Jornalistas vencem Nobel da Paz em defesa da liberdade de imprensa
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Jornalistas vencem Nobel da Paz em defesa da liberdade de imprensa

Prêmio Nobel da Paz de 2021 foi para a filipina Maria Ressa e para o russo Dmitri Muratov, por seus esforços para salvaguardar a liberdade de imprensa e de expressão em seus países, "uma condição para a democracia e a paz duradoura". A homenagem, entendida como um endosso à importância do trabalho jornalístico de modo geral, foi anunciada durante uma cerimônia em Estocolmo nesta sexta-feira (08).

A decisão do Comitê Norueguês do Nobel, organização responsável pelo prêmio anual, foi considerada surpreendente, mas já se especulava que os vencedores pudessem ser pessoas ou organizações que buscam garantir a liberdade de imprensa, diante da proliferação de informações falsas e dos ataques contra o setor. O objetivo, afirmou a presidente do Comitê, Berit Reiss-Andersen, é "reforçar a importância de proteger e defender" direitos básicos:

"O jornalismo livre, independente e embasado por fatos serve para proteger contra abusos de poder, mentiras e propagandas de guerra. O Comitê Norueguês do Nobel está convencido de que a liberdade de expressão e a liberdade de informação ajudam a garantir um público bem informado", disse Reiss-Andersen. "Esses direitos são pré-requisitos cruciais para a democracia e protegem contra guerras e conflito".


Ressa, de 58 anos, é cofundadora e diretora executiva do Rappler, um popular e influente site de jornalismo investigativo nas Filipinas. A primeira filipina a ser laureada com um Nobel, disse o Comitê, "usa a liberdade de expressão para expor abusos de poder, uso de violência e o crescente autoritarismo" em seu país, onde há anos é alvo de investigações, processos e ataques virtuais.

Parte significativa do trabalho do Rappler é focada na controversa e sangrenta "guerra às drogas" travada pelo presidente Rodrigo Duterte — segundo estimativas de 2020 da ONU, ao menos 8,6 mil pessoas foram mortas oficialmente e outras milhares perderam suas vidas em circunstâncias não esclarecidas. A conduta oficial é investigada pelo Tribunal Penal Internacional que, no mês passado, disse ter constatado o que parecem ser ataques sistemáticos contra a população civil.

"Um mundo sem fatos é um mundo sem verdade e sem confiança", disse ela, que neste ano também recebeu o Prêmio Mundial de Liberdade de Expressão da Unesco, em uma entrevista transmitida pelo Rappler, que também noticia extensamente escândalos e campanhas virtuais de desinformação do governo. "Os momentos mais perigosos são também os momentos em que [o jornalismo] é mais importante."

Dmitri Muratov

Já o russo Muratov, de 59 anos, é há décadas um defensor da cada vez mais escassa liberdade de expressão na Rússia. Em 1993, ele fundou o jornal independente Novaya Gazeta, cujo "jornalismo baseado em fatos e integridade profissional o transformaram em uma importante forma de informação em aspectos censuráveis da sociedade russa raramente mencionados por outros veículos".

Em 28 anos de atividade, seis jornalistas do periódico foram assassinados em uma Rússia onde vozes críticas ao governo são com frequência silenciadas — entre eles, Anna Politkovskaya, que escreveu reportagens reveladoras sobre a guerra na Chechênia. Nos últimos anos, desafiou o governo de Vladimir Putin com investigações sobre má conduta e corrupção, e cobriu com frequência o conflito com a Ucrânia.

Se a escolha foi um recado direto para o Kremlin, o governo russo preferiu ignorar. O porta-voz de Moscou, Dmitri Peskov, parabenizou Muratov por sua "valentia e talento" e por "trabalhar sem parar de seguir seus ideais".

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Primeiro russo a ganhar o Nobel desde Mikhail Gorbachev, — que ajudou na fundação da Novaya Gazeta com o dinheiro que recebeu do prêmio em 1990 —, Muratov dedicou a homenagem aos colegas assassinados:

"Não posso atribuir o mérito a mim. É da Novaya Gazeta. É daqueles que morreram defendendo o direito do povo à liberdade de expressão", disse ele, segundo a agência russa Tass, listando o nome dos jornalistas mortos.


O prêmio desta sexta é o primeiro para jornalistas desde 1935, quando o alemão Carl von Ossietzky ganhou por revelar o programa secreto de rearmamento do país após a Primeira Guerra Mundial. A vitória de Muratov e Ressa, disse o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, é "um reconhecimento da importância do trabalho de jornalistas nas circunstâncias mais difíceis", que parabenizou todos os profissionais da imprensa.

"Neste momento, dominam dois sentimentos: a alegria e a urgência", disse Christophe Deloire, secretário-geral dos Repórteres sem fronteiras. "Alegria porque é uma mensagem maravilhosa e poderosa a favor do jornalismo (...). E urgência porque o jornalismo vem sendo fragilizado, está sendo atacado, assim como as democracias, porque a desinformação e os boatos fragilizam ambos."

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