preso andando na rua junto com um amigo sem sequer ter mandado de prisão expedido contra ele. A vítima relatou também que no local haviam câmeras de segurança que registraram o momento do crime. Ocorre que mais um grande erro aconteceu: a delegacia não diligenciou para recuperar as imagens. O MP, quando recebeu o inquérito também não solicitou a recaptura das imagens e, por sua vez, a magistrada também não. Portanto, havia câmeras que registraram a ocorrência, mas nada foi feito para recuperar as imagens, contando apenas com o depoimento incerto e duvidoso da vítima e mais a falha no reconhecimento fotográfico — argumentou.

De acordo com Cristiane, Danillo permaneceu na 76ª DP por 24h. Em seguida, foi transferido para o presídio de Benfica, onde ela esteve com ele dois dias depois. Na semana seguinte, ele foi encaminhado ao Thiago Telles, em São Gonçalo, e há uma semana está no Galpão da Quinta.

— Não recebeu visita, o único atendimento era comigo. Ele continua em prisão preventiva, porque a revogação foi negada. Entraremos com o habeas corpus em breve e, na audiência, sustentaremos a inocência e absolvição dele. Ou será absolvido, ou condenado a um crime que não cometeu — reiterou.

Apoio de entidades civis

A Comissão de Direitos Humanos e Assistência Jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) também está atuando em prol da soltura de Danillo. No início desde mês, o órgão protocolou um requerimento de amicus curiae , um recurso jurídico utilizado para somar forças à defesa de pessoas que já têm advogado constituído. Agora, aguarda o parecer da juíza sobre o pedido.

— O fundamento principal é que a prisão preventiva foi decretada com base apenas no reconhecimento por foto, com a agravante de que foi usada uma de 2018, do Facebook, em que o Danilo ainda não usava dreads no cabelo. Ele não tem antecedentes criminais. Há precedentes judiciais (no STF, inclusive) no sentido de que o reconhecimento por foto não pode ser o único ou preponderante elemento de prova que possa ensejar a prisão preventiva. Vale dizer: ele sequer foi chamado a depor previamente — destaca Sônia Ferreira Soares, membro da comissão.

Além da petição criada pela esposa, uma carta com mais de 100 signatários, entre eles políticos, coletivos do movimento negro e outras instituições da sociedade civil, pedem a soltura do rapaz, como o Movimento Negro Unificado, o Grupo Tortura Nunca Mais e o Diretório Central de Estudantes da UFF. Confira a lista completa.

O que dizem MP, TJ e Polícia Civil

Em nota, o Ministério Público informou que "se manifestou pela manutenção da prisão preventiva de Danillo Félix Vicente de Oliveira porque ele foi reconhecido pela vítima no dia posterior ao crime, através de fotografias existentes na delegacia e no Facebook". Também afirmou que vítimas de outros dois roubos semelhantes, ainda sem denúncia, reconheceram Danillo. Confira na íntegra:

"Além disso, Danillo Félix Vicente de Oliveira foi reconhecido por outras duas vítimas em procedimento instaurado perante à 4ª Vara Criminal de Niterói, no qual ele foi denunciado juntamente com a pessoa sobre a qual a defesa alega ter havido confusão.

Esta mesma pessoa e Danillo também foram reconhecidos por outras três vítimas em outros dois ROs, ainda sem denúncia, também por roubos praticados com características semelhantes. A promotoria reafirma que os argumentos defensivos não se sustentam quando diversas vítimas, que não se conhecem, reconhecem não somente Danillo, como também a outra pessoa, de modo que a autoria de um não exclui a do outro.

A promotoria ressalta que a defesa já tem acesso a sua manifestação, já anexada aos autos do processo."

Já o Tribunal de Justiça do Rio localizou dois processos envolvendo o nome "Danilo Felix Vicente de Oliveira", grafado com um l, no período de 2013 a 2020. Os dois se referem a roubo majorado. Um deles é o caso tratado na matéria, que tramita na 1ª Vara Criminal de Niterói, com audiência marcada para o próximo dia 28. O outro tramita na 4ª Vara Criminal da cidade e foi encaminhado ao Ministério Público.

A Polícia Civil afirmou que, "de acordo com a 76ª DP (Niterói), o inquérito foi concluído com base nos elementos produzidos durante a investigação e remetido à apreciação do Ministério Público na forma da lei".

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