Prestes a completar um ano, a investigação do assassinato do menino João Pedro Matos Pinto, de 14 anos, está parada. O adolescente foi morto em 18 de maio de 2020 durante operação conjunta das polícias Federal e Civil no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio de Janeiro . Desde outubro do ano passado, quando foi realizada a reprodução simulada do crime na casa onde a vítima foi morta, nenhuma iniciativa efetiva de produção de provas foi tomada pela Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo (DHNSG) ou pelo Ministério Público.
Nos últimos seis meses, nenhuma nova testemunha foi ouvida nem houve pedidos de medidas cautelares feitos à Justiça, como quebras de sigilo. Enquanto a investigação patina, os três policiais investigados pelo crime seguem soltos e trabalhando normalmente.
A reprodução simulada foi feita por peritos da DHNSG e por um especialista contratado pelo MP. Ficou acordado que a Polícia Civil produziria o laudo oficial e o representante da promotoria faria uma análise independente, já que os dois órgãos têm procedimentos abertos para investigar o caso. Nenhum dos dois documentos foi concluído até hoje. A mãe de João Pedro , Rafaela Matos, questiona o motivo da demora.
"Estou muito apreensiva com essa lentidão. No caso Henry, por exemplo, tudo andou muito mais rápido. Por que o caso em que a polícia é envolvida, em que um menino negro é vítima, é mais difícil ser solucionado? — pergunta Rafaela, citando o caso de Henry Borel, menino de 4 anos morto, segundo a polícia, após ser agredido pelo próprio padrasto, o vereador Dr. Jairinho. O laudo da reprodução simulada feita no apartamento onde Henry sofreu as agressões ficou pronto em apenas duas semanas".
Após a reprodução simulada, o MP enviou as armas apreendidas ao longo do inquérito — tanto a que os policiais portavam quanto às que eles afirmaram terem encontrado no local do crime — para a Polícia Civil de São Paulo para que fosse feita uma contraprova dos exames de balística.
A pedido da Defensoria Pública, que representa a família de João Pedro, a promotoria pediu, ainda em 2020, que fossem repetidos os testes com o projétil de fuzil calibre 556 encontrado no corpo do menino. Logo depois do crime, os exames feitos pela Polícia Civil do Rio deram resultado inconclusivo — ou seja, não foi possível concluir se o tiro partiu da arma dos policiais. Na nova perícia, feita em São Paulo, o resultado foi o mesmo.
O fim das diligências para solucionar o caso coincide com a extinção do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) pelo MP do Rio. Um mês depois do crime, o Gaesp abriu um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) para investigar o caso de forma independente. Foram promotores do grupo que ouviram os amigos de João Pedro que testemunharam o crime. Com o fim do Gaesp, a investigação passou para as mãos da promotora Elisabete Felisbino, da 1ª Promotoria de Investigação Penal Especializada dos Núcleos Niterói e São Gonçalo. Em nota, Felisbino afirmou que recebeu e está analisando os autos.
Já a Polícia Civil alega que aguarda o laudo de reprodução simulada feito pelo perito contratado do MP e a contraperícia do exame de balística para concluir a investigação. Em nota, a corporação afirma que "a DHNSG não vê necessidade de nenhuma nova diligência ou oitiva". Atualmente, a investigação da Polícia Civil está a cargo do delegado Bruno Cleuder, que assumiu a DHNSG após o EXTRA revelar que o então titular, Allan Duarte, que era responsável pela investigação até setembro passado, estava na operação que terminou com a morte de João Pedro.
Policiais investigados seguem participando de operações
Três policiais civis fizeram disparos dentro da casa onde estava João Pedro quando foi morto e são investigados pelo crime: os inspetores Mauro José Gonçalves, Maxwell Gomes Pereira e Fernando de Brito Meister. Todos eles seguem, até hoje, na Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), unidade de elite da Polícia Civil. Os agentes trabalham normalmente e até participam de operações policiais. Segundo a corporação, "não há impedimento legal para que participem de operações, pois na época dos fatos os servidores não foram afastados de suas funções".
Outro caso de violência policial que aconteceu apenas uma semana após a morte de João Pedro teve um desfecho bem mais célere. O hoje ex-policial Derek Chauvin, acusado de asfixiar até a morte George Floyd, um homem negro, na cidade de Minnessota, nos Estados Unidos , foi expulso da polícia local um dia depois do crime. Quatro dias depois, foi preso. Em outubro, ele foi solto sob fiança. Desde o mês passado, Chauvin já está sendo julgado pelo crime. Não há previsão para que o inquérito sobre o assassinato de João Pedro seja finalizado.
João Pedro foi atingido por um disparo feito pelas costas, segundo o laudo cadavérico que faz parte da investigação . O projétil que o atingiu ficou alojado no corpo e tem calibre 556, o mesmo das armas usadas pelos policiais que invadiram o imóvel. Os três agentes afirmam que trocaram tiros com traficantes que fugiam da polícia e pularam o muro da casa onde estava João Pedro. Amigos da vítima que estavam no local afirmam que não houve confronto, os policiais entraram na casa atirando.