Segundo profissionais, cerca de 60% dos quase 200 pacientes recebidos apresentam sintomas da doença
Pixabay
Segundo profissionais, cerca de 60% dos quase 200 pacientes recebidos apresentam sintomas da doença

"Eu estou com 15 pacientes, alguns em estado grave, e não tem médico para atender. Não tem lugar para estocar corpos de quem morreu de Covid-19". O drama é relatado por um funcionário da UPA do Complexo da Maré, Zona Norte do Rio, que aponta uma rotina de falta de médicos e de superlotação agravada pela pandemia de coronavírus.

Segundo profissionais, cerca de 60% dos quase 200 pacientes recebidos apresentam sintomas da doença. Das 16 vagas em leitos da unidade, 14 já estão ocupadas com casos suspeitos. As outras duas são utilizadas por pessoas acometidas por outras enfermidades. Corpos se acumulam pelos corredores e salas da UPA.

Governo renova por 30 dias proibição de entrada de estrangeiros por aeroportos

– Ontem (segunda-feira), por exemplo, os pacientes tiveram que esperar horas por atendimento durante a troca de plantão porque não havia médicos na UPA. Infelizmente é uma situação rotineira, ainda mais agora com profissionais afastados pela doença e sobrecarregados.

Pela manhã, tinha apenas uma enfermeira para atender todos os pacientes das salas amarela e vermelha. Não há mais leitos, buscamos atendimento e temos que voltar para casa e pedir a Deus por proteção – afirma uma moradora do Parque Rubens Vaz, uma das comunidades da Maré.

"Trabalho a matou": pressão e morte de pacientes fazem médica cometer suicídio

A unidade, que fica na Vila do João, é a única dentro do conjunto de 16 comunidades onde vivem 140 mil pessoas. Nesse cenário, muitas pessoas que buscam atendimento acabam voltando para casa. E quem é atendido precisa conviver com cadáveres acumulados pela unidade. Nesta segunda-feira, cinco corpos aguardavam remoção.

Uma funcionária, que não se identificou por medo de represálias, diz que médicos, técnicos e enfermeiros têm utilizado equipamentos de proteção individual doados de outras unidades. Além disso, não há protetor facial para todos os profissionais que estão em contato com os casos suspeitos.

Aventais impermeáveis, que deveriam ser descartáveis, são reutilizados. As máscaras estão reduzidas, impedindo que se faça a troca conforme a recomendação e fazendo com que sejam usadas por mais tempo.

Você viu?

Segundo a mesma funcionária, outra preocupação é a falta de espaços para isolar pacientes suspeitos de Covid-19. Além disso, os resultados dos testes para confirmar a doença levam de sete a dez dias. Muitas pessoas morrem sem receber a confirmação.

– Nós tentamos isolar pacientes dentro de um quarto, mas uma idosa acabou tendo contato com outros internados. Quisemos deixá-la longe dos outros o máximo de tempo possível, mas não foi possível. É uma preocupação nossa, não conseguimos fazer o isolamento. Estamos com uma média de três óbitos por dia, de vítimas que moram na Maré ou em bairros próximos, como Ramos e Bonsucesso. Esses corpos ficam na UPA por até 36 horas, as funerárias alegam que estão sobrecarregadas.

O relato condiz com a possível subnotificação de casos do coronavírus em comunidades do Rio . De acordo com a ONG Redes da Maré, muitos casos registrados no complexo acabam sendo computados como se tivessem ocorrido nos bairros adjacentes, já que muitos moradores que dão entrada em hospitais com suspeita ou confirmação da doença temem ser discriminados se admitirem que moram em favelas.

Outro profissional da mesma unidade destaca que a equipe de enfermagem acaba sendo penalizada pelo paciente "por falta de investimento na área da saúde e má gestão administrativa". Ele lamenta não poder cumprir o papel assumido na profissão.

– Não conseguir prestar o atendimento para o paciente e encaminhá-lo para outra unidade, por não ter médicos, é o que mais nos incomoda. O paciente deveria ter direito ao sistema público de saúde que, por diversos motivos, às vezes não é concedido. Tem paciente que chega estável e, pela demora no atendimento, acaba descompensando e indo a óbito algumas vezes – relata o funcionário, citando a revolta de pacientes e acompanhantes: – Eles não entendem, num momento de dor, e acabam partindo até para a violência contra nós, que estamos na linha de frente.

O Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro afirma que está apurando a situação de superlotação e de déficit de médicos na unidade de saúde. Já a Secretaria estadual de Saúde do Rio (SES-RJ) e a Organização Social (OS) Viva Rio, que administra a UPA do Complexo da Maré, não responderam aos questionamentos até o momento.

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!