O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta falava na ocasião sobre o uso de tecnologias para identificar infecções pelo novo coronavírus .
O estudante de medicina se lembrou sobre como havia discutido, em um curso, sobre o uso de dados de geolocalização para entender como uma doença infecciosa se espalha.
"Eu percebi que não tinha nenhuma plataforma desse tipo ainda para a covid-19 e que eu poderia fazer uma", diz Faissal, que aprendeu sozinho a programar.
Passados dois meses, a ideia se transformou no Juntos Contra o Covid, um site colaborativo que mapeia casos do coronavírus no Brasil e permite que uma pessoa saiba qual é o risco de infecção na região onde ela mora.
O projeto já recebeu dezenas de milhares de colaborações e precisou interromper brevemente a coleta de dados enquanto se reestrutura para dar conta de tantos acessos.
"Queremos voltar a funcionar normalmente nos próximos dias", diz Faissal.
Como funciona
Os dados são fornecidos pelos próprios usuários, que informam seu sexo, idade e o endereço onde vivem. Também dizem se foram vacinados contra gripe e testados para covid-19 e se tiveram sintomas compatíveis com os da doença causada pelo coronavírus.
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Respondem ainda se têm algum problema de saúde, se entraram em contato com casos suspeitos ou confirmados e se viajaram para algum local onde há a chamada transmissão comunitária, ou seja, onde o vírus circula livremente.
A única informação pessoal fornecida é um endereço de email, que é mantido em sigilo.
Todos esses dados são levados em consideração por um algoritmo que identifica em qual das três categorias de risco a pessoa se encaixa e a identifica no mapa do site de acordo com isso.
Os casos de risco baixo são identificados por pontos azuis. São pessoas que não têm sintomas de infecção respiratória nem histórico de contato com o vírus.
Os pontos amarelos são de risco médio: a pessoa tem sintomas, mas não viajou para onde há transmissão comunitária ou não tem certeza se esteve em contato com casos suspeitos ou confirmados.
Os casos de alto risco, em vermelho, são de quem testou positivo para covid-19 ou tem sintomas e entrou em contato com casos suspeitos ou confirmados ou viajou para onde há a transmissão comunitária.
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Quem entra no site pode checar no mapa quantos pontos azuis, amarelos e vermelhos existem em uma região e entender, assim, até que ponto aquela é ou não uma área de risco de covid-19.
"Queremos conscientizar as pessoas sobre a presença do coronavírus onde elas moram. Mas a gente ressalta que, mesmo onde só há pontos azuis, não significa que o vírus não esteja presente, porque até 30% das infecções podem ser assintomáticas", diz Faissal.
Dados poderão ser usados em pesquisas
Ao mesmo tempo, todos essas informações estão sendo reunidas em uma base de dados que depois será disponibilizada publicamente e poderá ser usada para realizar estudos sobre a pandemia.
Até o momento, quase 170 mil pessoas já contribuíram com suas informações. "Queremos ajudar a entender o que aconteceu agora e, caso seja possível, em outras pandemias no futuro", afirma o estudante.
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A física Caroline Franco, colaboradora do Observatório Covid-19 BR, que reúne pesquisadores para fazer análises sobre a pandemia, diz que esse tipo de iniciativa é importante, porque existem poucas bases de dados públicas sobre o novo coronavírus no país e a comunidade científica tem enfrentado problemas para conseguir informações com governos.
"Pedimos esses dados, mas algumas vezes eles demoram para chegar, em outras não recebemos resposta. E, quando a base de dados vem, pode já estar desatualizada, então, é muito interessante esse esforço de mapear os casos", diz a pesquisadora.
No entanto, Franco ressalta que, para contribuir, a pessoa precisa ter um computador ou smartphone e acesso à internet. A dificuldade de acesso a essas tecnologias faz com que a participação fique mais concentrada nos bairros mais ricos e entre as classes mais altas — e com que a amostra de pessoas ali não seja tão abrangente, o que pode gerar um viés socioeconômico nos resultados de futuros estudos.
"É uma proposta que tem bastante potencial, mas eles precisam encontrar uma forma de expandir a base de participantes", avalia Franco.
O epidemiologista Lúcio Botelho, professor do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), concorda e faz outra ressalva: pessoas saudáveis podem se sentir mais motivadas a participar do que aquelas que estão doentes.
"Como a participação é voluntária, você fica dependente de uma pessoa querer ou não colocar os dados, e as pessoas têm uma tendência maior de informar voluntariamente algo que é bom do que algo que é ruim", diz Botelho.
O epidemiologista diz que isso pode levar o mapa a indicar menos casos do que existem na realidade em uma região e fazer uma pessoa interpretar equivocadamente o risco que existe ali. "Uma forma de corrigir isso seria agregar ao mapa dados de outras fontes", diz Botelho.
Projeto busca mais apoiadores
O médico Valderílio Feijó, professor da UFPR e líder da equipe clínica do Juntos Contra o Covid, diz que os participantes do projeto estão cientes destas limitações e estudam alternativas para aprimorar o site, entre elas, o de complementá-lo com dados oficiais.
"Mesmo assim, isso não impede a plataforma de cumprir seu objetivo, porque, se você vê que tem um caso no seu bairro, você sabe que o vírus está circulando por ali, e as medidas de proteção devem ser tomadas independentemente do número de casos", afirma Feijó.
O médico ressalta que, quanto mais pessoas contribuírem com o site, mais precisas serão as informações exibidas pelo mapa.
Mas o projeto tem um outro obstáculo que precisa ser superado antes: seu financiamento. O site faz parte de um projeto de iniciação científica na Universidade Federal do Paraná (UFPR), que envolve 22 profissionais voluntários.
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Houve um aumento expressivo do número de colaborações nos últimos dias, e isso esgotou o espaço para armazenamento nos servidores que armazenam as informações dos participantes e que havia sido doado pela Amazon, um dos patrocinadores da iniciativa.
Por isso, foi preciso interromper a coleta de informações temporariamente, enquanto a equipe busca mais recursos.
Faissal diz que há urgência em fazer tudo voltar a funcionar normalmente. "Perder tempo significa perder dados, e isso pode prejudicar as análises que a gente quer fazer depois."